Um território no norte da África que tem o tamanho aproximado do estado de São Paulo e é cercado de um lado pelo oceano Atlântico e do outro pelo deserto do Saara, causa grandes disputas há décadas. O Saara Ocidental é, na prática, a última colônia em toda a África. Com um governo próprio e cerca de 20% do território já independente — após 43 anos de batalhas, tanto violentas quanto diplomáticas — o pequeno país luta para se tornar totalmente autônomo do Marrocos, país vizinho que rejeita ceder a liberdade. No lado sarauí, o combate contra o colonizador é liderado pela Frente Polisário, o movimento independentista do país. O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas Rodrigo Duque Estrada explica que esse território independente é cercado pelo maior muro do mundo, o "muro do Saara". Construída de areia e pedra com tecnologia importada de Israel, essa estrutura tem cerca de 2.700 quilômetros de extensão e foi construído depois da ocupação militar marroquina que ficou conhecida como Marcha Verde. O muro é cercado de minas terrestres, o que impossibilita o trânsito da população e até mesmo dos beduínos que vivem como nômades na região.'Estado em exílio' Segundo Estrada, o governo da República Árabe Sarauí Democrática (RASD) acontece na prática dentro dos campos de refugiados, na região de Tindouf, perto da fronteira cedida pela Argélia, país que apoia os sarauí. O especialista considera que o Saara Ocidental é "um Estado em exílio". Para o jornalista e ativista sarauí, Malainin Lakhal, a situação no país é semelhante à ocupação que Israel faz no território palestino. Grande parte da população sarauí vive nos campos de refugiados desde a década de 1970. Muitas pessoas nasceram e cresceram nesses campos e nunca conheceram a terra natal. A região do país controlada pela Frente Polisário não é habitável por conta do clima extremo, do muro que separa os territórios e das minas ativas.Uma colônia, duas metrópoles, muitos interesses Na teoria, o Saara Ocidental ainda é uma colônia espanhola, já que o tratado de independência nunca foi assinado. Quando os europeus deixaram o território, dividiram o território entre a Mauritânia e o Marrocos, pedindo que a população fosse consultada sobre o destino do país, o que nunca aconteceu. "A Espanha transferiu ilegalmente o território para o Marrocos", explica Rodrigo Duque Estrada. O professor Estrada e seu colega Renatho Costa dirigiram o documentário "Um Fio de Esperança: Independência ou Guerra no Saara Ocidental" que retrata a realidade da população sarauí. "A Corte Internacional de Justiça emitiu um parecer consultivo dizendo que não havia laços de soberania suficientes que justificassem a anexação do território tanto pelo Marrocos quanto pela Mauritânia. O rei Hassan II do Marrocos não aceita o parecer e invade o território militarmente em outubro de 1975", explica. É nesse contexto que os movimentos independentistas se unem e criam a Frente Polisário, a corrente política que governa a parte livre do país. O maior apoio da Frente Polisário vem da Argélia, que durante o período da guerra deu apoio militar e logístico aos sarauí. Atualmente, a contribuição argelina se dá através da instalação de campos de refugiado perto da fronteira. A administração do país acontece nesses campos. Por outro lado, o Marrocos tem o apoio de grandes potências como França, Espanha e Estados Unidos para garantir que o Saara Ocidental continue no status de colônia. As riquezas naturais, que atualmente são exploradas sem ressalva pelo Marrocos, são o principal interesse desses países no território.A guerra e a ocupação marroquina Assim que o Marrocos invadiu o território do Saara Ocidental, teve início uma guerra sangrenta que durou de 1975 a 1990. "A Frente Polisário era uma guerrilha de deserto, por isso era desproporcional com o aparato militar do Marrocos", conta o professor. Ainda assim, os sauári, como nativos, conheciam melhor o terreno e conseguiam causar alguns danos ao exército marroquino. Estrada relata que o exército marroquino deliberadamente jogava bombas de napalm contra mulheres e crianças. Essa população é o principal contingente dos campos de refugiados na Argélia. Na contramão, os rebeldes sarauí atacavam as jazidas de fosfato do país para evitar a exploração desenfreada de seus recursos naturais por parte do Marrocos. Para conter os revolucionários independentistas, o Marrocos enviou uma parte da sua população para ocupar o território vizinho. Foram deslocados pelo menos 350 mil marroquinos apenas no primeiro ano da ocupação. Essa estratégia implica diretamente na forma de resolução do conflito que pode ser utilizada. A ONU, que acompanha o caso há muito tempo, propõe que seja feito um referendo de autodeterminação para decidir sobre a independência. "O Marrocos, respaldado pela França, não permite a organização de um referendo de autodeterminação como o direito internacional determina", explica Lakhal, que atualmente trabalha como assessor do Ministério de Relações Internacionais da RASD. Estrada concorca com o jornalista sarauí. "Os marroquinos não estão interessados em solucionar isso através das vias diplomáticas. Essa situação de conflito, de impasse favorece eles, porque quanto mais tempo demora a solução, mais eles conseguem buscar apoio internacional". O Saara Ocidental pede que que o referendo seja realizado com a população que já vivia no país em 1974, antes da ocupação marroquina ter início. O Marrocos, contudo, deseja uma consulta com toda a população, que inclui a grande parcela de marroquinos que ali vivem. O Marrocos argumenta ainda que investiu muito para construir a infraestrutura das cidades que estão localizadas na área ocupada.A posição brasileira e o cenário internacional O Saara Ocidental já é reconhecido como um país independente pela União Africana desde 1982, como conta Lakhal e mais recentemente pela União Europeia, que proibiu a importação dos produtos extraídos do território sarauí e vendido pelo Marrocos. O Brasil, no entanto, não reconhece o Estado sarauí. Estrada afirma que o governo brasileiro quebra tratados internacionais ao manter relações comerciais com o Marrocos, importando produtos que são fruto da exploração marroquina no Saara Ocidental, como fosfatos e sardinhas. Em nota, o Itamaraty afirmou que "um reconhecimento unilateral do Saara Ocidental como país independente, ou uma declaração de apoio à soberania do governo marroquino sobre o território, à revelia das negociações em curso nas Nações Unidas, prejulgaria o resultado do diálogo entre as partes e representaria uma ruptura com a posição internacional prevalente, que favorece a via multilateral. Não há elementos que sugiram que tal postura pudesse trazer avanços no alcance de solução pacífica para a questão." O Marrocos investe também na imagem de um país acolhedor e turístico para evitar que a situação do Saara Ocidental seja tão conhecida e discutida como é o conflito entre Palestina e Israel. Está em andamento no país uma missão de paz da ONU. Porém, essa missão não tem a autoridade de verificar atentados aos direitos humanos nos territórios ocupados. A restrição acontece, principalmente, por conta dos vetos da França no Conselho de Segurança da ONU. A França foi a potência que colonizou o Marrocos e os dois países mantém boas relações até os dias atuais, por isso apoia a ocupação. Já o interesse da Espanha em conservar o Marrocos no poder é diferente, como explica o professor Estrada. Como é a principal fronteira marina entre a Espanha e a África, o Marrocos evita que as populações africanas cruzem o oceano e aumente o número de refugiados na Europa.