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Hong Kong não acompanhou a retomada do turismo global pós-pandemia

A recuperação do setor de viagens internacionais para a região ainda deixa a desejar em relação às atividades turísticas registradas em outros países asiáticos

Internacional|Christine Chung, do The New York Times

Em 2018, Hong Kong recebeu um recorde de 65 milhões de turistas; em 2023, acolheu pouco mais da metade disso Anthony Kwan/The New York Times

Sorteios de passagens aéreas e espetáculos elaborados com drones e pirotecnia, além de convites para que milhares de influenciadores visitem e “contem uma boa história” ambientada na cidade. Essas são algumas das diversas estratégias que Hong Kong adotou para revitalizar sua indústria internacional de turismo, importante motor econômico impactado por anos de restrições pandêmicas e turbulências políticas. Mas não tem dado muito certo.

Apesar desses esforços, para os quais o governo de Hong Kong destinou aproximadamente US$ 129 milhões este ano, a recuperação do turismo internacional na cidade continua muito atrás da atividade turística observada na maioria dos outros destinos asiáticos. De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial do Turismo da ONU, a Tailândia, a Coreia do Sul e o Japão vêm registrando números de visitantes que se aproximam dos níveis pré-pandemia ou os superam, assim como a maior parte do restante do mundo.

Mas, em Hong Kong, pequenas lojas e restaurantes fecharam; os hotéis de luxo têm dezenas de quartos vazios toda noite; e o movimento em bairros vibrantes, antes repletos de turistas, diminuiu drasticamente.

Diversos fatores contribuíram para esse declínio. Em 2019, as manifestações pró-democracia, contra o controle crescente da China continental, abalaram Hong Kong. O turismo despencou em meio à agitação, com uma queda de quase 40% no segundo semestre do ano em comparação com 2018. No início de 2020, em resposta à pandemia de Covid, Hong Kong fechou suas fronteiras, impôs períodos longos de quarentena e chegou a proibir voos; algumas dessas medidas eram mais rígidas do que em outras partes do mundo. Recentemente, a saída de moradores estrangeiros e empresas ameaçou a reputação de Hong Kong como um centro financeiro global, enquanto outras cidades asiáticas continuam desenvolvendo com rapidez sua infraestrutura turística. E os moradores de Hong Kong, atraídos por preços mais baixos, estão viajando à China continental para comer e fazer compras. “Tinha glamour, entretenimento, estilo de vida, o belo porto. Mas o cenário mudou. Não é só por causa da Covid e dos protestos; ao redor, toda a Ásia se transformou”, disse Gary Bowerman, especialista em turismo e diretor de uma empresa de consultoria com sede em Hong Kong chamada Check-In Asia.


‘Não temos tido muita sorte ultimamente’

A atmosfera iluminada por neon, a cena gastronômica repleta de restaurantes com estrelas do “Guia Michelin” e o icônico horizonte de arranha-céus entre as colinas ondulantes construíram a reputação de Hong Kong como um destino cosmopolita que atraía milhões de turistas anualmente. Colônia britânica que se tornou em região administrativa especial da China, Hong Kong era conhecida por sua autonomia relativa em relação a Pequim.

Em 2018, a cidade recebeu o maior número de visitantes de sua história: cerca de 65 milhões de pessoas, de acordo com o Conselho de Turismo de Hong Kong, com visitantes gastando mais de US$ 42 bilhões, aproximadamente 4,5% do PIB da cidade. Em 2019, o turismo diminuiu; 56 milhões de viajantes gastaram cerca de US$ 33 bilhões. Durante o ano de 2023, 34 milhões de pessoas visitaram Hong Kong, e, nos primeiros oito meses deste ano, houve 29 milhões de visitantes, segundo o conselho de turismo – crescimento bem-vindo, mas tímido em comparação com os números elevados antes da pandemia.


Em julho, viajei a Hong Kong para conhecer a cidade pessoalmente. Uma noite, em Mong Kok, conhecido antes da pandemia como um distrito frenético voltado para as compras e densamente povoado, consegui navegar com facilidade pelo labirinto de vendedores oferecendo de tudo, de mangostões frescos a peixes-dourados. Não havia multidões. Os shoppings luxuosos ao longo do Porto Victoria, em Tsim Sha Tsui, a uma curta travessia de balsa até o norte da Ilha de Hong Kong, tinham muitas lojas de alto padrão, mas poucos clientes, e os funcionários em lojas como a Burberry e a Aesop pareciam ociosos. A maioria dos viajantes estava do lado de fora, caminhando tranquilamente pela Avenida das Estrelas, calçadão à beira-mar, admirando a vista do porto, que não tem nenhum custo.

Também visitei o M+ Museum, complexo de 65 mil metros quadrados inaugurado em 2021, depois de anos de atraso, com espaços para galerias, cinemas e um jardim na cobertura, projetado para rivalizar com museus internacionais de renome, como o Tate Modern, de Londres, e o Museu de Arte Moderna, de Nova York. Mas encontrei um ambiente tranquilo e zen, em contraste com as multidões que frequentam esses museus.


Apresentação musical preparada para cumprimentar os viajantes no Aeroporto Internacional de Hong Kong Christine Chung via The New York Times

Em outra noite, fui ao Under Bridge Spicy Crab, restaurante popular em Wan Chai, um dos distritos mais antigos de Hong Kong. Preparei-me para uma longa espera, mas, em vez disso, fui levada rapidamente para uma sala meio vazia.

Pequenos negócios e restaurantes estão lutando com a escassez de clientes. Segundo Simon Wong Ka-wo, presidente da Federação de Restaurantes e Comércios Relacionados de Hong Kong, cerca de mil restaurantes fecharam de março a agosto, por causa dos moradores que viajam à China continental e a outros lugares para comer e fazer compras e também da redução de dólares proveniente do turismo na cidade.

Kevin Shih, dono de vários restaurantes japoneses, incluindo o Jan Jan Kushikatsu, em Wan Chai, nunca viu o aumento nos negócios que esperava depois do relaxamento das restrições da pandemia na cidade, no ano passado. Ele afirmou que a vida noturna continua discreta: “Há menos gente nos bares, saindo à noite. Em geral, tem menos gente na cidade. Acho que Hong Kong está tentando, mas não temos tido muita sorte ultimamente.”

Mas, recentemente, algumas mudanças positivas começaram a surgir, disse Wong Ka-wo, com mais visitantes chegando durante a Golden Week, feriado nacional chinês de uma semana no início de outubro. “O fluxo de turistas do continente e de outros países tem sido animador. Novas lojas de diferentes especialidades foram abertas no início de setembro para atender à procura.”

‘Mais devagar do que qualquer um esperava’

O hotel The Peninsula, o mais antigo de Hong Kong e um dos mais luxuosos do mundo, ergue-se grandiosamente sobre o Porto Victoria. Com 300 quartos e suítes, oferece chá da tarde em um saguão vasto e opulento com molduras douradas. Posicionada ao lado da entrada, uma frota impecável de limusines Rolls-Royce Phantom espera para transportar os hóspedes pela cidade, que também podem usar o heliporto do terraço para chegar.

Em agosto, o grupo Hongkong and Shanghai Hotels, proprietário do The Peninsula e de outros nove hotéis no mundo, relatou uma perda de US$ 57 milhões no primeiro semestre deste ano, em comparação com um lucro de US$ 19 milhões no mesmo período de 2019. Esse prejuízo foi atribuído ao desempenho fraco de Hong Kong em razão da redução no turismo de mercados de longa distância, como os Estados Unidos e a Europa, além da preferência dos moradores locais por Shenzhen, na China continental.

Clement Kwok, CEO da empresa, destacou que, embora Hong Kong ainda enfrente dificuldades com o turismo de longa distância, há “sinais positivos de recuperação”: “A crescente chegada de visitantes do exterior mostra que Hong Kong ainda é um destino atraente para viagens de negócios e lazer.”

De janeiro a agosto, dos 23 milhões de visitantes, a maioria veio da China continental, enquanto menos de dois milhões eram de mercados de longa distância, como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália – cerca de um milhão a menos que no mesmo período de 2019.

Antes da pandemia, os mercados ao ar livre no distrito de Mong Kok costumavam estar repletos de atividade e multidões de turistas Christine Chung via The New York Times

No Distrito Central, centro comercial, o Upper House é um hotel cinco estrelas com interiores serenos e minimalistas, com diárias a partir de US$ 600. Para atrair os hóspedes, o estabelecimento tem oferecido benefícios como noites extras gratuitas e experiências de bem-estar cuidadosamente planejadas. “Demorou para o turismo internacional retornar a Hong Kong. Nosso mercado principal de lazer de longa distância são os Estados Unidos, e depois o Reino Unido. E esse turismo está voltando, só que mais devagar do que qualquer um esperava”, comentou Kristina Snaith-Lense, gerente-geral do hotel.

As companhias aéreas demoram a retomar os serviços

Durante a pandemia, as companhias aéreas globais reduziram drasticamente os voos conectando Hong Kong ao restante do mundo. A retomada tem sido lenta. O número de assentos disponíveis entre Hong Kong e outros destinos caiu 18% em outubro, em comparação com o mesmo mês, há cinco anos, segundo a Cirium, empresa de dados de aviação. As reduções para certas regiões são impressionantes: uma queda de 34% nos assentos para as conexões com a América do Norte e de 41% nos voos para a Europa.

Algumas companhias, como a Lufthansa, diminuíram o número de assentos em mais de 60%. A British Airways, que hoje opera com uma baixa de 42% de assentos em comparação com 2019, está reduzindo pela metade o número de voos entre Londres e Hong Kong. (Um porta-voz da British Airways declarou ao “South China Morning Post” que os custos operacionais aumentaram em decorrência do fechamento do espaço aéreo russo.)

Outras companhias, como a American Airlines, ainda não retomaram os voos para Hong Kong. A empresa encerrou esse serviço em dezembro de 2021, citando que a Ásia era um destino pouco procurado.

Por outro lado, a United Airlines, atualmente a única companhia americana com voos para Hong Kong, em breve disponibilizará mais voos do que antes da pandemia. No fim de outubro, a empresa adicionou um segundo voo partindo de Los Angeles, além dos dois diários que saem de San Francisco.

Patrick Quayle, vice-presidente sênior de planejamento de rede global e alianças da empresa, afirmou que os voos adicionais para Hong Kong dão mais flexibilidade aos clientes: “Saindo da pandemia, o aumento no serviço proporciona mais conectividade e opções para um dos principais destinos de negócios do mundo.”

A Cathay Pacific Airways, que enfrenta dificuldades com a falta de pilotos, anunciou que pretende retomar todos os voos anteriores à pandemia até o início de 2025 e que aumentará o número de voos entre Hong Kong e a América do Norte no próximo ano. Além disso, no Aeroporto Internacional de Hong Kong, as obras de construção de uma terceira pista, que aumentará significativamente sua capacidade, devem ser concluídas até o fim deste ano.

‘A energia da cidade ainda está presente’

A conectividade aérea está longe de ser o único obstáculo. “Há muitas percepções distorcidas de Hong Kong. Isso é o mais difícil de ser enfrentado, sobretudo nos mercados de longa distância”, disse Dane Cheng, diretor-executivo do Conselho de Turismo de Hong Kong, em uma coletiva de imprensa recente. Ele acrescentou que os visitantes vão mudar de opinião quando chegarem à cidade.

O Conselho de Turismo preencheu o calendário com uma série de eventos para atrair turistas Christine Chung via The New York Times

O Conselho de Turismo preencheu o calendário com uma série de eventos para atrair turistas. Só em outubro, Hong Kong sediou um festival de comida e vinho, um evento grande de ciclismo, um festival de jazz e um torneio profissional de tênis feminino. Em dezembro, dois pandas gigantes doados pelo governo chinês estarão em exibição no parque temático Ocean Park. Há também grandes expectativas de que o novo Parque Esportivo Kai Tak, cuja inauguração está prevista para março, atraia turistas de perto e de longe. Em abril, o Coldplay fará três shows no estádio do parque, com 50 mil lugares.

O Conselho de Turismo também destacou a melhoria no atendimento ao cliente, direcionada aos funcionários dos setores de serviço e hospitalidade, que receberam orientações para “sorrir mais”. Vídeos lançados on-line pelo conselho promovem uma hospitalidade atenciosa e prometem “ir além” ao atender os clientes em restaurantes e táxis. Há até um vídeo com demonstrações de cortesia ao vender sapatos.

“A energia da cidade ainda está presente”, afirmou Curtis Bergh, de 41 anos, com quem conversei no lounge do Aeroporto Internacional de Hong Kong. Ele trabalha como consultor de startups, vive em Taiwan e contou que visita Hong Kong com frequência. Mas, observando a saída de muitas empresas para outras cidades, como Singapura, comentou que “a percepção das pessoas mudou”.

A repressão das autoridades em Hong Kong tem levantado preocupações entre as empresas e as autoridades do ocidente. Os governos de mercados turísticos importantes para Hong Kong, como os Estados Unidos e o Canadá, têm orientado seus cidadãos a ter mais cautela ao visitar o território. O Departamento de Estado dos EUA alertou que o governo de Hong Kong “restringiu drasticamente a liberdade civil” e incentivou os viajantes a “manter um perfil discreto”.

Jornalistas e ativistas pró-democracia começaram a ser processados pelo governo de Hong Kong sob uma lei de segurança nacional ampliada, adotada em março. Atos como usar uma camiseta com um slogan de protesto ou criticar o líder chinês, Xi Jinping, nas redes sociais, levaram cidadãos de Hong Kong à prisão com penas superiores a um ano.

Depois de uma travessia de balsa pelo Porto Victoria, desembarquei em Kowloon. Lá, vi um outdoor com fotos de pessoas procuradas pela Polícia de Hong Kong por esforços pró-independência. Todas eram acusadas de ameaçar a segurança nacional, e recompensas em dinheiro eram oferecidas por informações que levassem à sua captura.

Outro dia, peguei o bonde até o Pico Victoria, mirante que oferece vistas impressionantes da cidade. Segundo o site do local, cerca de sete milhões de pessoas o visitam anualmente. O trajeto foi cênico – e bastante íngreme. No topo, conversei com Venita Ross, educadora de Salt Lake City, que também estava visitando a cidade. Ela incluíra alguns dias em Hong Kong depois de uma viagem a trabalho a Seul, na Coreia do Sul. “Eu sempre quis conhecer. Era um sonho. Tem tanta gente, tanto comércio e empreendedorismo; parece uma economia próspera”, disse Ross, em sua primeira visita à cidade.

Isso fez com que eu me lembrasse de uma conversa que tive com outra viajante, que conheci na Avenida das Estrelas, admirando a estátua do astro das artes marciais, Bruce Lee. Victoria Hamade, que tinha vindo do Catar com o marido e a filha pequena, comentou que, de início, não tinha muitas expectativas em relação a Hong Kong. Mas ficou impressionada com as paisagens e o comércio, e achou o silêncio agradável. “Eu esperava muitos turistas, mas não é bem assim.” Daniel, seu marido, rapidamente interveio: “Acho que muitos turistas são locais. A maioria parece vir de outras partes da China, e não do Ocidente.”

c. 2024 The New York Times Company

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