Fase diplomática de Kim Jong-un é surpresa após anos de isolamento
Para especialistas, sanções internacionais contribuíram para guinada de líder norte-coreano. Resultados de conversas devem aparecer no longo prazo
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Um ano atrás, ninguém imaginaria: às vésperas de encontrar Donald Trump, o líder norte-coreano Kim Jong-un anunciou que deve receber o presidente sírio Bashar al-Assad em Pyongyang, além de visitar a Rússia em breve. Tudo isso depois de já ter se reunido mais de uma vez com Moon Jae-in, da Coreia do Sul, e Xi Jinping, da China.
Para Alexandre Uehara, doutor em Ásia e diretor acadêmico das Faculdades Integradas Rio Branco, de São Paulo, as investidas diplomáticas de Kim Jong-un são consequência, em primeiro lugar, das sanções comerciais recentemente impostas pelos Estados Unidos e pela China.
"Foram medidas que afetaram muito a economia norte-coreana, o país não tinha mais condições de se manter como estava. Além disso, do ponto de vista político-estratégico, Kim Jong-un já atingiu o objetivo de desenvolver mísseis e tornar a Coreia do Norte uma potência nuclear", comenta Uehara.
A pesquisadora americana Kathryn Weathersby, que leciona no Departamento de Política da Universidade de Sungshin, na Coreia do Sul, reforça o coro: "Com o programa nuclear e de mísseis balísticos completo, ele pode negociar com EUA e outras nações a partir de uma posição de força."
Na opinião dos especialistas ouvidos pelo R7, a expectativa é de que Kim Jong-un leve adiante as conversas com diferentes líderes se quiser, de fato, que a Coreia do Norte tenha maior participação na economia e política mundial.
"O país precisa de ajuda, tanto em termos de alimentos como energia. É importante retomar o diálogo com a comunidade internacional como um todo — não só com os Estados Unidos — para que se conheça a Coreia do Norte e haja uma relação de confiança. Quanto mais Kim Jong-un estabelecer compromissos, mais difícil fica para que o país se isole ou seja isolado pelo resto do mundo", explica Uehara.
Visita de Assad
Foi no dia 3 de junho que a mídia norte-coreana deu a notícia de que o presidente da Síria, Bashar al-Assad, deve "viajar à República Popular Democrática da Coreia e conhecer Sua Excelência Kim Jong-un".
Assad deve se tornar o primeiro chefe de Estado a visitar o país desde que Kim Jong-un ascendeu ao poder, em 2011. As duas nações têm sido aliadas por décadas e Washington já chegou a acusar o regime norte-coreano de ajudar a Síria com seu programa de armas.
"A relação dos dois países vem de décadas. Quando a União Soviética ainda existia, a Coreia do Norte foi autorizada a vender armas de guerra para que o país pudesse ganhar algum dinheiro. Uma das nações que compraram foi a Síria", pondera Kathryn Weathersby.
A data do encontro ainda não foi divulgada, mas o presidente sírio já elogiou "o excelente calibre político e liderança sábia de Sua Excelência Kim Jong-un", completando que tem certeza que "ele alcançará a vitória final e realizará a reunificação da Coreia sem falhar".
A pesquisadora americana só evita arriscar um palpite sobre o que deve entrar em pauta nas conversas. "Seria um encontro viável porque os dois países são alvos de restrições da ONU (Organização das Nações Unidas) e têm poucas oportunidades de negócios internacionalmente, mas entre si não encontram restrições. Eu apenas não sei de que forma a Síria se beneficiaria neste momento. Conseguindo mais armas, talvez", ressalta.
Kim Jong-un na Rússia
Na última semana, também o Kremlin anunciou um convite para que Kim Jong-un participe de um fórum econômico que ocorre em setembro na cidade de Vladivostok, no extremo leste russo. Em maio, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, já havia visitado a Coreia do Norte.
O pesquisador Vicente Ferraro, do Laboratório de Estudos da Ásia do Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), explica que a antiga União Soviética — cuja dissolução culminou com a criação da Rússia — foi o principal parceiro econômico da Coreia do Norte no século 20 e ajudou na criação do programa nuclear norte-coreano entre as décadas de 50 e 70.
"Se Putin e Kim Jong-un se encontrarem, é possível que discutam questões protocolares e econômicas que já estão em pauta há muito tempo. Uma delas é a construção de uma extensão da ferrovia russa Transiberiana na península coreana até o porto de Rajin, na Coreia do Norte. Há grandes interesses econômicos envolvidos e, para a Rússia, é interessante a manutenção do regime de Kim Jong-un na região, evitando qualquer instabilidade nas fronteiras", detalha o pesquisador.
Próximos passos
Para o encontro com Trump em Cingapura, a promessa é de que seja debatida a famigerada desnuclerização da península — cuja concretização seria um importante passo para qualquer outra conversa envolvendo Kim Jong-un.
Os especialistas concluem que, embora a expectativa seja alta, o desfecho de tantas negociações só vai ser conhecido no longo prazo.
"É importante que haja canais de diálogo independentemente do que vai ser oferecido. A partir dessas conversas, é possível, sim, que pendências comecem a ser negociadas. Mas eu entendo que a velocidade com que essas aproximações vêm acontecendo — especialmente entre EUA e Coreia do Norte — não significa que teremos resultados rápidos e imediatos. São aproximações positivas, mas décadas de tensões não vão ser resolvidas em poucas semanas. O importante é a paciência da negociação diplomática. Kim Jong-un já sabe que não basta simplesmente chegar à mesa dizendo que tem armas nucleares para conseguir o que quer", finaliza Alexandre Uehara.