EUA x China: Tensão aumenta, mas pandemia e eleição adiam confronto
Avanço tecnológico e militar chinês assusta os poderosos norte-americanos, mas possibilidade de uma guerra, ainda que fria, é apenas ameaça distante
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
Trocas de farpas constantes, ataques racistas e culpabilização de outro país por uma pandemia, sanções econômicas fortes e falta de diplomacia são a receita perfeita para uma possível nova Guerra Fria entre Estados Unidos e China.
Depois de uma guerra comercial que durou 2 anos e os constantes ataques vindos de Donald Trump desde que ele assumiu a presidência, em 2017, a China acusou o país de estar tentando provocar um conflito entre os dois países.
A grande dúvida é se esse conflito seria armado ou no mesmo formato que a Guerra Fria disputada entre EUA e União Soviética, em 1947, em que não houve um confronto direto, mas os países competiam entre si no campo econômico e tecnológico, além de financiarem guerras e guerrilhas em diversos países.
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Segundo o professor de Relações Internacionais, especialista em China e ex-embaixador brasileiro no país asiático, Fausto Godoy, os Estados Unidos se sentem ameaçados pelo desenvolvimento e crescimento econômico da China.
Para ele, o avanço chinês e domínio na área da tecnologia é o que assusta os americanos, já que a China de hoje não é a mesma do século passado, que se sustentava com exportação de produtos baratos e enfrentava a pobreza e a miséria, e agora está conquistando o espaço e o mercado que foi deixado de lado pelos Estados Unidos quando Trump começou a valorizar e focar na economia interna.
“A China assusta. A China de hoje não é uma China miserável”, explica. “Isso é uma guerra tecnológica travestida de guerra comercial."
Pandemia, eleições e poderio militar entram na conta
Para ele, um conflito armado e uma nova Guerra Fria não são viáveis e não há a menor chance de que os países apostariam em um confronto direto agora, tanto pela questão da pandemia do novo coronavírus quanto pela proximidade das eleições nos EUA, nas quais Donald Trump busca uma reeleição.
Já o professor de Relações Internacionais da ESPM e economista Leonardo Trevisan diz que sempre existe a possibilidade de um conflito armado entre as duas potências ou então um esfriamento de relações no mesmo formato que a Guerra Fria.
“A China é uma potência militar em ascensão”, diz o professor, que destaca que o país agora tem controle do Mar do Sul, uma região antes sob domínio norte-americano. “Esse é um controle preocupante."
Para Trevisan, a tensão entre os dois países começou a aumentar com a posse de Donald Trump, em 2017, que tem um discurso mais duro e uma retórica mais agressiva que os democratas, e que há dois anos os problemas vêm se empilhando, como uma guerra comercial, a administração do yuan, gerando uma guerra financeira, e uma guerra tecnológica, já que a China se tornou a referência no mundo e é o único país a ter 5G.
O fator Hong Kong
Além das guerras diplomáticas travadas, os Estados Unidos e a China também se desentendem quanto a Hong Kong.
Desde 2019, a região autônoma de Hong Kong entrou no noticiário internacional por causa dos protestos contra o governo chinês, pedindo maior autonomia e democracia. Os protestos foram majoritariamente liderados por jovens, que se reuniam semanalmente em marchas gigantescas pela cidade, que por vezes foram marcadas pela violência policial e vandalismo.
Antes uma província britânica, Hong Kong foi devolvida à China em 1998 e funciona desde então com a política de "um país, dois sistemas", o que permite que Hong Kong tenha uma espécie de autonomia econômica e legislativa com relação à China e possa negociar com outros parceiros comerciais sem estar diretamente ligado ao governo chinês.
Porém, essa autonomia caiu na quarta-feira (27), quando os Estados Unidos anunciaram que não reconhecem mais o “alto grau” de liberdade que a região tinha antes.
O professor Fausto Godoy explica que Hong Kong era “uma desculpa da China para uma abertura para o mundo”. Segundo o professor, o governo chinês criou na região as 32 zonas econômicas, que permitiam que estrangeiros usassem o espaço físico e mão de obra chinesa para fabricar seus produtos, que seriam vendidos depois pela Inglaterra, dona da região. Com isso, a China se beneficiava com transferência de tecnologia até conseguir se firmar como uma referência mundial.
Com a transformação da China em um dos principais exportadores de tecnologia no mundo, Hong Kong perdeu seu propósito, diz o especialista, que ressalta que a autonomia e “liberdade” de Hong Kong só dura até 2049, quando a região será incorporada ao território chinês e fará parte da China.
Os Estados Unidos também tinham negócios com Hong Kong e a decisão de não reconhecer mais a autonomia da região foi vista como uma espécie de interferência, já que a China diz que o assunto é interno, diz Trevisan, que ressalta que as atitudes dos dois países já eram esperadas.
Nova Guerra Fria?
Por hora, nenhum dos dois países ameaçou diretamente o outro ou anunciou planos de um ataque iminente. Esse cenário extremo é o mais improvável, segundo Godoy, que acredita que, caso haja alguma forma de conflito, “a China vai comprar a briga da maneira dela e vai revidar da maneira que ela acha conveniente”.
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Para Trevisan, a possibilidade de uma guerra agora “é um passo perigoso demais”, ainda mais levando em conta que os Estados Unidos tem o exército mais poderoso do mundo e um batalhão e porta-aviões no Mar do Sul da China.
“Não há dúvidas que os EUA tem uma força militar muito maior que a China. A China tem aliados na Ásia e acordos com a Rússia, que tem força militar e armamento nuclear, mas nas vésperas de uma eleição isso não aconteceria”, diz.
Caso um confronto estourasse na Ásia, os EUA teriam a ajuda dos dois maiores PIB’s asiáticos, o Japão e a Coreia do Sul, enquanto a China teria ajuda do restante da Ásia e, possivelmente, até da Austrália.
“Os aliados da China são mais numerosos, mas em questão de força, de qualidade, os Estados Unidos estão à frente”, conclui.