Controle da mídia na China dificulta o trabalho da imprensa e oferece risco para jornalistas
Repórter britânico foi preso no país e pôs em destaque as condições do trabalho da mídia e a falta de liberdade de expressão
Internacional|Lucas Ferreira, do R7
O jornalista britânico da BBC Ed Lawrence foi detido e agredido por autoridades chinesas no início desta semana, enquanto cobria os protestos na cidade de Xangai contra a política de Covid zero do país, que é o último do mundo a adotar medidas radicais contra a propagação do vírus.
O incidente acendeu um holofote sobre as condições de trabalho dos jornalistas na China e sobre a liberdade de expressão no país asiático. O ministro britânico das Relações Exteriores, James Cleverly, pediu na última segunda-feira (28) que o povo e os profissionais da imprensa sejam respeitados na China.
De acordo com a ONG RSF (Repórter Sem Fronteiras), a China é a sexta pior nação do ranking de liberdade de imprensa, em uma lista com 180 países. O Estado comandado pelo presidente Xi Jinping fica à frente apenas da também comunista Coreia do Norte e da Eritreia, do Irã, do Turcomenistão e da Birmânia.
A RSF destaca que a China possui “a maior prisão do mundo para jornalistas, e seu regime coordena uma campanha de repressão ao jornalismo e ao direito à informação em todo o mundo”.
O professor de relações internacionais da UFT (Universidade Federal do Tocantins) Carlos Frederico Pereira da Silva Gama explicou em entrevista ao R7 que a precarização da liberdade de imprensa no território chinês se intensificou durante a liderança de Xi no Partido Comunista — iniciada em 2012 e renovada pela terceira vez neste ano.
“[A prisão de Lawrence] é um efeito do crescimento do controle da mídia na China pelo Partido Comunista após Xi Jinping chegar ao poder. Isso ficou mais visível desde 2019, nos grandes protestos acontecidos em Hong Kong”, diz Gama.
Ainda segundo o professor da UFT, empresas de comunicação como a BBC tiveram sites e canais de TV bloqueados, enquanto o jornal americano The New York Times sofreu com jornalistas do veículo expulsos da China. Todos esses movimentos do governo de Xi foram um sinal do que viria a ser constatado durante a pandemia de Covid-19.
“Não foi uma surpresa, portanto, quando a comunidade internacional percebeu que a OMS (Organização Mundial da Saúde) não conseguiu obter informações precisas sobre o novo coronavírus, detectado em Wuhan, durante meses”, relembra Gama. “Toda a informação provinha do governo chinês e fontes independentes eram escassas e de difícil acesso”.
O também professor de relações internacionais Maurício Santoro, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que as autoridades da China usam diferentes artifícios, como a não renovação de vistos de trabalho de jornalistas, para pressionar os profissionais a não falarem mal do governo chinês.
“A liberdade de imprensa é muito restrita na China e os jornalistas estrangeiros que trabalham no país com frequência enfrentam grandes dificuldades, como vigilância policial, tentativas de intimidação, assédios a suas fontes e situações semelhantes”, diz Santoro. “É um meio de pressionar os jornalistas estrangeiros a não serem críticos das autoridades chinesas.”
O docente da Uerj diz que alguns veículos reproduzem apenas a visão do governo, como o Diário do Povo e a Agência Xinhua. Por outro lado, existe também a imprensa privada, que fica concentrada em territórios chineses nos quais Xi não tem tanto poder, como Hong Kong.
“Essa mídia privada chinesa se concentra na região administrativa de Hong Kong, que tem leis diferentes do resto do país, mais abertas, embora isso também esteja mudando.”
VPN, material impresso e aplicativos de namoro
Toda a repressão do governo chinês faz com que a população do país busque meios para se informar de uma maneira mais independente. O mais comum é a utilização de VPN — aplicativo de computador que permite burlar de qual lugar um site está sendo acessado — para entrar em sites bloqueados.
“É possível usar VPN na China, mas seu uso é bastante controlado e com frequência ilegal. É um risco para os chineses utilizá-los”, ressalta Santoro.
Grande parte dos conteúdos produzidos e publicados em sites estrangeiros, como Google, Facebook e Wikipédia, são proibidos no país. A exceção é o TikTok, que pertence a uma empresa chinesa e conta com um grande número de usuários também nos países do Ocidente.
“O governo chinês incentivou o uso de outras mídias, como o TikTok, consideradas mais inofensivas, voltadas para o entretenimento e para o marketing, assim como aplicativos chineses genéricos [que imitam redes sociais ocidentais]”, explica Gama.
Para regular de maneira mais rígida a internet, a China criou um firewall — dispositivo de segurança de rede que monitora o tráfego que entra e sai da rede — governamental. Esse recurso, inclusive, impediu que o professor da UFT conseguisse acessar o próprio e-mail em uma visita à China.
Toda a censura na circulação de informação leva a situações inusitadas, como a utilização de aplicativos de namoro para difundir notícias proibidas no país.
Outro fato curioso foi o banimento da internet chinesa de um personagem de desenho animado por ter sido comparado com o presidente, situação que fez com que a população adotasse medidas para burlar a censura.
“Quando a imprensa ocidental começou a comparar fisicamente Xi com o Ursinho Pooh, o governo chinês baniu o personagem da internet. Mesmo assim, os chineses driblaram a censura do governo através da impressão e circulação de material clandestino, como acontecia na época da revolução cultural, em 1960”, conclui Gama.