Com “presença zumbi” dos EUA, líderes globais se reúnem na COP-23
Conferência definirá regras do Acordo de Paris contra as mudanças climáticas
Internacional|Marta Santos, do R7
Autoridades e representantes de todo o mundo estão reunidos em Bonn, na Alemanha, para definir como serão colocadas em prática as metas de contenção do aquecimento global definidas há dois anos no Acordo de Paris. Todo o mundo, menos um país.
Dos 196 países membros da Convenção do Clima, os EUA são os únicos a rejeitar o Acordo de Paris e, por isso, têm uma “presença zumbi” nas discussões da COP-23 (a 23ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima), diz Claudio Angelo, do Observatório do Clima.
— Os EUA estão completamente isolados e não têm moral para bloquear nada nas negociações, porque eles não têm mais voz ali. Ainda assim, eles têm um compromisso de corte de emissões de carbono e de financiamento do Fundo Verde do Clima. As emissões americanas já vêm caindo há mais de três anos e o financiamento com o qual eles já se comprometeram, que é algo em torno de [R$ 9,9 bilhões] US$ 3 bilhões.
Os EUA haviam assinado o Acordo de Paris durante o governo de Barack Obama, mas seu sucessor, Donald Trump, decidiu deixar o acordo em junho deste ano, em apoio a uma de suas forças eleitorais: a indústria carvoeira dos EUA.
No entanto, o carvão já está sendo abandonado no país e dificilmente isso poderá ser revertido, diz Angelo. A quantidade de empregos gerados pela indústria carvoeira, por exemplo, equivale hoje à metade dos gerados pela indústria de energia solar.
— A economia dos EUA está cada vez mais calçada em fontes menos poluentes e energias renováveis, é muito difícil do ponto de vista da racionalidade econômica sustentar esse ponto de vista do presidente.
A saída formal dos EUA só pode ser notificada a partir de 4 de novembro de 2019, e a retirada teria efeito apenas um ano depois disso. Ainda que esse quadro não se reverta com o fim do governo Trump, o Acordo de Paris continuará válido, afirma Marcio Sztutman, gerente de conservação no Brasil da organização ambiental TNC (The Nature Conservancy).
— O acordo fica mais capenga sem os EUA, obviamente, mas isso não invalida os esforços dos outros países. Esse “vácuo” deixado pelos EUA já vem sendo preenchido em parte pela China e pela Índia, que têm mantido seus compromissos com direcionamento para a descarbonização da economia, assim como o próprio bloco europeu.
As regras do jogo
A COP de Bonn foi marcada para produzir o primeiro rascunho do manual de implementação do Acordo de Paris. Deve ser definido esta semana como será feito o monitoramento das metas de cada país, por exemplo.
— O Acordo de Paris não é vinculante, ou seja, não existe um mecanismo que coloque sanções quando algum país não cumprir as suas intenções, que foram definidas pelos próprios países. Isso não tira a necessidade de mecanismos de verificação, para saber quanto cada país está contribuindo ou não. A COP de Paris definiu os objetivos de jogo, a COP de Bonn vai definir as regras.
Segundo Angelo, com as metas que estão na mesa hoje, o mundo está no rumo de esquentar de 3°C a 5°C, muito mais do que a meta de conter o aquecimento global em menos de 2°C, antes de 2100.
— Nada do que foi apresentado até agora é suficiente nem para fazer cócega no problema. O problema climático só vai ser resolvido com financiamento na casa dos trilhões de dólares e com cortes de emissões muito mais radicais do que foi proposto até agora por todos os países do mundo. Precisamos aumentar as metas até 2020 se quisermos resolver o problema de estabilizar a temperatura.
Ricos x pobres
Uma das principais conquistas do Acordo de Paris foi incentivar o diálogo entre países ricos e pobres, que sempre atrapalharam as negociações climáticas.
— Essa é a chave para a tensão que a gente deve ver na COP-23. De um lado, países desenvolvidos queriam só exigir de países emergentes que eles crescessem sem poluir. Ao mesmo tempo, países em desenvolvimento queriam que os países desenvolvidos colocassem mais compromissos e mais dinheiro na mesa, e os países desenvolvidos entrassem com um financiamento equivalente.
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A questão do financiamento é muito complicada, diz Angelo, porque os países em desenvolvimento não querem colocar dinheiro na mesa para resolver um problema que não foram eles que causaram.
— Os países emergentes não quererem discutir aumento das metas de redução de emissões sem uma discussão concomitante do aumento da ambição das metas de financiamento. Essa é uma postura legítima dos países em desenvolvimento, porque é preciso entender que as metas do Acordo não são apenas de redução de emissões, os compromissos fazem parte de um pacote onde entra também adaptação às mudanças climáticas e financiamento. Se for aumentar as ambições, tem que aumentar em todos os pontos.
O Brasil sempre defendeu um posicionamento de responsabilidade compartilhada, porém diferenciada, ou seja, com metas de acordo com o histórico e capacidade, explica Sztutman.
— Há bastante risco de um novo impasse na questão do financiamento. O bloco dos países ricos, desenvolvidos, tem uma postura de não querer investir em países em desenvolvimento (onde o Brasil se encontra), só naqueles pobres. Já os países em desenvolvimento dizem que os ricos podem até aplicar nos pobres, mas que o resultado final não vai ser tão grande quanto se aplicar nos em desenvolvimento, porque eles têm um nível de emissão muito maior. Esse é um ponto que pode colocar em risco metas mais ambiciosas.
Regiões mais vulneráveis
A COP-23 está sendo realizada na Alemanha porque as Ilhas Fiji, anfitriãs de fato do evento, não se consideram capazes de sediar o encontro.
O país insular, assim como as Maldivas, Tuvalu, Kiribati e até mesmo grandes cidades como Nova York (EUA), Tóquio (Japão) e Mumbai (Índia) estão em grande risco de serem tomadas pelo mar devido ao aumento no nível dos oceanos. Esse problema é causado pelo derretimento das geleiras polares, que acontece devido ao aquecimento global.
Uma parte dos investimentos do Fundo Verde do Clima deverá ser destinada à adaptação de nações vulneráveis às mudanças climáticas, diz Angelo.
— Além das ilhas do Pacífico, que estão ameaçadas de extinção pelo aumento do nível do mar, você tem lugares como o sudeste asiático, onde países como Bangladesh tem parte importante da sua agricultura praticada em deltas, que estão expostos à elevação do nível do mar e salinização, você tem também populações de países pobres muito mais expostos a fenômenos climáticos do que em países ricos. As pessoas que menos poluíram e menos poluem, porque são muito pobres, são desproporcionalmente afetadas pelos efeitos extremos.
Nesse contexto, Fiji terá a difícil tarefa de promover o chamado “Diálogo Talanoa”, que é uma preparação para a COP do ano que vem, quando os países vão discutir sobre o aumento das ambições de metas do Acordo de Paris, para que o aquecimento global possa ser mantido dentro da meta dos 2°C.
— Fiji vai ter que conduzir essa conversa de um jeito que mobilize os países a aumentarem suas ambições, coisa que ninguém quer fazer nesse momento, porque está todo mundo esperando o outro dar o primeiro passo.