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Em diário, menina síria registra a infância sob o horror da guerra

Myriam escreveu ao longo dos últimos 7 anos de guerra na Síria. Ela viu sua cidade ser destruída, perdeu amigos e familiares, mas sobreviveu

Internacional|Beatriz Sanz, do R7

Myriam continua escrevendo seu diário
Myriam continua escrevendo seu diário

"Eu era feliz, leve. E não imaginava que a vida pudesse ser de outra forma".

É assim que a jovem Myriam Rawick define sua infância, antes que ela pudesse conhecer os horrores da guerra. Experiências que ela registrou como pôde em um diário, descoberto depois pelo repórter francês Philippe Lobjois, que editou a obra. O livro está publicado no Brasil pela Darkside Books.

Myriam é a filha mais velha de uma família da classe média de Alepo, que foi por anos um dos principais campos de batalha da Guerra na Síria.

A guerra fez da jovem Myriam uma refugiada dentro de sua própria cidade e ela registrou detalhes da barbárie como só uma criança seria capaz.


A menina nasceu e cresceu no bairro de Jabal Saiyd, no norte de Alepo. As ruas onde vivia foram tomadas primeiro pelos rebeldes, depois pelo Daesh e ela foi obrigada a fugir junto com sua família, para que pudessem salvar suas vidas.

Desde que os confrontos diminuíram na cidade, Myriam, seus pais e sua irmã só voltaram a sua antiga casa — totalmente transformada em ruínas — uma única vez.


"Foi ali, pela primeira vez, que entendi o significava a guerra. A guerra era minha infância destruída sob essas ruínas e fechada em uma caixinha", disse quando viu os destroços do lugar que já havia sido seu lar. Tudo que ela encontrou de sua infância e das bonecas que deixou na casa foi uma caixinha vermelha e amassada que guardou como recordação.

O início da Guerra


O conflito que começou em março de 2011 na capital do país, Damasco, levou algum tempo para chegar até a Alepo, a segunda cidade mais importante da Síria, onde Myriam vivia.

Até então, seus pais e sua família se esforçavam para manter o clima de normalidade em torno das crianças.

Os primeiros sinais de que as coisas estavam mudando para a menina surgiram na escola. Ela registra em seu diário, no dia 20 de setembro de 2011: "O diretor nos esperava com todas as professoras. Ele parecia bravo. Ele nos disse para entrarmos logo".

Nesta ocasião, a garota percebeu que os muros da escola estavam pixados com mensagens de "a revolução continua" e "Fora…". Na mesma noite, seu pai lhe alertou que dali em diante ela não iria mais sozinha para a escola.

Depois ela questinou seu pai se poderia ela mesma fazer sua revolução.

A partir de então, a sombra da guerra esteve sempre presente na infância da garota que tinha apenas 8 anos.

Começou com o pai chegando em casa do trabalho e impedindo as filhas de verem desenho animado. Ele mudava o canal para a TV estatal, onde acompanha os noticiários.

Rapidamente evoluiu para o sequestro de um tio que estava no exército.

Essa foi a primeira vez que a violência da guerra se manifestou em sintomas físicos no corpo da garota e ela sentia vontade de vomitar.

Foi acalmada pela mãe, mas o vômito e as dores de barriga seria um companheiros constante nas noites de bombardeio que estavam por vir.

Verão de tiros e bombas

O verão chegou em julho de 2012 a Alepo e a menina que desejava aproveitar o sol e o calor foi surpreendida pelos primeiros tiros e bombas da sua vida.

Nos primeiros dias das férias ela ainda conseguia passear pela cidade que tanto amava. Aos poucos, a situação ia mudando e Myriam tinha que ficar cada vez mais longe das ruas para se proteger.

Ela rezava para que as bombas parassem, enquanto outros aspectos da sua vida iam sendo afetados.

Começou com a falta de água e de luz e avançou para a falta de produtos básicos como gás e carne até culminar na chegada de refugiados de outras partes da cidade em seu bairro.

Talvez o momento de maior sofrimento para a garota foi quando seus pais disseram que ela não poderia voltar para a escola porque não havia segurança o bastante.

Myriam foi perdendo o contato com amigos, vendo seus familiares que lutavam nas trincheiras serem mortos e viu sua casa ser invadida por fanáticos religiosos. Foi quando o Daesh chegou a Alepo.

A menina se tornou uma refugiada dentro de sua própria cidade e em pouco tempo além de saber como jogar bolinhas de gude com os companheiros da rua, ela aprendeu a diferenciar o barulhos de fuzis, AK47, DShK e bombas.

A guerra sem fim

Atualmente, Alepo está sob o controle do exército controlado pelo presidente Bashar al-Asad, portanto, os confrontos são menos constantes na região.

Ainda assim, a guerra continua. Já são 7 anos, pelo menos 450 mil pessoas mortas, mais de 100 mil presas pelas forças do governo, mais de 7 milhões de pessoas, que como Myriam, ficaram sem lar mas continuaram na Síria e outros 5 milhões que fugiram para fora do país, iniciando a maior crise de imigração das últimas décadas.

Myriam conseguiu com sua perspicácia e doçura transformar esses números frios em nomes e rostos com histórias que podemos nos identificar, pois a família dela poderia ser a nossa.

E a pergunta que ela fez a seu pai no início da guerra, foi respondida. Escrevendo seu diário, Myriam causou uma revolução.

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