Governo britânico busca maneiras de seguir com expulsões de migrantes para Ruanda
Ministra afirmou que país é acolhedor mas está ameaçado por aqueles que chegam ilegalmente e pagando a traficantes
Internacional|Do R7
Enfurecido com o fato de que a Justiça europeia impediu no último minuto o primeiro voo para expulsar imigrantes para Ruanda, o governo britânico de Boris Johnson buscava nesta quarta-feira (15) uma maneira de contornar o inconveniente e continuar com seu polêmico projeto.
"Já começaram os preparativos" para organizar um próximo voo, disse aos deputados a ministra do Interior, Priti Patel, determinada a encontrar uma forma de implementar seu programa.
"Não aceitaremos que não temos o direito de controlar nossas fronteiras", afirmou, garantindo que o Reino Unido é "um país generoso, cuja capacidade de acolhida se vê ameaçada por aqueles que chegam ilegalmente e furam a fila porque têm recursos para pagar aos traficantes".
E, destacando que "a inação não é uma opção", mencionou a possibilidade de "reformar o sistema". Não deu detalhes a respeito disso.
Na sessão semanal de perguntas no Parlamento, Johnson se limitou a defender "as pessoas que estão aqui de forma segura e legal".
Ontem, porém, ele havia acusado os advogados de migrantes clandestinos de "instigar o trabalho dos grupos criminosos" de tráfico de pessoas.
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"Será necessário mudar algumas normas para nos ajudar a avançar? É muito possível que sim. Todas essas opções estão em constante revisão", acrescentou.
O programa eleitoral que em 2019 deu a Johnson o melhor resultado do Partido Conservador britânico em 40 anos incluiu o compromisso de "atualizar a Lei de Direitos Humanos e a lei administrativa para garantir que haja um equilíbrio adequado entre os direitos das pessoas, nossa segurança nacional e um governo eficaz".
E, nesta quarta, levantaram-se vozes pedindo a saída da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, em cuja elaboração, no início dos anos 1950, o avô materno de Johnson, James Fawcett, contribuiu. Totalmente independente da União Europeia, ela está gravada na legislação britânica desde 1998.
"Vamos nos retirar do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e pôr fim à sua intromissão na legislação britânica", tuitou a deputada conservadora Andrea Jenkyn.
Guinada dramática no último minuto
As travessias marítimas de migrantes para a Inglaterra com saída da costa francesa não param de aumentar: nesta terça (14), foram registradas 444, e já são mais de 10 mil desde o início do ano.
Buscando desestimulá-las, Patel anunciou em abril um acordo com Ruanda, país africano a 6.500 km de Londres, para que acolhesse migrantes e solicitantes de asilo que tivessem chegado ao Reino Unido de forma ilegal. O acordo prevê o pagamento de US$ 157 milhões (cerca de R$ 808 milhões) por parte do governo britânico.
As Nações Unidas, a Igreja Anglicana e as ONGs de defesa dos refugiados e dos direitos humanos denunciaram essa política como "ilegal" e "imoral", e várias associações tomaram medidas legais para impedi-la.
O primeiro voo, fretado junto à companhia espanhola Privilege Style, deveria partir na noite desta terça-feira.
Mais de 130 imigrantes – sírios, afegãos, albaneses e egípcios, entre outros – foram notificados de sua expulsão para um país com histórico preocupante em termos de direitos humanos, segundo a ONG Care4Calais.
Alguns deles apresentaram recursos judiciais individuais, auxiliados por associações e advogados que também tentaram um bloqueio legal ao programa como um todo.
De sexta a segunda-feira, vários juízes britânicos rejeitaram os argumentos gerais, dando razão ao plano do governo, mas aceitaram casos específicos, reduzindo gradualmente o número de passageiros para o primeiro voo, totalizando apenas sete na manhã desta terça.
Patel afirmou que, apesar de tudo, o avião, com um custo estimado pela imprensa em 250 mil libras (aproximadamente R$ 15,5 milhões) de dinheiro público, decolaria para estabelecer o "princípio" da política "dissuasiva".
Em uma reviravolta de última hora, porém, um dos sete imigrantes, procedente do Iraque, conseguiu que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, com sede em Estrasburgo, bloqueasse sua deportação temporariamente até que sua legalidade fosse totalmente analisada.
Isso causou uma inesperada aprovação em cadeia de congelamentos para os outros seis, e o voo acabou sendo cancelado após as 22h, no horário local (às 17h em Brasília), para raiva e humilhação de um governo britânico que desde o Brexit vem tentando distanciar-se da Justiça europeia a todo custo.
Um dos principais argumentos para a saída britânica da União Europeia, decidida em 2016, mas efetivada apenas a partir de janeiro de 2021, foi o controle migratório.
O plano de expulsar as pessoas sem documentos para Ruanda é muito popular entre grande parte dos eleitores conservadores de Johnson. Atormentado por múltiplos escândalos, esse último busca retomar sua popularidade e reconquistar o eleitorado, de olho nas eleições de 2024.