Com o aumento da população e crises climáticas, dessalinizar a água pode ser a solução
Espanha e países do Golfo Pérsico investem pesado para buscar soluções mais baratas no tratamento de água do mar
Internacional|Stanley Reed e Rachel Chaundler, do The New York Times
Torrevieja, Espanha – Em um dia de calor escaldante no fim de junho, turistas lotavam os cafés e os quartos dos hotéis ao longo da costa mediterrânea da Espanha, incluindo Torrevieja, cidade pequena onde blocos de apartamentos se empilham ao longo de uma praia curva.
O aumento populacional sazonal nesta região seca e ensolarada poderia sobrecarregar os recursos hídricos se não fosse por um conjunto de edifícios com vista para uma lagoa rosada nas proximidades.
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Essas estruturas baixas abrigam uma vasta rede de canos, bombas e tanques, formando uma usina que faz um tipo de alquimia crucial para que a economia desta parte da Espanha não se retraia: extrai enormes volumes de água do mar, remove o sal e gera mais de 180 milhões de litros de água doce por dia.
A Acciona, empresa espanhola que construiu a usina, afirma que a instalação fornece água para 1,6 milhão de pessoas por meio do processo conhecido como dessalinização. Durante grande parte do ano, porém, a produção é usada para irrigar o plantio de laranja, limão e outras culturas para consumidores do norte da Europa.
Mas, quando multidões de turistas chegam à região no verão, a água é desviada para os canos da cidade e utilizada para banho e outros fins domésticos, disse Ana Boix, vice-gerente da usina. “Temos água de altíssima qualidade vinda de uma fonte de abastecimento infinita.”
A usina de Torrevieja é a maior do gênero na Europa, e outras semelhantes pontilham todo o litoral espanhol. Elas ajudaram no desenvolvimento costeiro desenfreado em áreas secas e continuam a dar suporte à indústria agrícola, considerada uma das mais eficientes do mundo em gerenciamento de água.
Dependência crescente
Com quase cem grandes usinas, a Espanha é a maior usuária de dessalinização na Europa e uma das maiores do mundo. Em outros países, incluindo a Austrália, a China e Israel, a dependência da dessalinização para obter água potável e para outras necessidades está aumentando.
Christopher Gasson, editor da revista “Global Water Intelligence”, que monitora a indústria, informou que cerca de 500 milhões de pessoas dependem, pelo menos em parte, de água salgada ou salobra purificada e que esse número pode aumentar ainda seis vezes, chegando a três bilhões de pessoas até meados deste século. No mundo inteiro, há cerca de 1.500 grandes usinas – aquelas que podem produzir cerca de 2,6 milhões de galões por dia –, com aproximadamente US$ 14 bilhões sendo gastos anualmente para operar as plantas existentes e construir novas.
Vários fatores podem tornar o crescimento quase inevitável no futuro. As cidades costeiras estão atraindo mais pessoas e ultrapassando os suprimentos naturais de água. E as secas relacionadas ao clima estão se tornando mais comuns e intensas, levando os governos a optar por usinas de dessalinização como uma apólice de seguro não apenas contra a escassez de água, mas também contra possíveis distúrbios sociais.
“Acredito que a água continuará sendo um ponto peculiar de tensão, particularmente na era das mudanças climáticas”, disse Peter S. Fiske, diretor executivo da Aliança Nacional para a Inovação da Água, órgão de pesquisa financiado pelo Departamento de Energia dos EUA.
Com o aumento das pressões para expandir o fornecimento e com o endurecimento das regulamentações, as empresas também precisarão investir em dessalinização como uma forma de garantir que suas fábricas continuem funcionando.
Além disso, os custos de operação da tecnologia de dessalinização intensiva em energia – chamada osmose reversa, que é padrão em grandes usinas, incluindo a de Torrevieja – estão sendo reduzidos ao combinar a purificação da água com energia solar barata, incentivando assim a construção de novas usinas.
Uso no Oriente Médio
A falta de recursos hídricos nos países do Golfo Pérsico, em combinação com sua riqueza em petróleo e luz solar, torna a construção de usinas de dessalinização uma decisão óbvia. “A dessalinização tende a ser necessária onde há luz solar”, comentou Gasson.
A Arábia Saudita é o maior mercado para essas instalações, seguida pelos Emirados Árabes Unidos. O acesso à água do mar convertida em potável ajudou a dar origem a metrópoles brilhantes e futuristas em lugares como Dubai, Emirados Árabes Unidos e Catar. “A dessalinização permitiu que existissem locais que se parecem com naves espaciais”, observou Karim Elgendy, analista climático da Chatham House, organização de pesquisa de Londres.
Há uma preocupação de que a dependência da dessalinização em países como a Arábia Saudita possa deixar seus cidadãos lutando por água caso as usinas costeiras apresentem mau funcionamento ou sofram ataques. “A dessalinização é a única maneira de continuar tendo grandes centros populacionais na região”, disse Karen E. Young, pesquisadora sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.
De acordo com alguns analistas, as preocupações com a escassez de água e as grandes somas investidas em usinas de dessalinização provavelmente levarão a avanços mais baratos, mais limpos e mais flexíveis. O xeique Mohammed bin Zayed Al Nahyan, governante de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, está oferecendo um financiamento de US$ 119 milhões para incentivar a inovação nesse campo.
“Você pode chamar isso de momento ChatGPT para a água”, afirmou Adri Pols, CEO de uma startup holandesa de água chamada Desolenator, referindo-se ao imensamente popular chatbot de inteligência artificial. Sua empresa oferece usinas movidas a energia solar que podem ser embaladas em contêineres de transporte e enviadas para empresas e fazendas.
Desvantagens
Os clientes reclamam que a dessalinização continua sendo mais cara do que a água da chuva e traz outras desvantagens. O governo espanhol subsidia a maior parte dos custos, mas Mariano Saez, fazendeiro da região perto de Torrevieja, disse que os 45 centavos de euro que paga por metro cúbico para produzir 30 mil toneladas métricas de frutas cítricas por ano ainda são muito caros. “Os rios da Espanha deveriam ser reprojetados para fornecer mais água vinda de outras regiões, mais barata e saudável do que a água das usinas de dessalinização”, sugeriu Saez. Mas alguns analistas dizem que essa abordagem é impraticável e divisionista. “O desenvolvimento econômico não vai parar e precisa de suprimento de água”, comentou Jorge Olcina, professor de geografia na Universidade de Alicante, cidade vizinha a Torrevieja.
O governo espanhol anunciou recentemente um investimento de 90 milhões de euros (cerca de US$ 98 milhões) para a usina de Torrevieja, que custou cerca de 200 milhões de euros.
Santiago Martín Barajas, representante do grupo ambientalista Ecologistas en Acción, frisou que a água salgada concentrada que flui das usinas de volta para o mar pode prejudicar a vida marinha, incluindo danos à flora aquática onde os peixes se reproduzem. Também observou que a dessalinização deve ser limitada ao fornecimento de água potável, principalmente em períodos de seca, e não deve ser usada para irrigar plantações.
Acciona, a empresa que construiu a usina em Torrevieja, emprega consultores ambientais que, regularmente, testam o mar e os sedimentos ao redor dos canos fora do paredão da cidade. É para lá que os resíduos da usina fluem. Eles procuram verificar se o aumento da salinidade está dentro dos limites prescritos.
As preocupações ambientais têm limitado a construção de usinas em alguns lugares, incluindo a Califórnia, onde a dessalinização pode ser uma opção lógica para lidar com secas severas. Em 2022, uma comissão governamental estadual rejeitou a proposta de US$ 1,4 bilhão para construir uma usina em Huntington Beach, perto de Los Angeles, que poderia ter fornecido 150 milhões de litros de água potável por dia.
A Acciona, que estava pronta para construir a usina na Califórnia, vê outras oportunidades e se diz preparada para projetar, construir e operar uma usina menor em Dana Point, no sul do estado. A empresa também concordou em construir a maior usina de dessalinização da África, perto de Casablanca, no Marrocos, a um custo de quase US$ 1 bilhão, com fornecimento de energia que virá inteiramente do vento.
c. 2024 The New York Times Company