Com queda da inflação e nova política, Milei supera expectativas na Argentina
Especialistas ouvidos pelo R7 avaliam primeiro ano de governo do presidente liberal em meio a cenário econômico desafiador
Internacional|Do R7, em Brasília
Eleito em novembro de 2023, o presidente da Argentina, Javier Milei, completou um ano no cargo em meio a uma série de medidas duras impostas à população. Apesar de enfrentar um dos cenários mais desafiadores da história do país, com a pior recessão da América Latina, o ultraliberal de direita é avaliado positivamente pela maioria dos argentinos e chega em 2025 com a popularidade em alta.
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De acordo com uma pesquisa feita pela consultoria Poliarquía, publicada em dezembro pelo jornal La Nación, 56% da população argentina aprova a gestão do presidente. O índice é similar à porcentagem dos votos obtidos por ele no segundo turno das eleições, mostrando uma manutenção do apoio.
Especialistas ouvidos pelo R7 afirmam que a avaliação favorável da população é atribuída a fatores como a queda da inflação e a ruptura com um passado que falhou em resolver os problemas crônicos do país. Em março, a inflação chegou ao pico de 287,9% no acumulado de 12 meses e atualmente figura em 166%.
Para Hugo Garbe, doutor em economia e professor da Universidade Mackenzie, o principal motivo para a popularidade crescente do presidente argentino é a percepção de que as políticas de Milei são uma tentativa séria de corrigir problemas históricos de desequilíbrio fiscal e inflação.
“A redução da inflação é um dos maiores sinais do sucesso da abordagem liberal adotada por seu governo. Embora ainda seja uma taxa alta, essa queda representa uma reversão significativa após anos de políticas inflacionárias descontroladas”, afirmou.
‘Bolso é a parte do corpo que mais dói’
Ao longo do ano, a inflação cedeu e passou a ser vista como uma das grandes vitórias de Milei. O índice mensal passou de 25,5% em dezembro de 2023 para 2,4% em novembro de 2024.
Segundo Garbe, esse resultado tem sido visto com otimismo, pois indica que a disciplina fiscal e a redução da intervenção estatal na economia estão começando a dar frutos, o que traz uma sensação de alívio para empresários e consumidores, que sofrem com a perda constante do poder de compra.
O cientista político André César, sócio da Hold Assessoria Legislativa, reforça que a trajetória de queda inflacionária, além de ser “muito importante”, é percebida pela população no dia a dia. “Como diria James Carville [assessor da campanha do ex-presidente norte-americano Bill Clinton], ‘o bolso é o órgão do corpo que mais dói’.”
Ruptura com o passado e a nova política
Uma das propostas mais emblemáticas da campanha de Milei foi o Plano Motosserra, que buscava reduzir de forma drástica o tamanho do Estado por meio de cortes profundos em gastos públicos, ministérios e regulamentações.
O plano incluía a eliminação de diversos ministérios, como Saúde, Educação e Cultura, além de privatizações em larga escala e desregulamentações econômicas. A ideia central era enxugar a máquina pública, reduzir o déficit fiscal e liberar o mercado para impulsionar o crescimento econômico, mas enfrentou críticas devido ao potencial impacto social e à perda de direitos fundamentais em áreas essenciais.
Na avaliação de André César, apesar da política de choque com reduções drásticas nos gastos públicos, a tentativa de fazer algo diferente dos governantes passados traz otimismo aos argentinos. “Acende um sinal de esperança. Ele [Milei] foi bem claro na campanha: ‘Vamos sofrer primeiro para depois ter resultados’. Primeiro, a tempestade, depois a bonança. A população está se fiando nisso, e, até agora, ele está indo bem, está conseguindo dar esse recado”, disse.
O advogado e cientista político Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo ressalta que o “sucesso” de Milei vem de uma ruptura com esse passado que falhou em conseguir resolver os problemas crônicos do país.
“A população deu este voto de confiança, especialmente porque a presidência de Javier Milei é fruto do cansaço da população argentina das mesmas fórmulas que não traziam resultados positivos no médio e no longo prazo. E essa popularidade é boa para o presidente, principalmente considerando as eleições legislativas que se avizinham, ocasião na qual sua base parlamentar pode ser ampliada”, avaliou.
Embora as reformas tenham causado um impacto negativo no curto prazo, especialmente entre os mais pobres, Garbe explica que muitos argentinos começam a reconhecer que essas medidas são necessárias para tirar o país da rota da insolvência e restaurar um ambiente de previsibilidade econômica.
“A redução da inflação, a estabilização fiscal e a promessa de um Estado mais eficiente e menos intervencionista começam a construir uma base sólida para um crescimento sustentável no futuro. Em um país que viveu décadas de crises econômicas recorrentes, a proposta de Milei de reduzir o peso do Estado e liberar o potencial do setor privado é vista como uma estratégia que pode trazer resultados concretos no médio e longo prazo”, afirmou.
Medidas de austeridade
Ainda segundo Garbe, além desses fatores, a implementação de medidas de austeridade, como o corte de subsídios e a redução de gastos públicos, tem sido “fundamental” para alcançar um superávit fiscal inédito após 13 anos de déficits. Essa reorientação fiscal é um pilar central do liberalismo econômico, que busca restaurar a confiança dos investidores e garantir a sustentabilidade das finanças públicas no longo prazo.
“A abordagem de Milei está alinhada com a ideia de que o governo deve viver dentro de suas possibilidades, sem recorrer à emissão desenfreada de moeda ou ao endividamento externo para financiar seus gastos. O superávit fiscal obtido em um cenário tão desafiador é, portanto, uma conquista significativa e um reflexo da eficácia das políticas de austeridade”, completou.
No entanto, essas medidas vieram a duras penas para os mais pobres. A pobreza atingiu níveis alarmantes, chegando a mais da metade da população. Quando Milei tomou posse, 41,7% das pessoas eram pobres (12,3 milhões). Ao final do primeiro semestre de governo, eram 52,9% (15,7 milhões de pessoas).
“Será necessário que a resiliência da política econômica do presidente argentino demonstre capacidade de solução para esse problema. Do contrário, é possível que as medidas não tenham fôlego o bastante para sustentar sua popularidade”, concluiu o advogado Nauê Bernardo.