EUA: derivado de ópio e mistura de drogas puxam recorde de overdoses
Consumo de fentanil, usado em cirurgias, causou pelo menos 29 mil mortes em 2017. Redes de notícias falam em epidemia das drogas
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
O relatório divulgado pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, na sigla em inglês) na última semana revela uma emergência na saúde pública americana: das mais de 72 mil mortes causadas por overdose no país em 2017, 49 mil foram ocasionadas por opiáceos — susbtâncias que atuam como sedativos de forma semelhante ao ópio.
Entre essas, 59,1% (ou 29 mil mortes) se deram pelo consumo de fentanil — opiáceo usado contra a dor que também é ministrado com outros medicamentos para a anestesia.
Dados do próprio CDC e do NIDA (Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas, na sigla em inglês) revelam que, em 1999, os Estados Unidos haviam registrado 730 mortes por fentanil e seus derivados.
Leia também
"Esse número aumentou quase quarenta vezes até 2017. Tal crescimento no período de menos de uma geração é verdadeiramente surpreendente e não encontra precedentes na história dos Estados Unidos”, reforça Erich Goode, sociólogo americano especialista em comportamento coletivo e autor do livro "As Drogas na Sociedade Americana" — que terá sua 11ª edição publicada no próximo ano.
Em entrevista ao R7, Goode alerta ainda para o risco oferecido pela mistura de drogas, que também contribui para o crescimento desenfreado das mortes por overdose no país.
"Segundo os relatórios do NIDA, as overdoses relacionadas à cocaína aumentaram cerca de 1,6 vezes entre 2010 e 2016. O aumento de overdoses ligadas ao consumo exclusivo da cocaína, entretanto, foi de apenas 9%; todo o restante dos usuários consumiu cocaína em conjunto com um ou mais tipos de narcóticos", diz.
Dos hospitais para as ruas
O fentanil e outros opiáceos são medicações usadas em cirurgias ou em situações de dor aguda.
"São analgésicos poderosos cuja utilização requer estrutura e acompanhamento médico. Nas últimas décadas, passaram a ser prescritos de forma desenfreada e se tornaram objeto de vício. Hoje, são vendidas no mercado ilícito", diz Ronaldo Laranjeira, professor titular no Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Por serem sintéticos — feitos em laboratório —, sua absorção pelo organismo se dá de forma rápida.
"Em excesso, essa absorção veloz causa uma parada cardíaca, que leva à overdose."
“Existe um dos derivados de fentanil que é vendido na forma de adesivo. As pessoas usam e, quando uma overdose é reportada aos serviços de emergência, os socorristas sequer podem encostar no paciente sem luvas, ou correm o risco de sentir os efeitos da droga”, relata.
Rotas da droga e conscientização nas comunidades
Redes de notícias internacionais de renome, como CNN e The Guardian, já falam em uma "epidemia das drogas" que, em um único ano, fizeram mais vítimas que a Aids, a violência pelas armas de fogo e os acidentes de carro. Foram quase 200 pessoas morrendo de overdose por dia nos Estados Unidos ao longo de 2017.
Para Ronaldo Laranjeira, da Unifesp, não existe solução para a epidemia no curto prazo.
"Uma saída convencional seria tentar diminuir a oferta de opiáceos, verificando quais são suas rotas de distribuição. Mas isso não se faz do dia para noite", afirma.
O sociólogo Erich Goode também acredita que o quadro não muda em pouco tempo. "Uma saída eficiente seria a conscientização sobre o uso de drogas nas comunidades, mas essa não parece ser uma prioridade do governo de Donald Trump."
Outra possibilidade para diminuir as mortes por overdose é o uso de uma espécie de antídoto de opioides, a naloxona.
"O que tem se feito de imediato para essas pessoas pararem de morrer é o uso da naloxona, que é aplicada em forma de injeção por familiares de usuários das drogas ou mesmo socorristas em situações de emergência", explica Laranjeira. "Mas isso só começou a ser feito depois que milhares de pessoas morreram. E ainda assim, esse medicamento tem de ser ministrado nos primeiros minutos da parada respiratória."