Harry e Meghan: casamento mostra Reino Unido aberto à diversidade
Especialistas explicam como imagem da família real se beneficia de matrimônio; transmissão de evento pela TV deve quebrar recordes
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
A duas semanas do casamento do príncipe Harry, da Inglaterra, com a atriz americana Meghan Markle, é difícil ver passar um dia sem que o matrimônio esteja nas manchetes mundo afora. De acordo com especialistas ouvidos pelo R7, a empolgação generalizada acontece porque a união representa um marco ímpar de modernização na família real britânica.
“É a união de um príncipe de uma linhagem muito tradicional com uma plebeia. E ela ainda é afrodescendente, ativista, divorciada, mais velha que ele. Isso tudo tem um apelo junto ao grande público e se torna um evento com uma conotação social e política muito forte — o Reino Unido acaba se colocando como uma nação composta de pessoas das mais variadas origens e aberta à diversidade”, afirma Renato Vieira, professor de História da Comunicação nas Faculdades Integradas Rio Branco e autor do livro God Save The Queen - O imaginário da realeza britânica na mídia.
Transmissão mundial
No dia 19 de maio, o tão esperado “sim” — que deve ocorrer no Castelo de Windsor, localizado a 36 km de Londres — será exibido ao vivo pelas redes de televisão internacionais. A expectativa é de que a transmissão quebre recordes. Em 2011, o casamento do príncipe William com Kate Middleton foi acompanhado por 2,5 bilhões de pessoas.
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“A princípio, eu diria que as pessoas estão tão interessadas porque a mídia fala só sobre isso o tempo todo. O gosto do público é, em certo ponto, determinado pelo que está em oferta. Por outro lado, a cobertura do casamento real é a garantia de muita audiência para um canal de TV, um jornal, um website”, comenta Gëzim Alpion, professor doutor no departamento de política social e sociologia da Universidade de Birmingham, da Inglaterra.
Alpion lembra que, historicamente, os eventos reais sempre receberam muita atenção da mídia — mas as coberturas ganharam novas dimensões especialmente a partir da coroação da Rainha Elizabeth II, em junho de 1953.
"A coroação foi televisionada e mudou a forma como a família real passou a se relacionar com os meios de comunicação. Àquela época, as pessoas estavam se perguntando porque a monarquia se colocava como algo tão distante da vida cotidiana. A realeza começou a dar seu melhor para se atualizar neste sentido e a transmissão pela televisão foi encarada como algo novo em eventos estritamente tradicionais de uma instituição tão conservadora."
O contexto histórico, de acordo com o professor, também fez diferença. Em 1953, os britânicos estavam em sua primeira década após o fim da 2º Guerra Mundial, terminada em 1945: “Precisávamos de uma válvula de escape — ‘vamos viver este mundo da família real nem que seja por alguns segundos’. Era necessário algo para unir a nação, trazer esperança, mostrar que tínhamos força para enfrentar os desafios. O que é, de certa forma, parecido com a situação que vivemos hoje, de transição com o Brexit”, comenta.
Unidade britânica
Estevão de Rezende Martins, especialista em história contemporânea e europeia da UnB (Universidade de Brasília), relembra a importância da família real para a estabilidade política no Reino Unido.
“A família real, encarnada na pessoa do soberano, é um símbolo da unidade e da continuidade da entidade política que é o Reino Unido. A rainha Elizabeth II reina sobre todos os britânicos mesmo quando as eleições colocam no poder um partido liberal ou um partido conservador — ela está acima disso, dos desentendimentos comuns da disputa política”, explica.
Desta forma, não é de se espantar que a instituição se beneficie da exibição massiva de eventos envolvendo seus principais membros.
“A cobertura midiática do casamento, que é muito espertamente administrada pelos próprios gestores da casa real britânica, tem um efeito publicitário que atinge a imaginação de muitas pessoas. Quando se cultua, respeita, elogia e admira a continuidade da família real — que parece dar a volta por cima mesmo que as situações sejam as mais complicadas do mundo —, a ideia transmitida é de que a Inglaterra dá sempre a volta por cima não importa que dificuldades ela possa atravessar”, ressalta Martins.
De qualquer forma, a atenção dada a Meghan Markle e sua chegada à família real não deixam de ser um divisor de águas, na opinião do professor da Universidade de Birmingham: “A cobertura a respeito de Markle mostra que a Inglaterra progrediu muito em termos de racismo. Ver alguém que se identifica como birracial — de mãe negra e pai branco — se juntando à família real é uma ótima notícia. Não é possível ignorar a importância simbólica deste casamento”, conclui Gëzim Alpion.