Duque assume a Colômbia em meio a desconfiança e um país dividido
Único ponto em comum que ele tem com o antecessor é em relação à Venezuela: ambos criticam duramente o governo de NIcolás Maduro
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
A Colômbia entra em uma nova etapa nesta terça-feira (7) com a posse do novo presidente, o advogado Iván Duque, 42 anos, eleito em junho último com uma plataforma contrária a várias políticas do antecessor Juan Manuel Santos.
A principal delas é em relação ao acordo de paz do governo colombiano com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), assinado em setembro de 2016, que, no mandato de Duque, poderá ter alguns pontos revisados.
Mas, diante de um país com opiniões divididas, Duque, eleito pelo Centro Democrático, assume tentando mostrar que não é apenas uma marionete do ex-presidente Álvaro Uribe, do mesmo partido.
Ainda mais em um momento em que, acusado de corrupção e fraude processual, Uribe quase se desligou do Senado para preparar sua defesa.
Duque, tentando mostrar autonomia, tem afirmado que buscará a conciliação, mesmo sob desconfiança daqueles que temem o recrudescimento da violência no país.
O único ponto em comum que ele tem com o antecessor é em relação à Venezuela. Ambos criticam duramente a política do presidente NIcolás Maduro. Duque não deverá deixar passar sem retaliação a acusação de que Santos foi o mentor da suposta tentativa de atentado contra Maduro no último sábado (4), feita pelo próprio presidente venezuelano. O novo mandatário da Colômbia já afirmou em outras ocasiões que é a favor de denunciar Maduro para o Tribunal de Haia.
Ivan Duque é eleito presidente da Colômbia
Mesmo após o acordo de paz, a Colômbia voltou a ser ameaçada por uma onda de assassinatos, já não mais realizados pelas Farc, mas por grupos delinquentes e paramilitares que estão se rearmando e lutando para retomar posições de terras e riquezas, principalmente em regiões rurais do país. Foram vítimas professores, defensores dos direitos humanos e de minorias, entre outros.
Em julho, pelo menos quatro casos se somaram aos 311 crimes contra líderes sociais desde 1 de janeiro de 2016. E, desde a vitória de Duque, os assassinatos prosseguiram, o que mostra que o novo presidente terá muito trabalho se não quiser apenas apontar inimigos para desviar muitos políticos de acusações de corrupção, conforme afirma Alejandro Villanueva Bustos, professor de Ciências Sociais da Universidade da Colômbia.
"É difícil retroceder como um todo, mas é bem possível que haja reformas que ajudarão a desconstruir a essência do acordo. O Congresso está com Duque e é controlado por Uribe. Podemos ter nos proximos quatro ou oito anos a volta de uma guerra na Colômbia, não mais contra as Farc, mas contra um outro inimigo. A guerra, no país, tem sido um motor importante de distração de corrupção dos partidos no poder."
Duque já adiantou que deseja ver o país dentro da legalidade, lutando contra a corrupção, em que prevaleça a segurança em todo o território. Provavelmente, o ponto a ser modificado por ele no acordo é em relação aos guerrilheiros que já entregaram as armas e carregam acusações de crimes atrozes. A tendência é que eles não possam mais atuar na política, tendo antes que cumprir um tempo mínimo de prisão.
Uribismo x santismo
Bustos alerta, porém que, diante de um cenário ainda equilibrado economicamente, com uma inflação de cerca de 3% ao mês, a Colômbia ainda não tem fôlego suficiente para suportar uma redução de investimentos, que ocorrerá caso o plano de paz seja muito modificado.
"Um dos principais desafios de Duque é, em primeira medida, evitar uma crise econômica que está rondando, já que, se o acordo não for mantido, muitos recursos para a paz, vindos de países como o Brasil, Canadá, Suécia, Chile e Estados Unidos, deixarão de chegar frequentemente, e eles têm sido importantes para a estabilidade do país."
Mesmo sem muita experiência na política, Duque foi eleito após passar um mandato como senador. E chega ao poder com o apoio de um dos principais nomes da política do país, o ex-presidente Álvaro Uribe, que ocupou o cargo entre 2002 e 2010. A partir de então, se tornou um opositor de Santos, a quem havia apoiado para ser seu sucessor.
Santos, que foi ministro da Defesa no governo de Uribe, rompeu com seu antecessor logo que assumiu. A partir de então, Uribe buscou reorganizar forças para retomar o poder. E só conseguiu oito anos depois, sendo decisivo para a vitória de Duque, que também terá o apoio do Congresso, cuja maioria é formada por aliados.
Mesmo assim, conforme lembra Bustos, a Colômbia está dividida e não há como Duque governar sem ouvir a quase metade da população que votou no opositor, o ex-guerrilheiro Gustavo Petro, da Colômbia Humana. Duque venceu com 53,96% e Petro ficou com 41,83% das cédulas válidas.
"Foram mais de 10 milhões de votos para Duque, mas mais de 8 milhões para Petro. Outro desafio é ele fazer a paz com a outra guerrilha, o ELN (Exército de Libertação Nacional), e desde já contolar a polarização e reconciliar o pais em torno de um projeto comum. O país está dividido em calorosoas discussões entre uribismo e santismo, defensores do presidente que acabou perdendo votos para outros partidos."
Tanto é que o candidato de Santos na eleição foi Humberto de La Calle Lombana, que nem ameaçou chegar ao segundo turno. Justamente ele que foi o principal chefe na negociação do acordo de paz com as Farc.