EUA alertam para risco de guerra civil entre Talibã e rivais armados
Extremistas disseram, neste domingo (5), terem conseguido ganhar terreno no Vale do Panshir, onde vive resistência ao regime
Internacional|Da AFP
O Talibã disse, neste domingo (5), que ganhou terreno no Vale Panshir, o último grande reduto da resistência armada ao novo governo do Afeganistão, onde, segundo os Estados Unidos, uma guerra civil pode estourar.
Desde que as tropas americanas deixaram o país em 30 de agosto, as forças do movimento islâmico lançaram várias ofensivas contra este vale, localizado a cerca de 80 km ao norte de Cabul e de difícil acesso.
O Vale Panshir é um antigo reduto anti-Talibã, que se tornou conhecido pelo lendário comandante Ahmed Shah Masud no final dos anos 1990, antes de ser assassinado pela Al Qaeda em 2001. Hoje, é o lar da FNR (Frente de Resistência Nacional).
Liderado por Ahmad Masud, filho de Masud, a FNR é composta por milícias locais e ex-membros das forças de segurança afegãs, que chegaram ao vale quando o resto do país caiu nas mãos dos extremistas islâmicos.
Segundo a ONG italiana Emergency, presente em Panshir, as forças talibãs chegaram a Anabah na noite de sexta-feira, uma cidade localizada a cerca de 25 km até o interior do vale, que tem 115 km de extensão.
"Muitas pessoas fugiram das aldeias da área nos últimos dias", acrescentou a ONG em um comunicado, no qual afirmou que tratou "um pequeno número de feridos no centro cirúrgico de Anabah".
Por sua vez, um oficial do Talibã disse no Twitter que várias partes do Panshir já estavam nas mãos do regime, enquanto Ali Maisam Nazary, porta-voz da FNR, garantiu no Facebook que a resistência "nunca falharia".
"Reconstrução da Al Qaeda"
Algumas declarações que contrastam com as do ex-vice-presidente Amrullah Saleh, mais sombrias, que disse do Panshir que uma "crise humanitária em grande escala" estava ocorrendo com milhares de deslocados após "um ataque do Talibã".
As comunicações com o Vale Panshir são muito complicadas e a AFP não pôde confirmar esta informação ou o avanço real do Talibã na área com nenhuma fonte independente.
Diante desta situação caótica, o Chefe do Estado-Maior do Exército dos Estados Unidos, general Mark Milley, considerou que "as condições de uma guerra civil" eram "suscetíveis de se encontrarem" no Afeganistão.
"Eu acho que, pelo menos, há uma probabilidade muito forte de uma guerra civil", que poderia levar "a uma reconstrução da Al Qaeda ou ao reforço do ISIS [o grupo do Estado Islâmico] ou de outros grupos terroristas", enfatizou ele em um entrevista com a rede americana Fox News no sábado.
No plano político, a composição do novo Executivo do Talibã, que deveria ser apresentada em princípio na sexta-feira, continua sendo esperada para este domingo.
Enquanto isso, a comunidade internacional avisou que julgaria o movimento islâmico por suas ações, que voltou ao poder 20 anos depois de ser derrubado por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos.
O movimento fundado por Mullah Omar prometeu, desde que assumiu o poder em 15 de agosto, que lançaria um governo "inclusivo" e prometeu respeitar os direitos das mulheres, extintos durante seu último mandato (1996-2001).
São promessas que, para muitos, são difíceis de acreditar. No sábado, pelo segundo dia consecutivo, dezenas de mulheres se manifestaram em Cabul para exigir que seus direitos sejam respeitados e para poder participar do futuro Executivo.
"Um país sem artistas"
No campo humanitário, embora a situação continue muito crítica, o céu estava começando a clarear.
O Qatar anunciou que enviou 15 toneladas de ajuda humanitária de todo o mundo para o Afeganistão no sábado e indicou que, "nos próximos dias", os voos deste tipo vão se multiplicar.
A ONU (Organização das Nações Unidas), que nesta semana alertou que poderia haver uma "catástrofe humanitária iminente" no país, realizará uma reunião em 13 de setembro para aumentar a ajuda ao Afeganistão.
Quase três semanas se passaram desde que o Talibã assumiu o controle do país, e a mudança diplomática já começou. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, visitará o Qatar de segunda a quarta-feira, país que tem estado no centro do diálogo com o novo governo afegão.
O chefe da inteligência militar do Paquistão, Faiz Hameed, foi visto em Cabul no sábado, onde provavelmente teve que se encontrar com autoridades do Talibã, com quem Islamabad, capital paquistanesa, mantém relações estreitas.
E a mais de 5.000 quilômetros de Cabul, a crise afegã atingiu o Festival de Cinema de Veneza no sábado, onde dois cineastas afegãos denunciaram que a chegada do Talibã ao poder mergulharia o mundo das artes em uma situação dramática.
“Imagine, um país sem artistas!”, avisou Sahraa Karimi, um diretor de 38 anos que ganhou prêmios em vários festivais.