Eleições norte-americanas deste ano podem decidir o destino do planeta
Planos para um possível segundo mandato de Trump incluem redução de medidas para tentar frear mudanças climáticas
Internacional|Stephen Markley, do The New York Times
Nos 12 anos que levei para escrever meu romance “The Deluge” (O dilúvio, em tradução literal), sobre a crise climática, observei as temperaturas recordes, o clima caótico e os eventos políticos chocantes indo além da minha imaginação. O livro retrata o ponto de virada humano, quando os danos se tornam irreversíveis e os alicerces da economia, da política e do mundo começam a se deteriorar. Os aspectos fundamentais da trama que eu estava elaborando em 2010 se tornaram temas constantes nos noticiários até 2024.
Só no ano passado, os sinais de alerta incluíram o aumento da temperatura dos oceanos, uma perda de gelo marinho recorde na Antártica e a temperatura média global mais alta da história da humanidade já registrada. Incêndios florestais, secas, inundações e fenômenos climáticos extremos de todos os tipos chocaram até mesmo os cientistas que estudam esses eventos costumeiramente chocantes. Essa não é a história que queremos viver.
Mas aqui estamos, e essas engrenagens vão se movimentar mais uma vez este ano, à medida que outra eleição presidencial se depara com nossa permanente situação de emergência. Os riscos da crise climática tornam o clichê de que “esta é a eleição mais importante da nossa vida” cada vez mais verdadeiro, porque a cada quatro anos eles estão consideravelmente maiores, bem como os recordes de um regime climático radicalmente novo.
A Casa Branca pode em breve ser reconquistada por Donald Trump, que chamou a crise climática de “farsa” e, mesmo quando voltou atrás do que disse, insistiu: “Não sei se as atividades humanas são a causa disso.” E confirmou seu pensamento inúmeras vezes, como quando disse a um cientista: “Vai começar a esfriar, você vai ver.”
Atualmente, tem havido muitas reportagens sobre o Projeto 2025, plano detalhado com mais de 900 páginas para um segundo governo Trump, montado pela conservadora Fundação Heritage. No que diz respeito ao clima, o relatório é sucinto: “O fanatismo climático da administração Biden terá de ser desfeito por todo o governo.”
O relatório recomenda a revogação da Lei de Investimento em Infraestrutura e Empregos e da Lei de Redução da Inflação, que eliminaria os créditos fiscais que impulsionaram centenas de bilhões de dólares em investimentos em energia limpa, estimularam a abertura de fábricas e a criação de empregos em praticamente todos os cantos do país. Também serão perdidos os investimentos em justiça ambiental – medidas que visam reduzir a poluição em comunidades marginalizadas, fornecer energia limpa acessível e criar empregos em bairros de baixa renda. Quanto aos carros elétricos, que são fundamentais para atingir os objetivos climáticos do país, o relatório recomenda o fim de todos os mandatos e subsídios federais.
Um segundo governo Trump provavelmente concederia licenças para a perfuração de combustíveis fósseis e oleodutos em praticamente qualquer lugar onde tivesse autoridade para isso, removeria a taxa de metano sobre produtores de petróleo e de gás e eliminaria os novos limites de poluição impostos a carros, caminhões e usinas elétricas. É praticamente garantido que cancelaria a autorização especial concedida à Califórnia para estabelecer padrões de qualidade do ar mais rigorosos sob a Lei do Ar Limpo, buscaria revogar a Lei das Antiguidades, usada para proteger áreas em risco, e tentaria minar a Lei das Espécies Ameaçadas.
Mas talvez o mais preocupante seja que, em um novo mandato, Trump impediria os americanos de saber o que está sendo feito com eles. O Projeto 2025 propõe a dissolução e a privatização de partes da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica – agência federal que estuda e monitora o clima – e o uso uma ordem executiva para “reformular” o Programa de Pesquisa de Mudança Global, aparentemente para obscurecer suas avaliações sobre o ritmo das mudanças climáticas e seu impacto potencial. Entraríamos nessa nova era sombria com os olhos vendados.
No fundo, Trump é um bilionário que faz favores a outros bilionários, cortando seus impostos e eliminando – ou não aplicando – regras que nos protegem da asma e do câncer. Durante seus quatro anos no cargo, ele conseguiu revogar ou enfraquecer mais de cem regulamentações ambientais, o que causou mortes e sofrimentos reais. A revista médica “The Lancet” estimou que, só em 2019, em decorrência dessas políticas, o número de óbitos que excederam as estimativas chegou a 22 mil, por doenças cardíacas, asma e câncer de pulmão, entre outras causas.
Apesar de todos os danos causados, Trump e sua administração felizmente provaram ser incompetentes para fazer o governo cumprir suas intenções. Não devemos nos iludir pensando que ele e seus aliados serão pegos desprevenidos como foram com sua vitória inesperada em 2016. O Projeto 2025 demonstra que se pensou muito bem na maneira de destruir a capacidade do governo de aplicar proteções ambientais, conduzir pesquisas ou mesmo avaliar a realidade científica de nossa situação. Claro que o cenário mais pessimista, uma revogação total ou parcial da Lei de Redução da Inflação, dependerá da composição do Congresso.
Meu conselho é que não nos deixemos enganar em relação à resiliência política dessa legislação quando muitos de seus benefícios aguardam nos anos futuros.
Podemos apresentar um documento como o Projeto 2025 e gritar aos quatros ventos que ele é extremo, bem como tentar usar números para descrever o perigo que representa. Mas todos vamos falhar – certamente, falhei – em descrever como pode ser verdadeiramente assustador um segundo mandato de Trump. Não limite sua imaginação.
O próprio republicano ofereceu uma amostra disso em uma reunião recente com executivos de petróleo e de gás no resort Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida, onde, de acordo com o que foi relatado pelo “The Washington Post”, ele declarou: “Odeio energia eólica.” Trump também disse aos executivos que estes deveriam contribuir para sua campanha, que suas políticas seriam muito melhores para o petróleo e para o gás do que as do presidente Biden e que ele priorizaria seus interesses desde o “primeiro dia”.
Evento singular
A história vai se bifurcar e, em um único dia, nossa janela de oportunidade para evitar que a crise climática saia do controle pode muito bem se fechar. As emissões globais devem atingir o pico nesta década e começar a declinar rapidamente para que o mundo tenha alguma chance de evitar um aquecimento catastrófico. Quando comecei a escrever meu livro, tínhamos em torno de 20 anos para cumprir essa tarefa. Depois da eleição, teremos 62 meses – cerca de cinco anos.
Isso torna a eleição de 2024 um evento singular na crise climática. Mesmo com vários obstáculos, a capacidade de energia renovável cresceu no ano passado, alcançando um aumento global de 50 por cento. De acordo com a Agência Internacional de Energia, até 2030 o potencial global de energia renovável pode chegar a ser duas vezes e meia maior do que os níveis atuais, o que significa que o mundo está se aproximando de uma meta climática crucial: triplicar a capacidade de energia renovável até 2030. Os riscos da crise crescem rapidamente, mas também nossa possibilidade de enfrentar esse desafio com a velocidade e a escala necessárias. Devemos acelerar esse impulso a todo custo – e o outro grande candidato a um segundo mandato, Joe Biden, tem defendido firmemente isso.
Admito plenamente que o atual presidente não foi minha primeira escolha – nem mesmo a sétima – nas primárias democratas de 2020. Mas, quando se trata do imenso desafio de enfrentar esta crise, sou eternamente grato por ele ter provado que eu estava errado, alcançando uma vitória decisiva com a mais estreita das margens no Congresso. Mesmo que grande parte da ambiciosa agenda política de Biden tenha sido desmontada no Congresso, uma coisa permaneceu: a reindustrialização por meio de investimentos em energia limpa.
Isso levou à aprovação da Lei de Redução da Inflação, a legislação climática mais significativa que o país já viu – e uma conquista mais importante do que o acordo climático de Paris. Em apenas dois anos, esse projeto de lei impulsionou os investimentos em energia limpa nos Estados Unidos e estabeleceu um ritmo para o resto do mundo competir na crescente economia do setor. Esses investimentos devem criar mais de nove milhões de empregos na próxima década. O aumento da energia renovável está quebrando recordes a cada ano, e também a cada trimestre. O fim de 2023 registrou um aumento de 40 por cento nos investimentos em energia limpa e em transporte em relação ao último trimestre de 2022.
À medida que essas indústrias de descarbonização se espalham por todos os estados e por muitos distritos congressionais, a vida e os meios de subsistência das pessoas ficam cada vez mais interligados à energia renovável. Quando um congressista do Texas não puder sobreviver a uma eleição em um distrito solidamente republicano sem o apoio das indústrias eólica e solar, quando uma fábrica de baterias no condado de Hardin, no Kentucky, estiver empregando cinco mil pessoas, ou quando a economia em torno de combustíveis fósseis for convertida na infraestrutura de zero carbono que exigimos, isso vai mudar as considerações e as estratégias de um político. A crescente influência econômica e política dessas indústrias de energia limpa vai desafiar o status quo dos combustíveis fósseis. Estamos no início de uma revolução absoluta da economia americana que vai impulsionar a indústria e fazer com que a poluição diminua.
Qualquer defensor do clima pode tentar refutar meu argumento com ressalvas, questões pessoais não abordadas e outros aspectos, mas, no que diz respeito à nossa atmosfera compartilhada, existem só três informações relevantes: quem é Joe Biden, quem é Donald Trump e a urgência da crise diante de nós. Mesmo que seja verdade que os Estados Unidos continuam a produzir uma quantidade recorde de gás fóssil e que quase estão alcançando o mesmo marco na produção de petróleo, esses números refletem as políticas de todas as fontes energéticas dos últimos 15 anos. A Lei de Redução da Inflação e várias regulamentações importantes da Agência de Proteção Ambiental do governo Biden vão impulsionar a descarbonização que deve nos colocar a uma distância viável de nossa meta do acordo climático de Paris até 2030, o que parecia inimaginável há quatro anos.
Vale a pena analisar como conseguimos tal progresso. Essa vitória impressionante só foi possível graças ao trabalho árduo de Stacey Abrams, na Geórgia, para conquistar dois assentos no Senado dos Estados Unidos em 2020, dando a Biden uma maioria no Senado e na Câmara (que ele perdeu por pouco em 2022).
O trabalho também está em andamento nos níveis estadual e local. Nos últimos quatro anos, os democratas lideraram esforços no Colorado, no Illinois, em Maryland, em Massachusetts, no Michigan e em Washington para aprovar leis climáticas ambiciosas quando os eleitores exigiram. Nas grandes cidades, vemos ações agressivas, como o Plano de Equidade Climática de Mineápolis e o esforço de Chicago para acabar com as conexões de gás natural para as novas construções.
De municípios pequenos como Athens, em Ohio, que tem uma taxa de carbono em toda a cidade, a estudantes do ensino médio que fazem campanha por painéis solares e ônibus elétricos, os cidadãos podem impulsionar o movimento para eletrificar tudo e reduzir a necessidade de combustíveis fósseis. As comissões estaduais de serviços públicos permanecem como atores negligenciados, controlando grandes quantidades de carbono e prontas para participar de campanhas que visam eleger ou nomear membros comprometidos com o clima. Votando para presidente, legislador estadual ou qualquer pessoa ou entidade que supervisiona ou fiscaliza determinada área, devemos escolher alguém que reconheça o imperativo da crise climática.
A lição é que a única coisa que vem funcionando, e que deve continuar a funcionar, é a democracia em todos os níveis. Nenhum de nós tem a opção de ser cínico, desprezar a política eleitoral ou fingir que não está fazendo uma escolha moral distinta ao votar em um candidato de um terceiro partido ou não votar. Neste momento, precisamos eleger os democratas. A extinção de muitos dos cortes de impostos de Trump em 2025 pode criar a alavancagem necessária para impulsionar ainda mais os esforços climáticos.
Agora ou nunca
Devemos olhar para esta eleição e entender que é agora ou nunca – que podemos criar a oportunidade para que os Estados Unidos ultrapassem seus objetivos de redução de emissões e estimulem o resto do mundo a seguir o exemplo. O movimento pelo clima pode lutar com todas as forças pela reeleição de Biden ou assistir a Trump e seus aliados incendiarem o planeta.
O clima não é só mais um problema. Não nego que vivemos em um mundo complexo e precário ou que nossa consciência está dilacerada por uma teia de desafios domésticos e convulsões geopolíticas. Mas estaremos em negação se não reconhecermos que essa é a crise que definirá este século e, se falharmos, o futuro de toda a humanidade. Nosso sistema de combustíveis fósseis está conduzindo o planeta a condições que a humanidade nunca experimentou – a um ponto a que até a imaginação dos romancistas não consegue chegar.
E, ainda assim, a crise climática é também o alicerce sobre o qual podemos construir um mundo mais justo, equitativo e próspero. Cada eleição é preciosa, cada voto que emitimos é um registro moral do que fizemos neste momento histórico decisivo. Não fiquem de braços cruzados, não neguem os riscos, não desperdicem esse voto.
(Stephen Markley é o autor de “The Deluge” e “Ohio: A Novel”.)
c. 2024 The New York Times Company