Encontro entre Trump e Kim Jong-un ameaça poder da China na Ásia
Reunião que ocorrerá na terça-feira (12) cria expectativas de uma inesperada reviravolta na geopolítica asiática, onde a China exerce influência
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
A reunião de cúpula entre os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Kim Jong-un, da Coreia do Norte, cria expectativas de uma inesperada, pelo menos até o início de 2018, reviravolta na geopolítica asiática.
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Desde o fim da Guerra da Coreia (1953), a divisão entre capitalismo e socialismo prevaleceu na região, perpetuando um dos últimos resquícios da Guerra Fria. Mas, agora, não é a União Soviética (apesar de a Rússia manter interesse na região) o oponente dos EUA.
O adversário passou a ser a China, que, enquanto emergia como potência continental, se tornou o maior protetor do regime norte-coreano, uma ditadura comunista fortemente criticada pelo Ocidente por sua falta de transparência e postura beligerante, que foram motivo de uma série de sanções do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas).
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A partir do momento em que EUA e Coreia do Norte se mostram abertos a negociações, o governo americano tende a ganhar influência na Ásia, local que já lhe deu muitas dores de cabeça, como na Segunda Guerra Mundial. Com isso, passa a competir diretamente com a China.
Isto porque, após a guerra entre as duas Coreias, os EUA mantêm cerca de 28.500 militares na Coreia do Sul. As numerosas tropas americanas foram enviadas para ajudar a evitar um conflito direto entre Japão e Coreia do Norte.
O professor de Inteligência da Fipe (Fundação Estudos de Pesquisas Aplicadas), Ricardo Gennari, concorda que o poderio chinês na região fica ameaçado com o encontro.
— A China vai agir por etapas em relação a essa aproximação. Este primeiro momento é de um repúdio, mas silencioso. O chinês deixou, em geral, de ser reativo para ser mais estratégico. Com o tempo a China irá repensar a relação com a Coreia do Norte, mas, neste momento, ainda em boa posição no cenário global, ela não vai se indispor com ninguém.
Gennari considera que a China ainda não definiu uma estratégia futura. O governo de Xi Jinping vai apenas analisar os acontecimentos, mesmo contrariado.
— A China tem interesses no Mar do Japão e qualquer atitude intempestiva neste momento poderia ser um erro. Isto porque os EUA poderiam recorrer a dois aliados locais, a Coreia do Sul e o Japão, que também começam a se movimentar. Fortalecido com um eventual fim das hostilidades com a Coreia do Norte, o que deixaria a China isolada estrategicamente. Por isso, a China deverá esperar para ver o que fazer.
A retirada das tropas norte-americanas na Coreia do Sul não entrou nas conversas entre Kim Jong-un e o presidente sul-coreano Moon Jae-in, no último dia 27 de abril, e nem deverá constar no diálogo entre Trump e o líder norte-coreano. Os EUA não pretendem mudar suas posições militares, mesmo com o processo de desnuclearização proposto pelas duas Coreias.
Interesses comerciais
Para a Coreia do Norte, está se tornando urgente reverter as sanções impostas pela ONU. O país está dando mostras de que, além do prejuízo financeiro de quase 1 bilhão de dólares por ano, está cansado da dependência em relação à China.
Boa parte do óleo e gás utilizados pelos norte-coreanos, por exemplo, tem procedência chinesa, e com preços subsidiados.
Mais de 90% das exportações da Coreia do Norte são direcionadas à China, que compra desde produtos como roupas até os relacionados à mineração (já que o território norte-coreano é rico em minérios).
Além disso, instituições da Coreia do Norte lavariam dinheiro por meio de instituições financeiras chinesas, que estariam fazendo vistas grossas a esta situação, até quando isto lhes interessar.
A dependência norte-coreana estaria fincada também neste setor já que, uma eventual interrupção desta "ponte" por parte da China poderia provocar uma crise ainda maior no país comandado por Kim Jong-un.
Distanciamento entre China e Coreia do Norte
Não é por acaso que a relação da Coreia do Norte com a China passou por um certo distanciamento nos últimos meses.
Ameaçada por uma guerra comercial com os EUA, em função da imposição americana de tarifas à importação de aço chinês, o governo de Pequim até tentou uma reaproximação com Kim jong-un.
O líder chinês, Xi Jinping, recebeu Kim Jong-un em março, em Pequim, nitidamente preocupado em manter o aliado sob seu controle. Kim foi simpático, caloroso até, mas deu a impressão de que agiu estrategicamente, ciente de que agora estava com um trunfo na mão.
Gennari considera que os EUA perceberam essa insatisfação norte-coreana e aproveitaram a oportunidade para que Kim Jong-un aceitasse uma aproximação.
— É mais um acordo comercial do que geopolítico para a Coreia do Norte. O país quer novas parcerias comerciais, além das com a China, da qual se tornou dependente. Agora, com o embargo internacional, a situação está difícil para os norte-coreanos e o governo quer reverter essa situação.
Com as questões relacionadas às pesquisas e utilização de arsenal nuclear e mísseis balísticos muito bem encaminhadas, próximas de um entendimento, o trunfo estratégico já está quase consolidado. Resta deste encontro o fator político, que também deverá ser explorado como trunfo por ambos os governos.
Para o de Donald Trump, seu discurso ameaçador e firme será utilizado como principal causa do recuo norte-coreano. Já Kim jong-un tentará mostrar ao mundo uma imagem de líder moderado e adorado em seu país, na busca de um contraponto à sua fama de ditador implacável.