Deportações de imigrantes explodem no final do governo Biden, mostra relatório
Brasil ocupa a 11ª posição entre os países que tiveram mais cidadãos deportados dos EUA no ano passado
Internacional|Felipe de Paula
O último ano registrou o maior número de deportações de imigrantes do governo do presidente norte-americano, Joe Biden, segundo relatório da Polícia de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.
Ao todo, foram deportados 271.484 imigrantes, com o país vizinho México liderando a lista (87.298), seguido por Guatemala (66.435) e Honduras (45.923). O Brasil, por sua vez, registrou a deportação de 1.859 cidadãos, o que coloca o país em 11° lugar entre as nações com mais cidadãos deportados dos EUA no ano. O número é inferior ao pico observado durante a pandemia de Covid-19, quando um total de 3.837 brasileiros foram deportados entre 2020 (1.902) e 2021 (1.935).
Em 2021, primeiro ano de Biden na Casa Branca, foram 59.011 deportações. O número aumentou ano a ano, com 72.177 deportações em 2022 e 142.580 em 2023. Já na segunda metade do mandato de Donald Trump, os números foram 267.258 (2019) e 185.884 (2020)
Segundo o último relatório, muitas das deportações em 2024 foram de pessoas que cruzaram ilegalmente a fronteira entre os EUA e o México, refletindo o desafio enfrentado pela administração de Biden ao longo da fronteira em meio à imigração recorde.
O ICE deportou pessoas de volta para 192 países diferentes, segundo o relatório. Os dados são de 1º de outubro de 2023 a 30 de setembro de 2024.
Os números representam todos os estrangeiros que perderam o prazo para apelar contra o processo de deportação e que já não têm direito a recorrer contra a expulsão do país
Há também mais de 7,6 milhões de imigrantes em processo de deportação na lista de não-detidos, segundo o documento.
O que aconteceu em 2024?
O aumento das deportações em 2024 coincidiu com a eleição norte-americana, marcada pela disputa entre Donald Trump e Kamala Harris, com vitória do empresário republicano. Durante a campanha eleitoral, políticas de deportação e controle de imigração ilegal pautaram os debates e ataques entre os candidatos à Casa Branca.
“Para muitos eleitores, a imigração era a maior preocupação no momento de escolher um candidato. Essa era uma área em que as políticas de Biden vinham sendo percebidas como ineficazes ou excessivamente permissivas. Já Trump se posicionava como alguém capaz de resolver a questão de forma decisiva. Diante da proximidade das eleições e da necessidade de mostrar resultados, Biden adotou algumas medidas”, avalia Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen.
O especialista ainda explica que em maio de 2023, após o fim da vigência do Title 42 — norma administrativa utilizada por Trump para expulsar rapidamente imigrantes na fronteira, sob o pretexto de proteger a saúde pública —, o governo Biden implementou a Circumvention of Legal Pathways. Essa política, desenvolvida para substituir o Title 42, serviu como mecanismo de restrição ao asilo, direcionado às pessoas que cruzassem a fronteira norte-americana de forma ilegal.
“Em junho de 2024, próximo das eleições, Biden assinou uma ordem executiva que limitava a 2.500 por dia o número de migrantes autorizados a entrar legalmente nos Estados Unidos para solicitar asilo. Para isso, os solicitantes precisavam agendar entrevistas por meio de um aplicativo. Quem cruzasse a fronteira ilegalmente ou não tivesse solicitado asilo em países de trânsito era sumariamente desqualificado”, explica Uriã.
Vendida como “temporária”, a iniciativa de Biden tinha o objetivo eleitoral de sinalizar controle sobre a fronteira e agradar setores conservadores. “De um lado, recebeu aplausos daqueles que defendem a restrição severa à migração; de outro, foi duramente criticada por encobrir políticas restritivas sob o pretexto de ordem e legalidade. No fundo, o decreto parecia mais uma tentativa de evitar crises de imagem do governo, feita às custas de quem buscava proteção e refúgio”, afirma o especialista.
O que pode acontecer no governo Trump?
O presidente eleito, Donald Trump, fez das deportações em massa uma promessa de campanha ao criticar a gestão de política migratória do presidente Joe Biden.
Nas últimas semanas, os assessores de Trump disseram que pretendem usar as forças armadas para construir campos de detenção ou transportar imigrantes sem documentos para fora dos EUA, liberando a patrulha de fronteira e os agentes de imigração para investigações e apreensões.
Para Uriã Fancelli, o retorno de Donald Trump à presidência traz a promessa de realizar a maior operação doméstica de deportação da história. “Trump vai buscar acelerar remoções sem dar espaço para audiências legais, ampliar as incursões em locais de trabalho e militarizar ainda mais a fronteira. Não se trata apenas de política migratória, mas de transformar a gestão da imigração em demonstração de força para agradar sua base eleitoral”.
Contudo, Trump terá que enfrentar algumas barreiras para transformar seu discurso em ação, avalia o especialista. “O sistema judicial de imigração já está sobrecarregado. Sem mudanças legais ou um aumento absurdo no número de juízes, administrar esse volume será quase impossível. Além disso, a Agência de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE) não tem agentes suficientes, aviões, nem espaço para deter milhões de pessoas”, comenta Uriã.
O que países dos imigrantes estão fazendo?
O México e outros países da América Central estão se organizando para lidar com uma política de deportação mais rígida e agressiva. O governo mexicano está prestes a lançar um aplicativo com um “botão de pânico”. A ferramenta permitirá que cidadãos detidos pelo ICE notifiquem imediatamente seus familiares e o consulado mexicano mais próximo.
O lançamento do aplicativo está programado para este mês. A administração mexicana também criou uma central telefônica de atendimento 24 horas para oferecer suporte aos imigrantes e está estabelecendo abrigos na fronteira para acolher os deportados.
O governo de Honduras também se prepara para um aumento nos voos de deportação e está ajustando a logística para receber um grande número de deportados. O governo também está preocupado com o impacto econômico, especialmente em relação às remessas de dólares enviadas pelos imigrantes que vivem nos EUA, uma fonte importante de sustento para a economia hondurenha.
“Vale salientar que, apesar das políticas agressivas de deportação e das medidas punitivas da administração Trump em seu primeiro mandato, o México e os países da América Central escolheram baixar a cabeça e priorizar relações estáveis com os Estados Unidos, em vez de desafiar diretamente essas ações. Essa “submissão” é consequência da dependência econômica e geopolítica que essas nações têm em relação aos EUA, o que as torna incapazes de resistir, muitas vezes preferindo negociações silenciosas e concessões para evitar desastres econômicos ou confrontos diplomáticos que não poderiam sustentar”, explica Uriã.