Finlândia: os dois lados de viver no país mais feliz do mundo
Duas brasileiras relatam as alegrias e as tristezas de uma vida na nação onde segurança e bem-estar fazem parte do dia a dia
Internacional|Sofia Pilagallo, do R7*
Felicidade é um conceito relativo. O que é bom para um pode não ser bom para o outro — até mesmo na Finlândia, considerado o país mais feliz do mundo pelo quarto ano consecutivo, segundo uma pesquisa da Gallup em parceria com a ONU (Organização das Nações Unidas), divulgada no último dia 19.
O estudo leva em conta diversos fatores, como renda per capita, expectativa de vida, a existência de uma rede de apoio diante de adversidades, a confiança no governo e nas organizações, a liberdade de escolha, a generosidade, e, claro, a avaliação subjetiva da própria felicidade.
Em termos de qualidade de vida, a Finlândia, de fato, não deixa nada a desejar. De acordo com a ONU, em 2019, o país apresentava um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,938, ocupando a 11ª posição no ranking mundial. O índice avalia aspectos como renda per capita, saúde e educação.
Como se já não bastasse, a Finlândia é ainda um dos países mais seguros do mundo. Dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apontam que 85% dos finlandeses se sentem seguros andando sozinhos na rua à noite, percentual acima da média da OCDE, de 68%.
Faz parte dessa estatística a paulistana Beatriz Fortes, 63 anos, que há seis anos decidiu se mudar para Karjaa, a cerca de 100 quilômetros de Helsinque, capital da Finlândia, após conhecer o marido em uma rede social. Para ela, o alto índice de segurança no país é um dos principais aspectos que contribuem para a sua felicidade e bem-estar atualmente.
"Em todo lugar há pessoas infelizes, mas posso afirmar que eu, assim como a maioria dos finlandeses, tenho uma paz impressionante aqui. Se você quiser sair à meia noite e levar o seu notebook para trabalhar na praça, você pode ir seguro de que nada te acontecerá. Essa tranquilidade já é uma forma de felicidade", afirma.
"A principal diferença que enxergo entre a Finlândia e o Brasil é que aqui as pessoas são bastante fechadas — mas isso não é problema. Depois que você faz amizade com os finlandeses, eles são totalmente leais a você. Não existe falsidade. Os meus amigos e os amigos do meu marido são todos artistas e pessoas muito sensíveis. Temos um relacionamento muito agradável com eles", completa.
Beatriz ressalta que existe uma diferença entre felicidade e alegria. Para ela, apesar de os brasileiros serem considerados um dos povos mais alegres do mundo, isso não quer dizer que sejam, necessariamente, felizes.
"É fato que os finlandeses têm uma situação financeira melhor do que a dos brasileiros. O pobre daqui tem uma vida muito mais digna do que o pobre daí. Aqui não existe favela. Nunca vi uma casa velha, caindo aos pedaços. Todos têm uma condição razoável de moradia. Quando a pessoa não tem muitos recursos, o governo ajuda — paga pelo menos um apartamento pequeno, que já vem com cozinha e banheiro montados", diz.
"A alegria é momentânea, a felicidade é constante. O brasileiro tem alegria em determinadas situações — no Carnaval, em festas, na cerveja após o trabalho —, mas é um sentimento que dura pouco. Felicidade é ter paz, tranquilidade e uma boa qualidade de vida", completa.
Enquanto a Finlândia seguiu liderando o ranking de felicidade global pelo quarto ano consecutivo, o Brasil caiu 12 posições na lista — do 29º para o 41º lugar. A avaliação do país é ainda pior no que se refere à gestão da pandemia. De acordo com um levantamento do instituto de pesquisa australiano Lowy, somos a nação que pior lidou com a crise sanitária, ocupando a 98ª posição.
A Finlândia, por sua vez, ficou em 17º lugar nesse ranking. O país de pouco mais de 5,5 milhões de habitantes registrou, até a manhã desta segunda-feira (29), 76.003 casos de covid-19 e 817 mortes em decorrência da doença. Por outro lado, 88.521 finlandeses já estão totalmente vacinados contra o patógeno.
Segundo a brasileira, o segredo de a Finlândia ter se mantido o país mais feliz do mundo mesmo durante a pandemia, é que, para eles, a vida em nada mudou. Beatriz não teve que sair para trabalhar — ela é professora de português para finlandeses que querem fazer intercâmbio no Brasil, algo que se tornou inviável durante a pandemia —, mas garante que as outras pessoas continuaram saindo para seus ofícios sem grandes problemas. Atividades de lazer e recreação também fizeram parte da rotina dos finlandeses durante todo esse tempo.
Este mês, no entanto, o governo da Finlândia anunciou medidas mais drásticas para conter o avanço da pandemia no país. No dia 8, a primeira-ministra Sanna Marin estabeleceu que escolas, restaurantes e bares seriam fechados, e na quarta-feira (24), decretou lockdown em algumas cidades.
"Durante esse ano em que pudemos viver sem restrições, saía normalmente para caminhar na floresta, tirar minhas fotografias, ir às lojas, ao mercado", afirma. "O governo fazia recomendações quanto às medidas sanitárias, mas não obrigava ninguém a nada. Felizmente, há uma consciência muito grande por parte da população. Viam-se pessoas sem máscara dentro dos estabelecimentos, mas a maioria delas usava."
Outro ponto de vista
A mineira Ingrid Almeida, de 34 anos, que há mais de uma década mora em Mikkeli, cidade na região de Savônia do Sul, tem uma opinião diferente sobre viver na Finlândia. Para ela, o resultado da pesquisa de felicidade global veio como uma surpresa, uma vez que, a seu ver, felicidade e satisfação são conceitos totalmente diferentes.
"Eu acho que as pessoas confundem muito uma coisa com a outra. Se você der uma rápida pesquisada, verá que na Finlândia e em alguns outros países nórdicos, consomem-se quantidades altíssimas de antidepressivos. É uma contradição muito grande dizer que aqui é o país mais feliz do mundo", diz.
"Aqui na Finlândia vive-se muitíssimo bem, sobretudo no quesito segurança, mas a população tem um conflito muito grande com a vida social. Os finlandeses são fechados e é difícil fazer amigos. Me sinto muito sozinha. Eu brinco que minha quarentena começou há 11 anos, então nem me abalei nesse sentido. O clima também influencia. Aqui é frio e escuro durante a maior parte do ano", completa.
Para Ingrid, felicidade é poder estar perto da família e das pessoas que se ama. Ela mora sozinha com os dois filhos pequenos, de 1 e 8 anos, mas sente muita falta dos pais e das irmãs. Até dezembro de 2019, quando visitou Belo Horizonte pela última vez, seu maior sonho era voltar para o Brasil. Hoje ela percebe, no entanto, que a melhor alternativa é permanecer na Finlândia e proporcionar assim, um futuro melhor para seus filhos.
"Eu vim para cá com 20 e poucos anos e tive oportunidades que no Brasil eu jamais teria. Meu sonho era cursar Letras, mas como não tinha condições, trabalhava na recepção de uma autoescola e aos finais de semana fazia bicos em um bar para poder juntar dinheiro para estudar", afirma.
"Um dia, em uma viagem ao Rio de Janeiro, conheci o pai do meu primeiro filho, que é finlandês. Ele me disse 'você está passando muito perrengue para poder estudar. Por que você não vai para a Finlândia? Lá o ensino é de graça'. Na hora, pensei 'essa é a minha chance' e fui", completa.
Uma vez na Finlândia, no entanto, Ingrid desistiu de cursar Letras. Como sua grande paixão era a literatura brasileira, ela percebeu que não fazia muito sentido levar o antigo sonho adiante e atualmente trabalha como enfermeira em um centro de recuperação para idosos.
Estabilizada no país e conformada de que não voltará um dia para sua terra natal, a brasileira então tomou, em dezembro do ano passado, um importante passo em sua vida: decorou seu apartamento, que até então contava com uma mobília simples, nas cores verde e amarelo. Apesar de saudosa, ela agora se sente pelo menos um pouco mais perto de casa.
*Estagiária do R7 sob supervisão de Pablo Marques