Com corpos em rio, haitianos imploram por água após terremoto
Estradas ainda estão bloqueadas por pedras e haitianos improvisaram até uma escola em restos dos escombros
Internacional|Luís Adorno, Catarina Hong e Hugo Costa, da RecordTV, em Jérémie
Os haitianos ainda acordavam quando o terremoto de magnitude 7,2 atingiu o Sudoeste do Haiti, no último dia 14 de agosto. Por volta das 8h30 daquele dia, as altas montanhas que cercam o distrito de Jérémie começaram a trincar. A terra se desprendeu. Pedras gigantes rolaram e surpreenderam pequenas comunidades de agricultores, matando centenas de habitantes locais.
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Muitas dessas comunidades ficavam à beira de rios que cortam as montanhas de Jérémie. Corpos foram encontrados nas águas que são essenciais para a subsistência daqueles que sobreviveram. Temendo contaminação da água, a comunidade deixou de usá-la para qualquer coisa. Desde então, toda água usada pelos moradores é fruto exclusivo de doações.
"Teve gente morrendo no topo da montanha%2C em manancial de água%2C então não podemos beber essa água%2C precisamos de ajuda humanitária"
Alguns dos sobreviventes foram para áreas descampadas da região e fizeram ocupações com barracas artesanais feitas com materiais disponíveis -entre eles, entulhos do próprio terremoto. Em um desses acampamentos, 110 abrigos provisórios foram montados, com homens, mulheres, idosos e crianças implorando por qualquer tipo de ajuda.
Cada carro que passa por ali é uma ponta de esperança para os abrigados. A cada carro que para, a expectativa se transforma em desespero: É preciso ser rápido para pegar as doações, que não são muitas, ou é grande o risco de ficar sem nada. Como ali há muitos agricultores, frutas são pegas por eles próprios nas proximidades. O principal item que falta é o mais básico: Água.
"Teve gente morrendo no topo da montanha, em manancial de água, então não podemos beber essa água, precisamos de ajuda humanitária", diz o agricultor Sanon Frederic, de 41 anos. Desde criança, ele trabalha e vive na região de Jérémie com a agricultura. Ele planta banana, inhame e milho. Mesmo após o terremoto e dormindo de maneira precária no abrigo improvisado, ele continua trabalhando para tentar revender produtos que consegue nas proximidades.
O abrigo onde Frederic tem dormido desde que o local foi atingido pelo tremor fica à beira de uma rodovia que foi construída por uma empresa dominicana mas que, de tão nova, nem sequer ainda havia sido entregue. Em um local da via, um bolsão de 10.000 litros de água, montado pela Unicef, servia um poço que, com baldes, levava água potável para suas casas. Uma medida paliativa.
Com o terremoto, a via ficou com várias rachaduras que cruzam as pistas de sentidos contrários. Em alguns pontos, turvos, apenas um sentido fica liberado para passagem, porque, no outro, o rochedo caído tampa o tráfego. Para dirigir por ali, é preciso buzinar o tempo todo. É assim que se sabe que tem um outro carro dirigindo contra sua direção na curva à frente.
Também à beira da mesma rodovia, diversos estabelecimentos despencaram com o terremoto, a exemplo de uma escola infantil e de uma agência de serviço funerário. Agora, todos esses locais têm, ao lado, pequenas barracas com sobreviventes.
A ambulante Josi Perrin, de 41 anos, viva ao lado da agência de serviço funerário destruída. No local, ela cuida da avó de seu marido, de 85 anos, que se feriu com o terremoto. A idosa levou um choque na canela direita. Desde então, continua com uma ferida aberta, sem conseguir estanca-la corretamente.
A cozinha da casa dela desabou e rolou montanha abaixo. Na ponta dos escombros, ela montou uma nova cozinha, com um aparato que ela consegue fazer fogo e cozinhar alimentos. Seu quarto, que dividia parede com a cozinha tem fissuras graves. Mesmo assim, ela continua dormindo no local. "É onde eu tenho para dormir, não vou sair", diz.
O engenheiro haitiano Jac-Ssone Alerte, de 36 anos, que observou a estrutura da casa junto à reportagem foi taxativo: "Não é mais uma casa, é uma fábrica de morte. Ela está a um ponto de desabar. Vai cair a qualquer momento. Não adianta tentar remendar, como ela quer, ou continuar aí, o certo era ela sair urgentemente", disse.
Mesmo assim, ela não é a única haitiana se arriscando, no momento, em áreas com risco de desabamento.