Entenda o debate sobre estátuas derrubadas em protestos
Estátua de mercador de escravos foi jogada em rio e outras podem ser removidas depois que protesto contra racismo eclodiram pelo mundo
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
A onda mundial de protestos antirracistas iniciada com os pedidos de justiça por George Floyd ajudou a levantar um debate sobre a presença de monumentos em homenagem a figuras históricas ligadas à escravização dos africanos ou a políticas raciais discriminatórias.
A Europa cresceu e se tornou próspera com a escravidão de africanos durante a época das Grandes Navegações e os Estados Unidos também enriqueceu com a exploração da força de trabalho de negros e indígenas. Os responsáveis por esse crescimento, que antes foram vistos como heróis e vencedores em sociedades passadas, ganharam estátuas e monumentos que hoje são vistos como algo inaceitável.
Em Bristol, na Inglaterra, a estátua do mercador de escravos Edward Colston foi arrancada da base em que ficava e jogada em um rio por manifestantes durante os protestos do domingo (7). O vídeo em que o grupo de protestantes joga a estátua no rio viralizou nas redes sociais e foi assistido mais de 8 milhões de vezes pelo Twitter da BBC.
Colston foi um mercador de escravos e sócio da Royal African Company, empresa responsável pela captura e venda de mais de 80 mil africanos. Com a fortuna feita pela escravidão, ele ajudou no desenvolvimento da Inglaterra e era considerado um filantropo, doando dinheiro para igrejas, hospitais e escolas.
“Não há monumento da civilização ou do progresso que não seja, ao mesmo tempo, um monumento da barbárie”, explica o professor Paulo Ramirez, professor de Sociologia e Filosofia na ESPM de São Paulo, citando o autor alemão Walter Benjamin.
“A história é sempre narrada pelos vencedores, ou seja, aqueles que conquistaram, venceram, derrotaram outros povos e outras etnias”, explica. “No caso da Inglaterra, o que ocorreu foi uma tentativa de destruir um símbolo, um monumento que revela, na verdade, a barbárie, a escravidão, o racismo”.
Além do monumento a Colston, a estátua de Winston Churchill, cujas falas racistas estão sendo questionadas hoje em dia, foi vandalizada e nos Estados Unidos, a estátua do líder dos Confederados, Robert E. Lee, vai ser removida.
Para a historiadora Caroline Silveira Bauer, professora de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora do Laboratório de Usos Políticos do Passado, essas estátuas e monumentos perpetuam uma determinada memória sobre o passado.
“Nós temos que nos perguntar frequentemente se essas homenagens ainda são válidas, ou não, e o que significa essa homenagem dentro de uma sociedade, se ela de certa forma não é um silenciamento, uma opressão ou desrespeito em relação à memória de outras pessoas”, explica.
Reavaliação da memória e do espaço público
Para o dois especialistas, a derrubada de símbolos racistas e opressores não pode ser interpretada como um revisionismo histórico, mas pode ser visto como uma reinterpretação da memória e da história de um povo, que até então não ganhou espaço para contar a História do seu ponto de vista.
“O que está acontecendo é uma batalha pública de memórias e há um processo de ressignificação do passado feito no espaço público”, diz Caroline Bauer.
“A gente pode tentar entender com certa normalidade os processos de reavaliação a respeito do patrimônio cultural a sociedade e das homenagens que foram prestadas no passado em relação a certas pessoas, acontecimentos, eventos, datas que cristalizaram certas memórias que, atualmente, não tenham esse mesmo sentido e sejam ofensivas ou opressoras para determinados setores da sociedade”, conclui.
Formas de remoção de estátuas
Depois da derrubada da estátua de Colston, a cidade de Londres decidiu que vai retirar todos os monumentos que tenham ligação com escravidão e que homenageiem mercadores de escravos.
Segundo o professor Paulo Ramirez, existem duas formas do governo retirar estátuas de locais públicos: a primeira é ouvindo a população e reavaliando a necessidade e importância daquela figura no momento atual e a segunda através de vias democráticas e jurídicas.
“É uma via muito mais lenta, muitas vezes negligenciada já que os governos evidentemente tem outras obrigações além da manutenção de símbolos e monumentos”, explica.
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