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Holocausto: desinformação marca data em memória das vítimas

Estudiosa aponta negacionismo e falhas no ensino para explicar a falta de conhecimento dos brasileiros sobre o extermínio de judeus

Internacional|Sofia Pilagallo*, do R7

Membros da campanha #WeRemember ("Nós Lembramos") em frente ao Parlamento da Alemanha
Membros da campanha #WeRemember ("Nós Lembramos") em frente ao Parlamento da Alemanha

A Assembleia-Geral da ONU designou o dia 27 de janeiro como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Nessa data, em 1945, ocorreu a libertação dos prisioneiros de Auschwitz, o maior e mais conhecido campo de extermínio nazista, localizado no sul da Polônia, pelo Exército soviético. Pelo local, passaram cerca de 1,3 milhão pessoas, das quais 700 mil foram exterminadas pelos nazistas, a grande maioria judeus. Quase oito décadas depois de tamanha tragédia que marcou a história do mundo, ainda há muitas pessoas que não sabem o que foi o Holocausto.

Segundo uma pesquisa encomendada pela Conferência sobre Reivindicações Materiais Judaicas contra a Alemanha (JCC, na sigla em inglês), divulgada em novembro do ano passado, mais da metade (56%) dos britânicos não tinha conhecimento de que mais de 6 milhões de judeus foram exterminados durante a Segunda Guerra Mundial. Pouco mais de 30% dos entrevistados também não conseguiram nomear nenhum campo de concentração. 

Na própria Alemanha, onde foram construídos 40 mil dos 42,5 mil campos de concentração existentes na Europa, 26% da população admite não ter conhecimento ou afirma saber pouco ou quase nada sobre o Holocausto, de acordo com um estudo encomendado pela empresa de mídia alemã ZDF (Zweites Deutsches Fernsehen). 

No Brasil, a realidade não é muito diferente. Uma pesquisa realizada pela Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês) e divulgada em novembro de 2019 revela que 22% dos brasileiros nunca tinham sequer ouvido falar sobre o Holocausto. Outros 15% acham que o número de judeus assassinados foi exagerado.


Vista aérea da entrada de Auschwitz
Vista aérea da entrada de Auschwitz

Para a coordenadora educacional do Memorial do Holocausto de São Paulo, Ilana Iglicky, a propaganda negacionista ou revisionista do Holocausto, que se propagou após a Segunda Guerra, é um dos fatores que contribuem para a desinformação sobre o genocídio histórico dos judeus.

"Um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la. Por isso temos um compromisso com a veracidade histórica. Não podemos deixar que negacionistas escrevam uma história que nunca existiu. Precisamos ensinar o que foi o Holocausto para que as próximas gerações rejeitem o antissemitismo e qualquer outro tipo de preconceito", afirma.


Ela cita como exemplo a obra Holocausto: Judeu ou Alemão?, escrita pelo brasileiro Siegfried Ellwanger Castan e publicada em 1987. Ao longo de 328 páginas, o autor defende a tese de que os próprios judeus teriam sido responsáveis pelo Holocausto.

Outro fator citado por Ilana que contribui para a desinformação dos brasileiros é a falha no ensino dessa parte da história nas salas de aula, ainda que o CNE (Conselho Nacional de Educação) tenha aprovado e recomendado o ensino do Holocausto como matéria curricular nas escolas do país em 2018.


Segundo ela, começou-se a falar mais sobre o Holocausto a partir do julgamento, em 1961, de Adolf Eichmann, responsável pela deportação de centenas de milhares de judeus para campos de concentração. À época, muitos sobreviventes vieram a público contar sua história e foram lançados diversos filmes sobre o assunto. Mas, a maioria das pessoas nunca procurou se informar a fundo sobre o tema. "Muita gente até já ouviu a palavra 'Holocausto', mas não tem ideia do que seja."

O presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), Claudio Lottenberg, também ressalta a importância de não esquecer o que aconteceu com os judeus nos campos de concentração. "À medida que nos distanciamos temporalmente do Holocausto, é essencial preservar sua memória, reforçar sua dimensão enquanto evento histórico e trauma coletivo."

Ascensão do antissemitismo e neonazismo pelo mundo

O aumento do antissemitismo e do número de grupos neonazistas pelo mundo é outro problema grave que contribui para a disseminação de desinformação sobre o Holocausto. Um relatório produzido em 2021 pela Organização Sionista Mundial (WZO, na sigla em inglês) e pela Agência Judaica mostra que 2021 foi o ano mais antissemita da última década. Durante esse período, foi registrada uma média de dez crimes antissemitas todos os dias.

No Brasil, a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma das principais autoridades nos estudos sobre grupos neonazistas no país, identificou, em 2021, a existência de 530 células neonazistas — que destilam ódio não só pelos judeus, mas também pela população LGBTQIAP+, mulheres, negros, nordestinos, imigrantes e outras minorias. O número indica um crescimento significativo desses grupos nos últimos dois anos. Em 2019, havia 334 células ativas no país.

Tendo em vista esse cenário, a educadora defende a ideia de que, embora parte da disseminação do antissemitismo seja causada pela desinformação, nem tudo gira em torno desse aspecto. Nesses casos, ela acredita que o problema seja de ordem moral — e deve ser combatido com veemência.

"Se nós analisarmos a Conferência de Wansee [reunião de líderes nazistas para discutir detalhes operacionais do extermínio em massa dos judeus], em 1942, dos 15 membros do alto escalão do Partido Nazista, oito deles eram doutores. Não eram pessoas ignorantes, sem estudo, sem cultura. Sabiam exatamente o que estavam fazendo", diz.

"Acredito, portanto, que, para além de combater a desinformação, é preciso também punir as pessoas que compactuam com o antissemitismo e cometem crimes dessa ordem. Não podemos mais aceitar o inaceitável. E, mais do que nunca, precisamos honrar a memória daqueles que sobreviveram para contar a nossa história", completa.

*Estagiária do R7 sob supervisão de Pablo Marques

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