Como fãs de k-pop apoiaram passeatas e enfrentaram radicais
Fãs de música pop sul-coreana derrubaram aplicativo de polícia nos EUA, se apossaram de tag de supremacistas e esvaziaram comício do presidente
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
No último mês, manifestantes nos Estados Unidos ganharam um novo aliado: os fãs de k-pop, a música pop sul-coreana.
Se antes os entusiastas de artistas asiáticos eram persona non grata nas redes sociais, sendo criticados por grandes figuras na internet, como Felipe Neto, pelo uso constante de fancams, os vídeos das apresentações dos seus artistas favoritos, agora eles se tornaram uma arma secreta na luta antirracista.
Depois da morte de George Floyd, um homem negro que foi asfixiado por um policial branco em Minneapolis, protestos contra racismo e contra a brutalidade policial explodiram pelos Estados Unidos.
No final de maio, a polícia de Dallas criou um aplicativo e pediu para que os cidadãos enviassem vídeos dos protestos e de atos de vandalismo. O que eles não esperavam foi uma movimentação pelas redes sociais entre grupos de fãs de k-pop, que enviaram milhares de fancams. Poucas horas depois, a polícia suspendeu o aplicativo.
Em junho, supremacistas brancos e ativistas de direita criaram hashtags racistas e que enalteciam a importância de vidas brancas. Novamente, os fãs de k-pop se apossaram da hashtag, enviando milhares de fancams, postagens e fotos de seus idols (termo usado para definir os artistas) favoritos. As hashtags entraram nos trending topics do Twitter e se tornaram um dos assuntos mais comentados, mas não pelos motivos que os supremacistas queriam.
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O último grande ato dos kpoppers e que os tornaram uma espécie de “heróis locais” na mídia americana foi o boicote ao comício de Donald Trump no último domingo (22). A equipe do presidente havia anunciado que mais de 1 milhão de pessoas havia reservado acentos para o discurso em um ginásio de Tulsa, que tinha capacidade para 19 mil pessoas.
A realidade, porém, foi completamente diferente: pouco mais de 6 mil pessoas compareceram ao evento e a maioria das reservas foi feita por fãs de k-pop e usuários do aplicativo TikTok, que não tinham a menor intenção de ir.
Na segunda-feira (23), manchetes de jornais americanos atribuíam aos kpoppers o feito de terem esvaziado um comício de Trump e destacaram as outras ações dos jovens e de fandoms, nome dado aos grupos de fãs, pelas mobilizações bem-sucedidas nas redes sociais.
Jovens são ativistas antes de serem fãs
Porém, essa ênfase nos fãs de k-pop é visto com ressalva por especialistas. Para Luísa do Amaral, arquiteta e pesquisadora das relações de proximidade digital em comunidades participativas, esses jovens, antes de pertencerem a um fandom, são ativistas de outras causas.
“Não são os fandoms que estão fazendo alguma coisa, mas sim as pessoas que estão fazendo”, diz.
Historicamente, o k-pop se popularizou primeiro entre as minorias nos Estados Unidos, principalmente a comunidade negra, antes de alcançar um grande público. Os fãs se identificavam com o caráter minoritário dos idols, vindos de uma outra cultura e não sendo brancos como a maioria dos artistas que faziam sucesso nos EUA.
Com os protestos antirracistas, os jovens estão defendendo suas causas e seus ideais. Fazer parte de um fandom ajuda a encontrar outros fãs que compartilham os mesmos valores e se mobilzam juntos, mas a participação nos protestos não pode ser vista como uma movimentação homogênea dos grupos de fãs.
Racismo e silenciamento dentro dos fandoms
Apesar do destaque midiático dos fandoms na luta antirracista, a realidade dentro dos grupos de fãs é diferente. Com o começo dos protestos, diversos fãs negros foram silenciados dentro das comunidades.
Pelo Twitter é possível encontrar relatos de fãs que foram desrespeitados pelos seus pares, outros atacados por misturarem ser fã com política e outros tiveram seus sentimentos invalidados.
Diversos idols e grupos se pronunciaram sobre a causa, como o BTS, Monsta X, Ateez, membros do K.A.R.D e a empresa SM Entertainment, declarando apoio a causa antirracista. Com isso, fãs de outros grupos também cobravam seus artistas favoritos a se pronunciarem, o que gerou tensão dentro dos fandoms.
“O propósito final de um fandom é para o artista. Os fãs sempre vão focar no artistas e não em algo individual”, diz Luisa.
Mudança de tratamento
Essa é a primeira vez que o ativismo e a participação política dos fãs tem destaque na mídia tradicional. Normalmente, veículos de imprensa e internautas dão destaque para o “lado obscuro do k-pop”, focando em suicídios de artistas, treinamento intensivo dos idols e retratando os fãs como sendo histéricos, doidos e irritantes, além de reduzir os grupos de fãs a um público feminino e pré-adolescente.
A realidade, entretanto, é que os fãs sempre foram engajados com as mais diversas causas. Aniversários de artistas, comemoração pelos anos de carreira e outras conquistas são normalmente comemoradas nos fandoms com arrecadação de fundos para a Unicef e outras causas humanitárias voltadas para cuidados com crianças, educação, meio ambiente e proteção a animais em extinção.
Depois que o BTS anunciou a doação de 1 milhão de dólares para o movimento Vidas Negras Importam, os armys, nome dado aos fãs do grupo, conseguiram igualar o valor em doações em menos de 24 horas.
Pressão nos idols
Normalmente, artistas de k-pop não se posicionam politicamente sobre nada. Agora, com a participação dos fãs e o apoio público de alguns artistas e grupos, agências terão que pensar como se posicionar politicamente no mercado internacional e interno.
“No momento em que o k-pop se torna um fenômeno global e os fãs começam a se pronunciar, isso gera uma pressão”, diz Luisa. “Se as empresas quiserem insistir e crescer no mercado global, elas vão ter que se pronunciar”.