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Como aliança da direita com a esquerda governará Israel

Coalizão de oito partidos encerra os 12 anos de Netanyahu como primeiro-ministro e enfrenta o desafio de não fomentar divisões

Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7

Yair Lapid será ministro das Relações Exteriores nos dois primeiros anos do novo governo
Yair Lapid será ministro das Relações Exteriores nos dois primeiros anos do novo governo

Eleições livres e democráticas costumam ser um retrato da sociedade de um país. Nos moldes de Israel, quando os eleitos precisam formar um governo, esse tipo de retrato pode ter ainda mais precisão.

Com uma negociação consistente, é possível se chegar à camada mais profunda dessa sociedade e extrair pontos em comum e a essência de cada um dos seus setores, mesmo que sejam totalmente diferentes.

Foi assim que se formou, a partir da segunda colocação do oposicionista Yair Lapid (partido Yesh Atid, de centro) um dos governos mais diversificados da história de Israel, na busca por unir polos opostos e não fomentar divisões.

Após aprovação apertada do Parlamento, no domingo (13), esse governo terá o desafio de superar, na prática, as diferenças profundas entre os partidos da coalizão: três são de direita, dois de centro, dois de esquerda e um árabe.


Tal situação é uma forma de Israel, após 12 anos sob comando do direitista Benjamin Netanyahu, aprender a exercer sua democracia nos novos tempos de diversidade.

As propostas da coalizão


Segundo Renato Bekerman, representante do Meretz, um dos partidos da coalizão, o momento é mesmo para priorizar o que há de comum entre todos os grupos.

"Será possível governar a partir de um acordo de princípios no tocante aos temas de maior consenso, ou seja, a recuperação econômica pós-pandemia, o relacionamento com os EUA e Comunidade Europeia, baixar o nível de incitamento e polarização interna, criar condições para um diálogo com a sociedade árabe-israelense e, principalmente, diminuir a coerção religiosa no cotidiano de um país secular", destaca Bekerman.


As diferenças filosóficas são grandes. O novo primeiro-ministro Naftali Bennett, que permanecerá no cargo por dois anos, segundo o acordo, tem convicções direitistas.

O partido de Bennett tem como proposta anexar até 60% da Cisjordânia, o que contraria, por exemplo, partidários do Meretz, que, liderado por Nitzan Horowitz, propõe uma retirada israelense para as linhas pré-1967, quando Israel conquistou boa parte da Cisjordânia e do Golã, além de ter reconquistado Jerusalém em sua totalidade.

Bekerman considera que, mesmo alinhado à direita, a chegada de Bennett ao poder tem aspectos positivos.

"Bennett ainda é uma interrogação, mas deu um grande passo no sentido de interromper uma 'dinastia' Netanyahu que ameaçava a democracia israelense com sua agressividade em relação aos opositores e seu continuísmo no poder", ressalta.

Além disso, o fato de Netanyahu estar sendo julgado por três acusações que, entre outras, envolvem suspeitas de corrupção, muito de seu governo, na visão da oposição, estava se misturando com seus interesses pessoais.

Netanyahu está sendo julgado por três acusações, incluindo suspeitas de corrupção
Netanyahu está sendo julgado por três acusações, incluindo suspeitas de corrupção

"Lembro que Netanyahu responde a processos junto à Suprema Corte. Nesse cenário, Bennett terá a oportunidade, junto com Lapid, de devolver à sociedade israelense um debate sem tanta violência. Claro que a questão palestina, ocupação e negociações terão que ser tratadas com muito cuidado, mas acredito que virão à tona num segundo momento", ressalta Bekerman.

O fato de ser um governo basicamente laico não impede que a nova coalizão acabe obtendo apoio religioso. Segundo o The Times of Israel, o ministro das Finanças, Avigdor Liberman, tem em mente maximizar o recrutamento na comunidade ultraortodoxa, mesmo reduzindo drasticamente o financiamento governamental desse setor. Bennett e talvez até Lapid têm esperanças de que alguns dos ultraortodoxos do Parlamento se juntarão à coalizão.

Partidos como o Meretz, conforme observa Bekerman, terão influência significativa no novo governo.

"O Meretz, um partido político histórico ligado à esquerda sionista, terá importância vital na recuperação do país pós-pandemia e pós-Netanyahu. Ocupará os ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Cooperação Regional. Com uma bancada de seis parlamentares, terá três ministérios, dada a sua relevância e protagonismo histórico na política israelense", destaca.

Novo governo antigas alianças

Para o cônsul de Israel em São Paulo e Sul do Brasil, Alon Lavi, na prática, Israel continuará mantendo as mesmas alianças do governo anterior.

"Israel continuará a manter os Estados Unidos como aliado mais importante, assim como manterá as boas relações com o Brasil, outro aliado muito importante", observa.

Lavi ressalta que o novo ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, se preparou por um longo tempo para assumir a função.

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"Ele trabalhou como representante da oposição em vários países, com os quais manteve contato. Ele vem de uma longa atividade diplomática, por isso está preparado e sabe da importância do Brasil como aliado", complementou.

Já Dori Goren, que trabalhou por 35 anos no Ministério das Relações Exteriores, tendo sido cônsul no Brasil até 2019, aponta para algumas mudanças positivas.

"A política vai ficar mais sensata, Netanyahu havia dividido o país. Esse novo governo não é ideológico, veio para sanar alguns pontos importantes. O país estava há dois anos e meio sem orçamento. Funcionários públicos não eram nomeados para postos vagos, assim como diplomatas estão há mais de um mês esperando para serem nomeados como representantes em outros países. Lapid já falou que irá voltar a valorizar e enviar recursos para o Ministério das Relações Exteriores e isso vai ajudar muito a melhorar ainda mais as relações de Israel", diz Goren.

Os acordos com os países do Golfo serão mantidos, segundo Goren, que se tornou consultor diplomático.

"Os acordos não eram com Netanyahu e sim com Israel, os interesses do país vão além do de um governo."

A coalizão de 1984

A situação do novo governo remonta a uma união após as eleições de 1984, quando o Partido Trabalhista venceu, mas não conseguiu formar sozinho o novo governo, tendo que se unir ao direitista Likud.

A união deu certo por um tempo, com Yitzhak Shamir, do Likud, como primeiro-ministro, se revezando com o trabalhista Shimon Peres. Israel conseguiu montar um plano econômico que acabou com a hiperinflação e deu estabilidade à moeda shekel.

Quatro anos depois, nas eleições de 1988, o Likud saiu vencedor, com uma pequena vantagem, e novamente formou um governo de coalizão, mas desta vez Shamir se manteve como primeiro-ministro e Peres, como ministro das Relações Exteriores. A partir de 1990, Shamir prosseguiu, já que o Likud conseguiu formar a maioria.

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