Índia: projeto transforma vítimas de prostituição forçada em advogadas
Jovens estudam Direito para defender a si mesmas e outras garotas. Estima-se que 1,2 milhão de meninas e adolescentes sejam exploradas
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Da exploração sexual em bordéis na Índia à linha de defesa dos principais tribunais no país: é este o caminho que a School for Justice (Escola para a Justiça, em tradução livre) quer preparar para as jovens indianas vítimas de prostituição forçada.
Evelien Hölsken, uma das responsáveis pela iniciativa, explica as origens do programa em entrevista exclusiva ao R7.
— Desde 2008, a ONG da qual faço parte, Free a Girl (Liberte uma Garota), já resgatou 4.165 crianças e adolescentes da prostituição forçada em bordéis na Índia. Quando esses resgates acontecem, os responsáveis pela situação dessas garotas geralmente são detidos, mas raramente condenados. O sistema judiciário é falho. Então nós pensamos que seria importante mudar essa realidade. Daí surgiu o programa para educar as garotas para se tornarem advogadas e defenderem a si mesmas e outras vítimas perante a lei.
Pesquisas da organização Prajwala — que também trabalha há mais de 20 anos para combater o tráfico sexual na Índia — apontam que 20 mil mulheres e crianças no país são forçadas a entrar no mundo da prostituição por meio de coerção e ameaças a cada ano. O Gabinete Nacional de Registros do Crime, entretanto, divulga que apenas 59 dos casos envolvendo menores de 18 anos foram julgados em tribunais indianos em 2016.
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Segundo Evelien, além transformar as vítimas em advogadas, a intenção do School for Justice é alertar a população indiana sobre a magnitude do problema — e encorajar todas as jovens que sofrem os abusos a acionar a Justiça. No futuro, as garotas auxiliadas pelo projeto poderão também atuar como promotoras e juízas. A primeira turma, com oito alunas, começou os estudos em universidades de Direito indianas em abril de 2017.
— Elas têm idades entre 18 e 20 anos. Também damos auxílio a outras que ainda estão estudando no ensino básico para passar nos testes que dão acesso às universidades. Não revelamos a identidade das meninas ou o lugar onde elas estudam para preservar sua segurança.
Atualmente, as despesas da iniciativa totalizam aproximadamente 3.400 dólares (R$ 10.950) por estudante a cada ano. Quem custeou o primeiro biênio do projeto foram doadores privados da Holanda — onde fica o escritório do Free a Girl, entidade da qual Evelien é cofundadora e que resgata vítimas de tráfico sexual não só na Índia, como também em países como Nepal, Bangladesh e Brasil.
Para as próximas turmas, a School for Justice pretende levantar fundos entre empresários indianos que apoiem a causa.
Outros desafios
Estima-se que 1,2 milhão de meninas e adolescentes menores de 18 anos sejam atualmente vítimas da prostituição forçada na Índia, segundo o Free a Girl. A maioria vem de origem pobre ou de minorias étnicas.
Os dados do Gabinete Nacional de Registros do Crime apontam que a maior parte dos casos é reportada às autoridades no estado de Uttar Pradesh, onde 29,4% da população vive abaixo da linha da pobreza. Algumas das jovens moram na zona rural e acabam traficadas ao procurar por melhores condições de vida nas cidades, outras são sequestradas e vendidas por desconhecidos ou mesmo parentes, conforme explica Evelien.
— No caso da organização Free a Girl, depois que são resgatadas, essas meninas vão para um abrigo e têm conversas individuais com psicólogos. Já chegamos a resgatar uma garota de apenas nove anos que trabalhava em um bordel ilegal. Demora um tempo até que elas se sintam completamente seguras, mas queremos que elas sejam confiantes e empoderadas para mudar a própria realidade.
"É importante que criminosos sejam condenados para que as vítimas possam começar um capítulo novo em suas vidas"
Evelien Hölsken completa que, para 2018, a meta é expandir o School for Justice para o Nepal. Nos próximos anos, o projeto também deve ajudar cada vez mais garotas na Índia.
— Temos uma meta de promover os estudos de 20 novas garotas a cada ano, mas infelizmente não depende só do nosso projeto, porque nem todas as vítimas de prostituição forçada desejam estudar Direito ou nem todas têm a educação básica para isso. De qualquer forma, seguimos lutando para que o sistema judiciário se transforme. Se não há uma sentença na Justiça, as vítimas não se sentem livres e nem conseguem superar o trauma porque sabem que há pessoas soltas responsáveis pelos crimes que mudaram a trajetória delas. Psicologicamente, é importante que elas vejam os criminosos sendo condenados para que possam começar um capítulo novo em suas vidas.