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Colégio com sete alunos: movimento das microescolas cresce cada vez mais nos EUA

Ideia começou na pandemia e ganhou força entre pais e profissionais de vários estados do país

Internacional|Dana Goldstein, do The New York Times

Programa educacional está se beneficiando de duas tendências a pandemia e novas opções de educação Audra Melton/The New York Times - 19.04.2024

Quando estava no jardim de infância, Nathanael disse à mãe, Diana Lopez, que não queria voltar à escola nunca mais. A professora gritava com ele, contou. Quando Lopez o buscava na escola, muitas vezes ele começava logo a chorar.

Nathanael tem autismo e, em uma sala de aula movimentada com 25 crianças, a professora parecia ter poucas estratégias para trabalhar com ele, comentou Lopez.

Este ano, em uma nova escola, Nathanael, de sete anos, ficou mais feliz. Dividiu um professor com apenas seis outros alunos – não em uma sala de aula, mas em toda a escola.

Nathanael frequentou uma microescola, tipo cada vez mais popular de escola particular superpequena, em grande parte não regulamentada, que consegue atender menos alunos do que os que se matriculam em uma única sala de aula de uma escola tradicional.

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Esse tipo de programa educacional está se beneficiando de duas tendências: desde que a pandemia da covid-19 interrompeu a escolarização, muitos pais repensaram a educação dos filhos e ficaram abertos a opções não tradicionais. No mesmo sentido, legisladores e doadores estaduais republicanos, que há muito apoiam preferencialmente as escolas privadas, direcionam cada vez mais dinheiro para as microescolas em todo o país, alegando que elas dão aos pais a oportunidade de se retirar dos distritos escolares a um preço razoável – normalmente, entre US$ 5 mil e US$ 10 mil por ano.

Os alunos de microescolas geralmente são registrados em seus estados como alunos que estudam em casa. Mas a nova geração de microescolas – como o programa que Nathanael frequentou, a Academia Cristã Kingdom Seed – opera mais como escolas modernas de apenas uma sala, funcionando em casas, igrejas e comércios.

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Essas escolas funcionam normalmente quatro ou cinco dias por semana, com professores em tempo integral, currículo definido e, às vezes, até provas padronizadas.

Existem poucos dados sobre essas escolas. Mas o Centro Nacional de Microescolarização, grupo de defesa que pesquisa os fundadores do programa, estima que existam 95 mil microescolas e grupos de educadores domésticos em todo o país, que atendem a mais de um milhão de estudantes. Durante o ano letivo de 2023-2024, um terço delas recebeu financiamento público por intermédio de programas semelhantes a vouchers, contra apenas 18 por cento há um ano.

Muitos fundadores têm múltiplas fontes de renda Audra Melton/The New York Times - 19.04.2024

Espera-se que esse número cresça, já que, no ano passado, oito estados se juntaram ao Arizona e à Virgínia Ocidental no fornecimento de acesso quase universal a contas de poupança para educação, tipo de voucher que pode ser usado para cobrir custos de educação feita em casa. Em abril, a Geórgia também aprovou uma lei que cria esse tipo de conta.

Estima-se que um milhão de crianças americanas utilizem fundos públicos para alguma forma de educação privada, mais que o dobro do número registrado antes da pandemia, de acordo com um novo informe da EdChoice, organização sem fins lucrativos que apoia a escolha da escola e acompanha o setor.

Qualquer pessoa pode abrir uma microescola, embora mais de dois terços dos fundadores sejam ou tenham sido professores licenciados. Esta pode ensinar o que quiser, incluindo versões bíblicas da ciência e da história. As instalações nem sempre são inspecionadas e, às vezes, não é necessário comprovar os antecedentes dos membros da equipe.

Embora muitos fundadores de microescolas digam que recebem alunos com deficiência, os programas não precisam seguir a lei federal sobre deficiência. A maioria não oferece as terapias e o aconselhamento que, muitas vezes, se encontram disponíveis nas escolas públicas. A própria Lopez disse que talvez não enviasse Nathanael de volta à Kingdom Seed no outono, por causa do custo e da necessidade de apoio adicional para o autismo dele.

Professores trabalham em tempo integral, com currículo definido e, às vezes, até provas padronizadas Audra Melton/The New York Times - 18.04.2024

À medida que cresce o impulso a favor desse tipo de escola, os democratas da Geórgia argumentam que, em vez de investir em vouchers, deveria ser destinado mais dinheiro às escolas públicas. Isso as ajudaria a reduzir o tamanho das turmas e permitiria contratar conselheiros e assistentes sociais adicionais para atender os estudantes com algum tipo de deficiência e aqueles com baixo rendimento. O estado gastou uma média estimada de US$ 14 mil por aluno no ano passado, abaixo da média nacional de US$ 16 mil.

“Há grupos que gostariam de impor a todas as nossas escolas públicas seus valores e suas crenças. As microescolas são outro método para que os pais possam retirar seus filhos de nossas escolas públicas, onde estão experimentando a diversidade”, afirmou Lisa Morgan, presidente da Associação de Educadores da Geórgia, afiliada do sindicato de professores.

Autonomia e paixão

Desiree McGee-Greene, a professora de Nathanael, fundou a Academia Cristã Kingdom Seed em agosto passado, em uma casa de subúrbio que divide com os pais, o marido e o filho, também aluno da escola. A sala de estar da família agora é uma sala de aula alegre, com paredes enfeitadas com letras, números e obras de arte.

Em uma manhã ensolarada de abril, Nathanael se sentou no tapete com apenas três colegas, de cinco a sete anos. O dia começou com uma história bíblica, enquanto as crianças ordenavam os eventos do Gênesis, “desde a criação, passando pela corrupção, até a catástrofe”.

Essas escolas funcionam normalmente quatro ou cinco dias por semana Audra Melton/The New York Times - 19.04.2024

O cristianismo é o tema fundamental do currículo desenvolvido por McGee-Greene, ex-professora de escolas públicas e privadas. E ela não está sozinha. Quase um quarto das microescolas é religioso, de acordo com o Centro Nacional de Microescolarização. “Qualquer coisa que não esteja na Bíblia, que vá contra o que é a palavra de Deus, é falsa. Outro princípio é que Deus criou tudo. Não foi há milhões de anos – essa é outra grande verdade”, disse McGee-Greene em uma entrevista na qual explicou sua filosofia educacional.

Depois do estudo bíblico e de uma aula de contagem em francês, o marido de McGee-Greene, Michael Greene, ex-professor, entrou em cena para explicar conceitos de matemática e ciências. No quintal, os alunos desenhavam e escreviam sobre insetos e flores em seu diário.

A Kingdom Seed, que cobra US$ 500 por mês pelo turno de tempo integral, é o núcleo de uma empresa familiar. A escola também recebeu uma subvenção de US$ 10 mil do Fundo de Educação Vela, organização sem fins lucrativos apoiada pelas famílias Koch e Walton, que se autodenomina uma “comunidade de empreendedores” em educação.

Além disso, McGee-Greene trabalha como treinadora para professores que desejam iniciar microescolas e apresenta um podcast em que compartilha seus conselhos. Também vende planos de estudos personalizados.

Muitos fundadores têm múltiplas fontes de renda porque as taxas das microescolas nem sempre correspondem a um salário competitivo. O salário médio dos professores da Geórgia foi de cerca de US$ 68 mil no ano passado, ao qual se soma um pacote de benefícios. Uma microescola típica chega a cobrar US$ 7 mil por aluno durante o ano letivo e começa com sete alunos, o que denota uma redução salarial significativa para o fundador, que também deve pagar aluguel, materiais e outros gastos.

Mas muitos fundadores de programas afirmaram que estão trocando rendimentos por autonomia e paixão. Marisa Chambers, que dirige a Escola Cristã Tri-Cities, microescola ao sul de Atlanta, disse que deixou o emprego como administradora de escola pública em 2019, em parte porque estava frustrada com o estado da educação para alunos com deficiência. Muitos estavam com vários anos de atraso acadêmico – e ela pensou que, sem receberem mais atenção pessoal, dificilmente conseguiriam se atualizar.

Os alunos de microescolas geralmente são registrados em seus estados como alunos que estudam em casa Audra Melton/The New York Times - 19.04.2024

Alan, de 12 anos, conheceu Chambers quando estava no jardim de infância, na escola pública onde ela trabalhava. Era tão retraído que foi diagnosticado com mutismo seletivo. Quando os pais ou a irmã mais velha o visitavam, frequentemente o viam separado de seus colegas. Mas, nesta primavera setentrional, Alan estava sorrindo e contando com facilidade esta história para um estranho: “Quando eu era criança, não levantava a mão.” Agora, recebendo atenção de Chambers e convivendo com apenas cinco colegas, diz: “Gosto desta escola, aqui posso aprender mais.”

A irmã de Alan, Monica Laton-Perez, de 24 anos, que ajuda a cuidar dele, comentou que o irmão teve um crescimento “tremendo”. Mas, mesmo com um desconto substancial, a mensalidade é cara para a família e, no outono, ele se matriculará em uma escola charter – tipo de escola pública administrada pela iniciativa privada.

Expandindo com o dinheiro dos contribuintes

Chambers espera atender mais alunos de baixa renda no ano letivo de 2025-2026, graças a uma lei, assinada pelo governador Brian Kemp, da Geórgia, em abril, que proporcionará uma conta-poupança educacional de US$ 6.500 para pais que retirarem seus filhos das escolas públicas ranqueadas abaixo de 25 pontos. Terão prioridade as famílias com quatro pessoas que ganhem menos de US$ 125 mil.

Nem todas as microescolas vão querer participar do programa. Embora o regulamento detalhado ainda não tenha sido divulgado, as escolas que aceitarem o dinheiro deverão fazer provas anuais padronizadas de matemática e inglês e comunicar os resultados ao estado. Também terão de contratar pelo menos um professor com titulação.

Microescolas não precisam seguir a lei federal sobre deficiência Audra Melton/The New York Times - 19.04.2024

Algumas microescolas estão formalizando sua situação. Keyanna e Jamal Moreau solicitaram credenciamento de escola privada para a Academia Preparatória Choice, em Lilburn, na Geórgia. O programa deles começou como uma microescola, mas depois de seis anos não é mais tão micro. Hoje atende 40 alunos, de oito a 17 anos, em um prédio que já foi escritório de advocacia. Moreau, que estudou pedagogia na faculdade, fundou a escola depois que os próprios filhos tiveram dificuldades para ler.

O programa é laico e, assim como os Moreau, quase todos os alunos são negros. O rigor é o foco principal. Em um dia de abril, os alunos mais velhos estudavam a raiz das palavras gregas e romanas, enquanto os mais novos construíam motores eletromagnéticos simples, com fios e baterias espalhados sobre uma mesa grande.

Harmony, de 11 anos, explicou por que esse ambiente funciona melhor para ela do que a escola pública: aqui, um adulto se senta a seu lado e explica cada lição ou conceito, passo a passo.

Moreau comentou que a maioria dos pais preferiria a escola pública se ela funcionasse para os filhos, porque é gratuita e os alunos têm acesso a clubes, equipes esportivas e a uma turma maior. Mas, na realidade, segundo ela, esta frequentemente aprova alunos negros que não dominam os conceitos básicos das séries em que estão. “Quando se matriculam no meu programa, tenho de reconstruir meus alunos. Eles acham que não conseguem aprender, que são burros, que ninguém é capaz de ensiná-los. Mas, agora, os pais deles estão acordando, especialmente na comunidade negra.”

c. 2024 The New York Times Company

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