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Ex-guerrilheiro das Farc: 'Na prática, o acordo de paz não se cumpre'

Leo esteve na guerrilha por 20 anos na Colômbia. Em entrevista ao R7, ele fala sobre as dificuldades do processo de reincorporação à sociedade

Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7

Ex-guerrilheiro Leo hoje é militante do partido das Farc
Ex-guerrilheiro Leo hoje é militante do partido das Farc

Quando Illich Leonardo Rojas, o Leo, voltou a Bogotá, capital da Colômbia, aos 45 anos, ele encontrou uma cidade modificada. Ficara quase 20 anos em regiões remotas e rurais, lutando pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Ao regressar na época do acordo de paz entre a milícia e o governo, em 2016, tornou-se um dos muitos ex-combatentes em processo de reincorporação na sociedade.

Hoje atuando no setor artístico, ele é investigador social, membro de cooperativas e do partido político das Farc. Com bagagem cultural, ele tenta colocar em prática, agora sem as armas, seus conhecimentos adquiridos na Universidad Pedagogica de Colombia, onde se tornou mestre em Sociologia.

Mesmo assim, conforme ele conta em entrevista ao R7, a readaptação está sendo difícil, com poucos recursos recebidos pelo governo, habitações precárias, e uma ínfima assistência em relação à saúde e educação.

Além disso, ele considera que a desconfiança de grande parte da sociedade em relação aos ex-guerrilheiros é algo que tem pesado contra eles.


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O novo presidente Iván Duque promete rever partes do acordo, assinado duas vezes, uma em setembro de 2016 e outra em novembro, após um plebiscito ter rejeitado o primeiro.

Neste cenário, ele admite a possibilidade de ex-combatentes voltarem às milícias, impelidos por algo que já vinha ocorrendo no acordo e que pode ainda se acirrar: o não cumprimento, segundo ele, do que foi combinado.


Confira a entrevista.

Quais têm sido suas atividades desde que você voltou a Bogotá, após o acordo?


Sou pintor e toco alguns instrumentos, me associei à cooperativa de artistas das Farc, a Coomunarte, também faço parte da fundação de ex-combatentes e do partido. Vivo com minha atual companheira e tenho uma filha, de 18 anos. Sobrevivo fazendo tatuagens na minha casa, não tenho dinheiro para manter um local fora. Tento recursos para sobreviver. Aquilo que chega pelo acordo é menos de um salário mínimo e não permite que tenho gastos com estudos, universidade, não há recursos suficientes com o que o acordo dá aos ex-combatentes.

Qual a sua opinião sobre o acordo entre as Farc e o governo?

Foi um bom acordo, todas as partes aceitaram. Queríamos muito mais, mas uma negociação não se impõe. Creio que se abriram muitas portas interessantes de discussão, não somente para as Farc, mas para o país em geral. O acordo responde muito pouco aos interesses dos ex-combatentes. Atende mais algumas necessidades estruturais do povo colombiano, pelas quais entramos na guerra durante todos esses anos.

Como tem sido a readaptação dos ex-combatentes, de uma maneira geral?

A reincorporação, como se diz, é muito difícil para os companheiros. Quase não há capacitação, pelo não cumprimento do governo. As habitações construídas são muito deficientes, os serviços públicos são bastante precários, há dificuldade de acesso a água e energia, saúde e educação. Decidimos ficar nas cidades e não chega a remessa para a alimentação, transporte, moradia. O fator econômico tem sido muito complexo para a reincorporação.

'Somos vistos como os vilões%2C os terroristas%2C os criminosos. Temos sentido o peso da discriminação'

(Leo, ex-guerrilheiro das Farc)

E como vocês têm sido vistos pela sociedade, de uma maneira geral?

Essa é uma segunda dificuldade: fator econômico tem sido muito complexo para a reincorporação. Como nos filmes, nós somos os vilões, os terroristas, os narcotraficantes, os criminosos. A gente tem sentido o peso da discriminação.

Isso mostra que o acordo não conseguiu ainda estabelecer uma conciliação no país. Por quê?

O acordo foi uma coisa, a implementação, outra. O povo colombiano viu um espetáculo, mas na prática não se está cumprindo com os itens justiça, verdade, reparação e não repetição. Há forças interessadas na continuidade da guerra. Ela serviu para a direita acumular terras, mover grandes quantidades de recursos. Foram beneficiados com muito dinheiro.

'Mudar acordo de paz pode levar jovens de volta às armas', diz ex-guerrilheiro
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Como o novo governo, de Iván Duque, pode modificar o acordo?

O novo governo tem manejado para mudar completamente a Justiça para que nós sejamos levados para cadeia. Isso já ocorreu com o camarada Santrich (Jesús), que está perto de ser extraditado para os EUA. A qualquer momento podem inventar um processo para nos mandar para a prisão ou pedir a extradição.

O que pode ocorrer a partir de modificações no acordo?

O acordo já é um Frankenstein, já não é o que se firmou em Havana e no teatro Colón de Bogotá. As mudanças e outras que estão por vir vão sugerir para muitos jovens de nosso grupo que houve uma traição e eles vão optar pela possibilidade de se reincorporarem a milícias. Alguns estão voltando para grupos dissidentes, outros estão sendo cooptados por narcotraficantes, grupos de mafiosos e outros são obrigados a sobreviver com pouco no dia a dia. Mas o acordo não está sendo cumprido e isso é muito grave, porque não se poderá conhecer a verdadeira guerra na Colômbia. Um setor de direita está garantindo a impunidade de outros grupos participantes.

Como foi retornar para a cidade grande, Bogotá, após quase 20 anos?

Estou reaprendendo, há uma nova dinâmica política e econômica, novos comportamentos da juventude urbana. Em outras cidades, como Cucutá, Cali e Medellín, áreas antes ocupadas pelas Farc, hoje estão ocupadas por paramilitares que continuam cometendo crimes. Já morreram pelo menos 80 dos nossos ex-combatentes, desde o acordo.

Valeu a pena ter feito parte das Farc ou você se arrepende de algo?

Sim, valeu a pena. Foi a mais bonita e dura experiência que vivi. Como ser humano, sentia aquele vínculo, havia fraternidade, éramos uma força só, com a mesma ideologia e companheirismo. Mas estávamos em uma guerra. Não sei se dá para falar de arrependimento. Eram ações políticas e militares que desenvolvemos para trazer esperança para a Colômbia. É óbvio que, neste contexto, houve situações táticas em que morreram pessoas que não deveriam morrer, dos dois lados. Mas foi uma decisão que tomamos levados pela história, pelo ambiente, pelos crimes praticados por quem estava no poder.

"É duro saber que são os pobres que morrem no campo de batalha"

(Leo, ex-guerrilheiro das Farc)

E como você via os combatentes do outro lado?

Sabíamos que os soldados do outro lado eram também jovens, pobres, gente do povo que tinha as mesmas necessidades. Mas estavam no exército e nos viam como inimigos a serem exterminados de qualquer maneira. Isso é duro. Saber que são os pobres que morrem no campo de batalha.

Como você vê hoje a luta armada?

Mudou muito a situação. Na época, foi uma opção. Isso ocorre quando os povos oprimidos não veem outra chance para sobreviver. Foi por isso que fui para a guerra. Agora, na Colômbia, a possibilidade de luta armada se esgotou, nesse momento pelo menos. Foi uma etapa da história.

'Com o acordo%2C vimos uma outra possibilidade de atingir os objetivos sociais'

(Leo, ex-guerrilheiro das Farc)

Como você via o valor da vida humana nos tempos da guerrilha e como você vê agora?

A vida humana vale hoje e sempre. É por ela que se luta por transformações estruturais de um país e por todas as vidas. Se alguém faz uma guerra apenas pela guerra, por fazer dano e por matar é literalmente um psicopata, no nosso caso é totalmente distinto. Agora, com o acordo, vimos uma outra possibilidade de atingir os objetivos sociais.

Quais as suas expectativas em relação ao futuro da Colômbia?

Primeiro, precisamos consolidar o processo de paz e, como membro do partido, quero ter oportunidade de fazer política sem que nos assassinem por isso.

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