Como refugiados decidem o país onde pedirão abrigo?
Idioma, oportunidades de emprego e facilidade para cruzar uma determinada fronteira são fatores levados em conta
Internacional|Sofia Pilagallo*, do R7
O que move um refugiado é o instinto de sobrevivência. Essa é a opinião da jornalista Edna Nunes, fundadora do projeto social Embaixada Solidária, que acolhe estrangeiros em busca uma vida digna em Toledo, no interior do Paraná.
Segundo Edna, no desespero de fugir o mais rápido possível de uma situação de extrema vulnerabilidade, o primeiro fator a ser levado em conta pelos refugiados na hora de escolher o país de destino é o quão fácil é o processo migratório pelos tratados de refúgio naquele lugar. O Brasil, por exemplo, tem uma legislação bastante flexível nesse sentido é um destino bastante procurado por aqueles que buscam abrigo em outro país.
"Na sequência, aparecem fatores como a ausência de guerras civis e desastres naturais, abundância de alimentação, oportunidade de trabalho e, por último, o idioma. No entanto, cada caso é um caso e tudo vai depender de onde vem o refugiado — se vem da guerra, por exemplo, a prioridade é um país pacífico; já se vem do Haiti, a prioridade é um país que ofereça acesso à saúde pública, e assim por diante", afirma.
O Brasil é um bom destino para refugiados?
O Brasil, de fato, abre as portas para a maioria daqueles que procuram abrigo — herança de políticas de refúgio inclusivas estabelecidas há decadas, de acordo com a jornalista. Apesar disso, ela ressalta que isso está longe de ser o suficiente, uma vez que não há políticas públicas voltadas para a integração digna de refugiados à sociedade brasileira.
Segundo Edna, na tentativa do governo de não "sobrecarregar" as capitais, muitos refugiados são encaminhados para cidades do interior do país, onde as políticas de inclusão são ainda mais fragilizadas e há pouca assistência para essas pessoas.
Um grave problema é que, ao mesmo tempo em que eles não são inscritos em cursos de português, a maioria dos estabelecimentos, sobretudo os hospitais, também não conta com funcionários que saibam falar outros idiomas.
"A lógica é: 'você caiu aqui dentro, você vai se virar por si'. Muito se fala que o país faz pelo estrangeiro o que não faz pelo brasileiro, mas isso é uma grande mentira — os refugiados são invisíveis para o governo", diz
"Faltam políticas públicas que realmente promovam a igualdade e permitam essas pessoas a acessar a saúde, a educação e o mercado de trabalho, como qualquer outro cidadão", completa.
No caso dos afegãos, um dos povos mais vulneráveis neste momento, há ainda outro fator que dificulta o processo de integração a um novo país, seja aqui no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo: o preconceito religioso.
O Afeganistão é um país muçulmano e, desde 15 de agosto, vem sendo liderado pelo grupo fundamentalista Talibã, que faz uma interpretação extrema da religião islâmica e é conhecido por violar os direitos humanos.
De acordo com dados do Ministério da Justiça, o Brasil recebeu apenas 28 afegãos na condição de refugiados no ano passado, enquanto 24 mil venezuelanos tiveram seu processo de refúgio deferido no país mesmo período. Com a crise política e humanitária que assola o Afeganistão neste momento, no entanto, o número de refugiados afegãos no Brasil deve aumentar consideravelmente.
"Algumas pessoas mal informadas imaginam que todos os afegãos são terroristas e, na sua ignorância, e são incapazes de compreender que esses refugiados nada mais são do que vítimas de um processo político. São indivíduos aterrorizados, que pulam de aviões e morrem em barcos lotados para tentar sair do país e fugir do regime talibã. Você tem noção do que é isso?", afirma.
O papel do terceiro setor
Segundo a jornalista, os principais pilares da Embaixada Solidária são acolhimento, humanidade e informação. O primeiro suporte oferecido aos estrangeiros é garantir que, em meio a todas as dificuldades que implicam o processo de refúgio, eles não sejam recebidos com hostilidade ou tratados como se fossem invasores.
Uma vez feito isso, o próximo passo é disponibilizadar as informações necessárias, tais como questões burocráticas relativas à documentação, e apontar os melhores caminhos para que eles possam batalhar por uma vida estável e minimamente digna no país. Nessa hora, eles são orientados sobre como buscar moradia e trabalho e, na maioria das vezes, são encaminhados para aulas de português e cursos profissionalizantes.
"O mais importante, no entanto, e a tarefa mais urgente que temos no momento, é estimular a sociedade a desenvelver senso de empatia e praticar o exerício de se colocar no lugar do outro. De pouco adianta os esforços do terceiro setor se os refugiados não se sentem acolhidos e pertencentes à sociedade brasileira", afirma.
“Nós acordamos todos os dias e vemos nossos filhos, nossa família — agora, imagine se, de uma hora para outra, acordássemos separados deles e sem qualquer perspectiva de quando poderemos vê-los novamente. É preciso dessa mudança de olhar para que o Brasil se torne, de fato, um lugar seguro e acolhedor para refugiados", completa.
*Estagiária do R7 sob supervisão de Pablo Marques