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Limpeza étnica destrói memórias de mais de 100 mil pessoas em Nagorno-Karabakh

Conflito centenário com o Azerbaijão se encerra com derrubada de casas e expulsão de milhares de armênios de sua terra natal

Internacional|Pablo Marques e Sofia Pilagallo, do R7

Cerca de 85% da população de Nagorno-Karabakh foi forçada a deixar a região
Cerca de 85% da população de Nagorno-Karabakh foi forçada a deixar a região

Nos últimos 15 dias, mais de 100 mil armênios deixaram a região de Nagorno-Karabakh, resultado de outro conflito histórico cujo desfecho caminha para mais uma limpeza étnica na região do Cáucaso, que fica no leste da Europa e no oeste da Ásia.

A região é disputada há séculos por dois grupos, os armênios e os azerbaijanos (também chamados de azeris). Do começo do século 20 até o começo da década de 1990, os dois países fizeram parte da União Soviética e a situação se manteve sob relativo controle. Com a dissolução da nação socialista, em 1991, os dois países se tornaram independentes, mas a Rússia se encarregou de controlar as tensões.

Até agora. Há menos de 20 dias, os azerbaijanos expulsaram os armênios da região em que se fixaram quase 2.000 anos atrás, no que vem sendo apontado pela comunidade internacional como uma ação de limpeza étnica por parte do Azerbaijão.

Segundo a professora de direito internacional Tatiana Squeff, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o termo "limpeza étnica" passou a ser utilizado no direito internacional a partir da década de 1990, no contexto da extinção da Iugoslávia — país erguido após a Primeira Guerra Mundial que agregou várias etnias que foram inimigas durante séculos.


Desde então, a limpeza étnica é considerada uma conduta do crime de genocídio, punível pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). "Limpeza étnica é um termo usado quando existe uma tentativa de homogeneizar a população de certa região, isto é, tornar igual, com base em aspectos nacionais, étnicos, religiosos ou raciais", explica.

"Para isso, promove-se a remoção ou até mesmo a morte daqueles considerados indesejáveis, além da destruição de monumentos ou outras memórias pertencentes a tal localidade", acrescenta a professora. Até o momento, poucos armênios morreram por causa das ações do governo do Azerbaijão.


Para o professor de direito internacional Luís Renato Vedovato, da Universidades de Campinas (Unicamp), os armênios são as reais vítimas do conflito com o Azerbaijão. Mesmo não havendo mortes, uma limpeza étnica pode, sim, estar em curso.

Entre 1915 e 1923, o Império Turco-Otomano promoveu um dos maiores massacres já vistos na história da humanidade, que ficou conhecido como genocídio armênio. Estima-se que aproximadamente 1,5 milhão de armênios foram mortos por deportações em massa, massacres e fome, enquanto eram forçados a sair de suas terras para o deserto da Síria e outras regiões.


Vedovato acredita que esse povo historicamente perseguido agora pode ser vítima de um genocídio cultural. "Genocídio não é só o ato de matar um povo, mas impedir que ele fique na região. Das 120 mil pessoas que vivem em Nagorno-Karabakh, 85% já saíram, então há um problema sério aqui. Isso pode ser enquadrado como crime de genocídio", afirma Vedovato.

"As consequências humanitárias do conflito são devastadoras para os armênios, uma vez que eles saem de Nagorno-Karabakh deixando todo o seu passado para trás", acrescenta.

Outros casos

Alguns dos mais recentes casos de limpeza étnica aconteceram na década de 1990, com a desintegração da antiga Iugoslávia. Houve vários conflitos entre as diferentes etnias locais e por volta de 150 mil pessoas morreram, de acordo com as estimativas mais conservadoras.

O caso mais sangrento ocorreu durante a Guerra da Bósnia (1992-1995). Forças sérvias da Bósnia, com o apoio do governo da Sérvia, iniciaram uma campanha de limpeza étnica principalmente contra bósnios muçulmanos, mas também contra croatas da Bósnia. Isso incluiu o Massacre de Srebrenica em 1995, em que aproximadamente 8.000 homens e meninos bósnios muçulmanos foram mortos pelas forças sérvias.

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