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Diferenças político-partidárias desencadeiam guerras entre ricaços do Vale do Silício

Eleição entre Trump e Kamala acirrou os ânimos entre os ricaços da tecnologia, que antes evitavam críticas públicas

Internacional|Ryan Mac, Erin Griffith e Mike Isaac, do The New York Times

Ricaços democratas e republicanos se enfrentam em meio às eleições presidenciais dos EUA Kenny Holston/The New York Times - 15.07.2024

Menos de uma hora depois que um agressor em Butler, na Pensilvânia, tentou assassinar o ex-presidente Donald Trump este mês, David Sacks, investidor de capital de risco de San Francisco, direcionou a um antigo colega a raiva despertada pelo incidente. “A esquerda normalizou isso”, declarou Sacks na plataforma social X, com link para um post sobre Reid Hoffman, investidor em tecnologia e grande doador democrata. Sacks insinuou que Hoffman, crítico de Trump que financiou um processo judicial acusando o antigo presidente de violação e difamação, teria contribuído para provocar o tiroteio.

Elon Musk, que comanda a SpaceX e a Tesla, e que já trabalhou com Sacks e Hoffman, interveio mais tarde no X, citando Hoffman e dizendo que pessoas como ele “realizaram seu maior desejo”.

No Vale do Silício, o espetáculo de bilionários da tecnologia atacando outros bilionários da tecnologia explodiu de repente, com executivos apoiadores de Trump e seus pares democratas se voltando abertamente uns contra os outros. Os debates sobre o futuro do país se transformaram em ataques pessoais e a discussão se tornou pública na internet, em conferências e podcasts.

A animosidade lançou em lados opostos indivíduos que já trabalharam juntos e que compareceram ao casamento uns dos outros, desgastando amizades e alianças que poderiam abalar o equilíbrio dos poderes do Vale do Silício. A briga tem sido particularmente intensa entre a “Máfia do PayPal”, grupo rico de executivos de tecnologia – incluindo Hoffman, Musk, Sacks e o investidor Peter Thiel – que trabalharam lado a lado na companhia de pagamentos on-line na década de 1990 e mais tarde fundaram a própria empresa ou se tornaram investidores de alto escalão.


Outros dirigentes da área tecnológica também foram envolvidos nas disputas políticas, incluindo Vinod Khosla, investidor de destaque, e Marc Andreessen e Ben Horowitz, da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz, do Vale do Silício.

Seu desprezo é fortemente declarado. Embora os líderes de tecnologia frequentemente critiquem uns aos outros em particular, raramente o fazem em público, por medo de desagradar a um possível parceiro de negócios ou prejudicar uma perspectiva futura de emprego. “Até um ou dois anos atrás, existia um tipo de omertà no Vale do Silício: as pessoas brigavam o tempo todo e os líderes discordavam, mas nunca em público”, disse Roger McNamee, investidor de risco da região tecnológica, usando uma palavra popularizada pela máfia italiana que significa “código de silêncio”.


Reid Hoffman em São Francisco Clara Mokri/The New York Times

McNamee entrou na polêmica na quarta-feira ao criticar Andreessen e Horowitz, que recentemente apoiaram Trump, por seus valores “antidemocráticos” no X. McNamee já tinha sido investidor em uma empresa comandada por Horowitz.

Este último rebateu na quinta-feira, invocando seu relacionamento comercial de 25 anos com McNamee: “Sério, Roger? Sua primeira reação quando discordamos é me atacar em um tuíte?”


Fragmentação

As desavenças mostram o grau de fragmentação da identidade do Vale do Silício. Durante anos, a capital tecnológica do país foi vista como um bastião liberal. Mas Sacks, Musk, Andreessen e Horowitz romperam com essa visão ao apoiar Trump nas últimas semanas.

Muitos deles estavam insatisfeitos com as políticas tecnológicas e os reguladores nomeados pelo presidente Joe Biden, que buscaram impor mais regras e ações judiciais contra empresas de tecnologia. Eles dão preferência a Trump por sua pressão para reduzir os impostos e seu apoio ao setor de criptomoedas, no qual alguns dos bilionários da tecnologia investiram. “Há algum tempo, a esquerda vem envergonhando e cancelando indivíduos, e agora estamos começando a ouvir vozes fortes da direita no Vale do Silício”, afirmou Trevor Traina, republicano de San Francisco que foi embaixador na Áustria durante a presidência de Trump e é próximo de Sacks e Hoffman.

Executivos e investidores democratas do setor de tecnologia rebateram, declarando que Trump não é bom para a tecnologia. Apontam que o ex-presidente e seus aliados falaram em colocar Mark Zuckerberg, CEO da Meta, na prisão, além de sugerir o desmembramento de grandes empresas de tecnologia e propor políticas rígidas de imigração, o que poderia prejudicar a contratação de trabalhadores qualificados pelo setor.

Hoffman, Thiel e um representante da Andreessen Horowitz não quiseram responder. Sacks e Musk não responderam aos pedidos de comentários.

As tensões políticas começaram a se transformar em ataques pessoais no mês passado, depois que Sacks promoveu um sofisticado evento de arrecadação de fundos para Trump em San Francisco. Poucos dias depois, Hoffman, que doou pelo menos US$ 10 milhões para apoiar a campanha de Biden, publicou uma repreensão a Sacks em seu blog por ter “ido atrás do discurso a favor de Trump” e apoiado “um criminoso condenado”.

Elon Musk observa enquanto o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu opina durante uma reunião conjunta no Congresso dos EUA Kenny Holston/The New York Times - 15.07.2024

Durante uma conferência organizada em julho em Sun Valley, Idaho, Hoffman teve uma discussão acalorada com Thiel, que financiou os republicanos, de acordo com alguém que está a par da conversa. Os amigos de longa data discordaram da posição de Hoffman contra Trump, o que levou Hoffman a dizer sarcasticamente que gostaria de ter feito do ex-presidente “um verdadeiro mártir”, segundo relata essa pessoa. A discussão foi relatada anteriormente pela revista “Puck”.

Depois da tentativa de assassinato de Trump, Sacks e Musk usaram as palavras de Hoffman para criticar seu ex-colega. Hoffman respondeu na semana passada apontando que alguns dos atuais apoiadores de Trump, incluindo Sacks, repudiaram Trump em 2021 depois do tumulto de seis de janeiro no Capitólio dos EUA. “Se tiver integridade e estiver apoiando Trump nesta eleição, deveria falar sobre isso”, disse Hoffman ao participar de um podcast na quarta-feira.

Este mês, Sacks compartilhou uma lista de profissionais de tecnologia partidários de Trump no X e discursou na Convenção Nacional Republicana, o que irritou os investidores e empreendedores democratas do setor de tecnologia, afirmou Siri Srinivas, investidora da Gradient Ventures, acrescentando que, depois que Biden se retirou da disputa e a vice-presidente Kamala Harris se tornou a provável candidata democrata, muitos desses investidores e empreendedores ficaram animados e se sentiram mais encorajados a se manifestar.

Vinod Khosla em Menlo Park, na Califórnia Anastasiia Sapon/The New York Times

“Semanas de preocupação a portas fechadas provavelmente ajudaram muitos a demonstrar com urgência e ênfase seu apoio a Harris e sua oposição a Trump.” Na terça-feira, ela seguiu o exemplo de Sacks ao publicar uma lista de apoiadores de Harris no X.

Desde então, Sacks continuou seus ataques verbais, mirando na semana passada em Reed Hastings, fundador da Netflix e importante doador democrata. No X, Sacks chamou Hastings de “idiota útil” por apoiar o Partido Democrata. Hastings não respondeu a um pedido de comentário.

Alguns empresários do setor de tecnologia estão reagindo à politicagem. Merci Grace, fundadora de uma startup em San Francisco, disse que se sentiu “traída” pelo endosso de Andreessen e Horowitz a Trump, e que não trabalharia com a firma de investimentos deles. Grace, que apoia o direito ao aborto e que já foi operada depois de uma gravidez ectópica com risco de vida, declarou que se opõe à posição contra o aborto do senador JD Vance, companheiro de chapa de Trump.

“A maneira como Ben e Marc estão afirmando que são eleitores de Trump por causa de uma única questão é muito irritante para mim, porque os homens têm jogado essa frase na minha cara há anos como uma maneira de descartar os riscos de vida ou morte relacionados ao acesso ao aborto”, comentou Grace, referindo-se ao apoio dos investidores a Trump em razão do que eles disseram ser suas políticas pró-tecnologia. “Sim, também sou uma eleitora por conta de uma única coisa. Estar viva é minha questão.”

c. 2024 The New York Times Company

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