O Peru pode ter um cenário inédito nas eleições de 2026. Pelo menos 70 partidos políticos podem lançar candidatos à presidência do país, segundo o Júri Nacional Eleitoral (JNE). Dos grupos, 39 já estão oficialmente inscritos para o pleito e os demais, em processo de inscrição -- que pode ser concluído até abril. Se todos os partidos se inscreverem a tempo e não houver formação de alianças eleitorais, o país andino pode ter um número recorde de concorrentes e, inclusive, superar com folga a quantidade de candidatos da eleição presidencial de 2021, que chegou a 18. A título de comparação, as últimas eleições gerais no Brasil, em 2022, tiveram 32 partidos participantes e 12 candidatos à presidência. Além da escolha do próximo presidente, os peruanos irão às urnas para eleger dois vice-presidentes e 190 parlamentares. O pleito é ainda mais atípico por marcar o retorno do sistema bicameral, formado por Senado e Câmara dos Deputados, algo que não acontecia no país desde 1992.Na lista de inscritos, há partidos de todos os espectros políticos: desde a esquerda radical, passando pelo centro liberal, até a direita. Entre os mais conhecidos, estão o Perú Libre, partido de esquerda da qual a atual presidente Dina Boluarte fez parte, e o Fuerza Popular, de direita, associado a Keiko Fujimori, derrotada na última disputa.A quantidade inédita de partidos tem um motivo. Ela é reflexo de uma crise política que parece não ter fim no Peru. Há quase dez anos, o país tem enfrentado escândalos de corrupção e rivalidades entre o Executivo e o Legislativo que geraram uma instabilidade governamental sem precedentes. A crise começou nas eleições de 2016. Naquele ano, Pedro Pablo Kuczynski derrotou Keiko Fujimori, representante do “fujimorismo”. O termo se refere ao movimento ligado ao ex-presidente Alberto Fujimori, que governou o país de maneira autoritária nos anos 90. A derrota de Keiko foi celebrada por setores progressistas, mas o resultado trouxe consequências graves.Embora derrotados na presidência, os fujimoristas conquistaram a maioria no Congresso, o que deu início a um grande conflito entre o parlamento e o Executivo. Desde então, o país já teve seis presidentes e viu quatro deles renunciarem ou serem destituídos por impeachment. O caso mais recente foi o de Pedro Castillo. Eleito em 2021, foi destituído e preso no ano seguinte, após tentar dissolver o Congresso e convocar novas eleições.Hoje, a relação entre a atual presidente Dina Baluarte e o Congresso é de cooperação, mas a aliança é controversa. Quando chegou ao poder, após a destituição de Castillo, Boluarte pertencia ao Perú Libre. Mais tarde, no entanto, ela adotou uma postura mais conservadora, foi expulsa do partido e se aliou a grupos de direita no parlamento, que detêm 78 dos 130 assentos. A transição gerou críticas, especialmente entre eleitores, que se sentiram traídos pela mudança de postura política. A aliança de Boluarte com o Congresso de direita é vista como uma estratégia para manter o poder, mesmo que isso signifique reprimir antigos apoiadores.Política e corrupção têm laços antigos no Peru. Em 2018, Pedro Pablo Kuczynski decidiu renunciar quando vieram à tona denúncias de envolvimento dele no caso Odebrecht, o maior escândalo de corrupção da América Latina. Ele foi preso no ano seguinte, acusado de lavagem de dinheiro. Kuczynski não foi o único. Outros dois ex-presidentes andinos também foram presos entre 2017 e 2019 em investigações conduzidas pela Lava Jato no Peru: Ollanta Humala, que governou entre 2011 e 2016, e Alejandro Toledo, mandatário entre 2001 e 2006. Alan García, presidente em dois mandatos, de 1985 a 1990 e 2006 a 2011, também enfrentou acusações, mas morreu depois de dar um tiro na cabeça quando ia ser preso, em 2019.O escândalo ainda se espalhou para além do Executivo. Keiko Fujimori, presidente do partido Fuerza Popular, foi acusada de receber recursos da empreiteira para a campanha eleitoral de 2011. Ela foi presa por lavagem de dinheiro em 2018 e em 2020. Anos mais tarde, a atual presidente peruana também se vê envolvida em acusações de corrupção. Em 2024, Boluarte foi denunciada pelo Ministério Público do país por supostamente possuir relógios de luxo não declarados; ela nega. O caso, que ficou conhecido como “Rolexgate”, levou à renúncia de seis dos ministros à época.As sucessivas denúncias de corrupção e os conflitos entre poderes criaram um ambiente de incerteza e desconfiança nas instituições peruanas por parte da população. O descontentamento popular é tanto que, hoje, apenas 3% dos andinos aprovam o atual governo, segundo pesquisa publicada pelo jornal “El Comercio” em dezembro de 2024.Boluarte governa desde o início do mandato sob forte contestação. Manifestações contra ela deixaram dezenas de mortos e feridos entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. A mandatária é investigada pelo MP peruano por “homicídio agravado e ofensas corporais graves” por causa do episódio.Todo o revés político é agravado ainda por uma crise econômica que piorou muito depois da pandemia. Em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do país contraiu 11%, uma das maiores quedas na América Latina. Embora tenha havido uma recuperação de 13,5% em 2021, a instabilidade política contínua afetou negativamente o crescimento econômico subsequente.A possibilidade de o Peru ter até 70 candidatos à presidência pode ser interpretada como um reflexo de diversidade democrática, mas também levanta preocupações sobre a fragmentação política do país, segundo especialistas.Eles alertam que a proliferação de candidaturas ainda pode estar atrelada à ausência de lideranças sólidas. As frequentes mudanças na chefia do Executivo -- cinco em nove anos -- refletem a dificuldade em consolidar coalizões políticas e em governar um país com múltiplos interesses em jogo.