Europa quer se voltar para a África, mas barra imigração
O destino do continente africano e boa parte das situações que o mais de 1,2 bilhão de pessoas que ali vivem foram determinados por líderes europeus
Internacional|Beatriz Sanz, do R7
A Europa e a África têm um relacionamento que já dura séculos. Historicamente determinada pela escravização e a colonização, no século XXI esta relação ganha dois novos ingredientes: a migração de africanos para o continente europeu e a chegada de uma nova potência na geopolítica africana, a China.
A África tem entrado cada vez mais e com mais força no radar da comunidade internacional. Em parte, isso se deve ao potencial de crescimento e desenvolvimento que o continente tem.
Diante do avanço chinês sobre o continente, com investimento pesado na casa das centenas de bilhões de dólares, a Europa acaba precisando rever sua estratégia de presença na África, até agora garantida pelo passado colonial.
Para a cientista política sul-africana e professora visitante da USP, Amy Nyang, os interesses vão além. “A Europa quer o que todo mundo quer na África: seus enormes recursos de cobre, madeira, diamante, ouro, gás, petróleo, minério de ferro, urânio, etc.”, afirma.
Apenas na África do Sul, o país mais desenvolvido do continente, os principais itens exportados em 2016 foram ouro, petróleo cru e derivados de petróleo, segundo informações do Observatório de Complexidade Ecônomica do MIT.
“De certa forma, a Europa está buscando ‘voltar’ a um continente que havia abandonado e tratado como um local de extração de recursos naturais em troca de pouco investimento e ajuda que só geram dependência e nunca significaram ‘desenvolver’ a África”, critica a professora.
Mas este retorno é feito enquanto partidos e governos de ultradireita e ultranacionalistas espalham pela Europa discursos xenófobos que atingem diretamente a relação dos dois continentes.
Ou seja: se de um lado os europeus olham para a África querendo "modernizar" suas relações políticas e econômicas, de outro lidam com a necessidade de limitar a presença de imigrantes e refugiados, que fogem dos conflitos africanos, em meio a discussões tensas dentro da própria União Europeia sobre este tema.
Contexto histórico
O destino do continente africano e boa parte das situações que as mais de 1,2 bilhão de pessoas que ali vivem foram determinados por líderes europeus durante a Conferência de Berlim que aconteceu entre 1884 e 1885. Foi ali, que durante três meses, 14 chefes de Estado europeus conversaram sobre como aconteceria a colonização africana.
Dessa reunião, saíram dois grandes vencedores: a França e o Reino Unido, que levaram para casa boa parte do continente.
A forma como a divisão da África aconteceu explica muito sobre as relações comerciais, econômicas e humanitárias com a Europa, que têm uma natureza “desigual e neocolonial”, como explica Nyang.
Mas as relações entre os dois continentes são mais antigas, como explica o professor de Relações Internacionais da ESPM, Demetrius Cesário.
“A Roma Antiga já tinha uma rivalidade muito grande com a cidade de Cartago, localizada onde atualmente é a cidade de Tunis, na Tunísia”, explica.
O vínculo entre os dois continentes, colonizador e colonizado, segue entre os séculos. Oficialmente, a Europa nunca assumiu nenhum tipo de responsabilidade pela desigualdade no continente africano causada pela exploração e pela escravização de parte da população.
Apesar disso, os dois continentes continuaram ligados, especialmente por conta da aproximação geográfica.
Colônias e Metrópoles
Por conta da colonização, boa parte das nações africanas encontram em sua antiga metrópole o maior parceiro comercial.
Essa relação se mantém também por conta de fenômenos culturais, como a língua, por exemplo.
Segundo Cesário, essa postura é mais comum entre os países que foram colonizados pela França, que somam 17 no total.
“A França é quem mais incentiva essas relações, porque além de ter sido uma grande metrópole, ela divide a região do mediterrâneo com os países africanos”, conta.
Neste mês, o presidente da França, Emmanuel Macron afirmou que a África é a principal parceira de seu país.
A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, por sua vez, fez uma tour por diversos países do continente para garantir acordos no pós-Brexit. May até mesmo se mostrou a favor da proposta de reforma agrária da África do Sul.
Já a Alemanha garantiu “total apoio” à região do lago do Chade, que sofre com os constantes ataques do grupo extremista Boko Haram.
Migração e geopolítica
Cesário conta que a União Europeia inclusive mantém uma política que garante ajuda para a região do norte da África banhada pelo Mar Mediterrâneo.
A região do Mediterrâneo é chave para as questões migratórias que pressionam diversos países europeus.
Antes da Primavera Árabe, a Europa mantinha acordos com o ditador da Líbia, Zine El Abidine Ben Ali para evitar que os imigrantes chegassem até a Europa.
Quando o regime de Ben Ali caiu, os europeus não tinham mais como controlar o fluxo de pessoas e teve início um dos maiores movimentos migratórios da história.
Agora, com governos de extrema direita se proliferando pela Europa e o crescimento do discurso anti-imigração, a UE volta a oferecer ajuda financeira para que os países da costa do mediterrâneo, para tentar conter os imigrantes.