Drogas, dinheiro e violência: a história do 'El Chapo' asiático
Chinês transformou quadrilhas do sudeste asiático em uma multinacional produtora e distribuidora de drogas como metanfetamina e heroína
Internacional|Fábio Fleury, do R7, com Reuters
Um chinês de 55 anos, naturalizado canadense e que pode passar despercebido em quase qualquer lugar do mundo é um dos traficantes mais procurados do planeta. Tse Chi Lop, conhecido como "El Chapo asiático", é apontado como o líder da maior quadrilha de traficantes de drogas da Ásia.
Lideradas pela Polícia Federal da Austrália, cerca de 20 agências ao redor do mundo procuram por Tse, na chamada Operação Kungur.
O objetivo é desmantelar a quadrilha, chamada por seus integrantes de "A Empresa", mas que recebeu dos policiais o apelido de Sam Gor.
O que é Sam Gor?
Em cantonês, a expressão significa "Terceiro Irmão", e também é um dos apelidos de Tse Chi Lop.
A quadrilha produz toneladas de metanfetamina, heroína e quetamina e vende para pelo menos uma dúzia de países, do Japão à Nova Zelândia. Mas a suspeita é que isso seja apenas a ponta do iceberg.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês), estima que o Sam Gor teria lucrado pelo menos US$ 8 bilhões (cerca de R$ 32,16 bilhões) com a venda de metanfetamina em 2018.
A própria entidade, no entanto, admite que é uma projeção baixa e o lucro pode ter sido de até US$ 17,7 bilhões (cerca de R$ 71,2 bilhões).
A agência também acredita que a quadrilha controle algo entre 40% a 70% do mercado asiático de metanfetamina, que vem crescendo exponencialmente nos últimos 5 anos.
Essa explosão no uso causou uma resposta sem precedentes das forças de segurança, segundo mostra reportagem da agência Reuters.
Operação Kungur
Antes mantida em segredo, a Operação Kungur é a maior ofensiva contra o tráfico de drogas na Ásia. Liderada pela Polícia Federal australiana, a força-tarefa envolve cerca de 20 agências e autoridades de países como Mianmar, China, Tailândia, Japão, EUA e Canadá.
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A polícia australiana identificou Tse como o principal líder do cartel, suspeita que também foi levantada pela polícia de Taiwan e pela Agência Federal de Combate às Drogas (DEA, na sigla em inglês) dos EUA. Nenhuma das agências se manifesta em público sobre a identidade do líder do Sam Gor, no entanto.
Para alguns investigadores ouvidos pela Reuters, o tamanho das operações comandadas por Tse Chi Lop o coloca no mesmo patamar do traficante mexicano Joaquín 'El Chapo' Guzmán.
"Talvez ele possa ser comparado até mesmo a Pablo Escobar", afirma Jeremy Douglas, diretor da UNODC para o Sudeste Asiático. "A palavra 'chefão' às vezes é banalizada, mas sem dúvida ela se aplica a esse caso."
Eficiência e organização
A investigação da Reuters mostrou que o Sam Gor é praticamente uma multinacional. Quatro de seus líderes, incluindo Tse, são cidadãos canadenses. Outros vêm da China, Hong Kong, Macau, Taiwan, Malásia, Mianmar e Vietnã.
O cartel começou como a aliança de cinco quadrilhas asiáticas (conhecidas como "tríades"), tem uma imensa quantidade de recursos e, em termos de organização e disciplina, está à frente de quadrilhas latino-americanas como os cartéis colombianos e mexicanos. Além disso, atua em um mercado maior e em colaboração com os grupos criminosos locais.
Como o volume de dinheiro movimentado pela quadrilha é imenso, há uma colaboração maior e menos violência entre os diversos grupos. "Os grupos são mais coesos no Sudeste Asiático, funcionam quase como uma corporação global", disse um policial à agência, sem se identificar.
Chefão discreto
Outra grande diferença entre Tse Chi Lop e chefões latino-americanos como Chapo e Pablo Escobar é que o chinês/canadense, ao contrário deles, leva uma vida discreta e com menos excessos. Com isso, as informações públicas sobre ele são bem mais restritas.
O que se sabe é que Tse nasceu na província de Guangdong, no sul da China e que, no início da década de 1980, ele se uniu a uma gangue local. Trabalhando para esse grupo, ele foi para Hong Kong e, em 1988, para o Canadá, onde se fixou e conseguiu a cidadania.
Após passar uma década estabelecendo redes de tráfico entre a América do Norte e o sudeste asiático, ele foi preso e julgado em Nova York em 1998. Por pouco, não recebeu uma sentença de prisão perpétua por importação de heroína.
Registros mostram que Tse pediu clemência, alegando que os pais estavam doentes, o filho tinha um problema pulmonar e a esposa estava sobrecarregada. Ele disse que abriria um restaurante e acabou condenado a 9 anos em uma prisão federal em Ohio. Em 2006, foi solto em liberdade condicional e voltou ao Canadá.
Voltando à ativa
A polícia não sabe ao certo quando Tse voltou ao tráfico, mas em poucos anos ele havia retomado suas conexões. Em 2013, a polícia australiana investigava uma gangue local quando registrou uma reunião deles com dois de seus fornecedores. Um deles era um chinês de aparência inofensiva: Tse Chi Lop.
Os investigadores descobriram que ele havia subido na hierarquia da quadrilha e tinha gostos caros, mas prezava por sua discrição e segurança. Andava sempre com pelo menos oito guarda-costas, tailandeses especializados em kickboxing.
Uma suspeita é de que ele teria perdido 60 milhões de euros (cerca de R$ 240 milhões) em apenas uma noite em um cassino em Macau. Mas os investigadores ainda não tinham uma noção exata do tamanho do Sam Gor. Isso aconteceu apenas em 2016.
Quadrilha organizada
Em novembro daquele ano, um homem foi preso no principal aeroporto de Mianmar com duas sacolas contendo um pó branco preso às coxas. A polícia identificou a substância como quetamina. O taiwanês, chamado Cai Jeng Ze, se recusou a dar informações.
No celular dele, a polícia achou um vídeo de um homem sendo torturado com um maçarico, contando aos torturadores que jogou 300 kg de metanfetamina no mar porque achava que seria abordado pela polícia. Além de outras centenas de imagens, os investigadores acharam uma foto de Tse Chi Lop.
Com os registros, eles descobriram esquemas de transporte de metanfetamina, heroína e quetamina por meio de vários tipos de navios, em diversas rotas no oceano Pacífico. Conseguiram estourar laboratórios e esquemas de distribuição em terra. No entanto, o homem que encabeça o esquema, Tse, continua à solta.