Instabilidade total: entenda a crise no Níger desencadeada por mais um golpe militar na África
País africano era o único na região do Sahel ainda regido por um governo democraticamente eleito
Internacional|Sofia Pilagallo, do R7
O golpe militar no Níger tornou o Sahel, região na África localizada entre o deserto do Saara e a savana do Sudão, um instável aglomerado de ditaduras. A derrubada do governo marca o sétimo golpe naquela parte do continente africano desde 2020. O país era o único ainda regido por um governo democraticamente eleito.
Em 26 de julho, tropas armadas, lideradas pelo general Abdourahamane Tchiani, invadiram a sede do governo, na capital, Niamei, e surpreenderam o presidente, Mohamed Bazoum. Os golpistas tomaram o poder, dissolveram a Constituição e suspenderam as instituições do país, sob a justificativa de "situação de segurança e má governança econômica social" — a mesma usada para golpes militares consumados em outros países próximos, como Mali e Burkina Fasso. Mais recentemente, os militares anunciaram também o fechamento do espaço aéreo do Níger.
Segundo a professora de relações internacionais Ana Carolina Marson, da Universidade São Judas Tadeu (USTJ), a razão pela qual a África, principalmente a região do Sahel, é um tanto instável se deve ao processo de independência das potências europeias, que teve início tardiamente. Alguns países do continente foram descolonizados apenas na década de 1980. Trata-se, portanto, de nações muito novas, com governos próprios recentes.
"Esse golpe afeta de maneira muito negativa uma região já extremamente instável pelos sucessivos golpes ao longo dos anos. Muito perigoso isso que aconteceu", lamenta Ana Carolina.
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A Cedeao (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) havia dado um ultimato aos militares para que devolvessem o poder a Bazoum, mas, na noite de domingo (6), o prazo expirou sem resposta. No dia seguinte, os Estados Unidos afirmaram que ainda seria possível pôr um fim no golpe de Estado pela via diplomática. Horas depois, porém, a vice-secretária de Estado em exercício, Victoria Nuland, disse ter tido negociações "difíceis" com os autores do golpe.
"Essas conversas foram extremamente francas e bastante difíceis", afirmou Victoria a repórteres enquanto se preparava para deixar Niamei.
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"Foi uma primeira conversa em que os Estados Unidos tentaram entender se havia disposição por parte dos responsáveis de retornar à ordem constitucional. Eu não diria de forma nenhuma que a oferta foi aceita", acrescentou.
Autoridades da África Ocidental também estão trabalhando por uma solução diplomática para o conflito no Níger. De acordo com a Cedeao, as autoridades vão discutir a situação política no país africano em uma cúpula em Abuja, capital da Nigéria, que acontece nesta quinta-feira (10). Países do continente africano e até os membros da própria Cedeao se dividem sobre a possibilidade de uma intervenção militar na nação.
Apoio popular
No século 19, o continente foi "distribuído" entre as potências de então, em um período histórico violento que ficou conhecido como Partilha da África. Os países do continente foram dominados, sobretudo, por França e Reino Unido, mas também por Itália, Bélgica, Alemanha, Portugal, Espanha e, com menos intensidade, pelos Estados Unidos, que participaram da fundação da Libéria. Nessa partilha, a França colonizou o Níger e outros países, como Burkina Fasso e Mali.
Segundo a professora Ana Carolina Marson, a França ainda tinha certa influência na região até pouco tempo atrás. Em janeiro deste ano, tropas francesas ainda atuavam em Burkina Fasso. Nos últimos tempos, porém, o país europeu vem perdendo sua influência progressivamente, o que abre espaço para a escalada de violência que levou ao golpe no Níger.
O novo líder do Níger, general Abdourahamane Tchiani, anunciou que a França não pode mais minerar urânio e ouro no país, o que representou um duro golpe para os franceses. Os reatores nucleares franceses são alimentados com urânio do Níger e são responsáveis por gerar 65% da eletricidade do país.
Não por acaso, o golpe tem apoio da maioria da população do Níger. Enquanto os franceses temem ficar sem energia elétrica, o serviço está disponível a muito poucas pessoas no país. Na última quinta-feira (3), centenas de pessoas foram às ruas de Niamei, capital do país, e expressaram apoio à tomada do poder pelos militares.
O que a Rússia tem a ver com isso?
A Rússia está ligada indiretamente ao conflito no Níger, uma vez que o líder do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, celebrou o golpe militar no país e ofereceu seus serviços para ajudar o novo governo a controlar a situação nacional e "trazer a ordem". Apesar de o governo da Rússia ter entrado confronto com o grupo Wagner — quando os combatentes mercenários tentaram uma rebelião, em 23 de junho —, os lados ainda mantêm uma relação de proximidade.
Nesta quarta-feira (8), Prigozhin provocou os Estados Unidos e afirmou que o país está disposto a reconhecer o golpe no Níger apenas para evitar a presença do grupo paramilitar em território americano. Em áudio reproduzido pelos canais do Telegram, Prigozhin afirmou que "o que acontece no Níger nada mais é do que a luta do povo contra a colonização ocidental". Autoridades americanas não comentaram a declaração até o momento.