Lutar pelo fim da monarquia logo após saída de Juan Carlos seria traição do povo espanhol, diz especialista
Rei democratizou o país depois do fim da ditadura de Francisco Franco
Internacional|Marta Santos, do R7
O rei Juan Carlos abdicou o trono da Espanha na segunda-feira (2). O anúncio de sua saída em favor do filho, o príncipe Felipe, foi seguido de protestos a favor da realização de um referendo no qual a população espanhola possa escolher entre a monarquia e a República como sistema político do país.
Para o doutor em ciência política e especialista em política externa Demetrius Pereira, “seria uma traição do povo espanhol lutar [neste momento] pelo fim da monarquia”, em respeito a Juan Carlos, que foi coroado após a morte do ditador Francisco Franco, em 1975, e construiu sua popularidade ao liderar a transição da Espanha para a democracia.
— Geralmente, a República que transforma um país em uma democracia, mas na Espanha era diferente, a República era uma ditadura. E quando assume o rei, ele faz questão de democratizar o país, esse é principal legado que ele vai deixar para os espanhóis.
Mas os últimos anos do reinado de Juan Carlos foram marcados por problemas de saúde e por escândalos, como a investigação do genro Iñaki Urdangarin, em um caso de corrupção que também afetou sua filha mais nova, a infanta Cristina. O rei também enfrentou críticas pesadas devido aos safaris de caça que fazia na África, no momento em que o país passava por uma crise econômica.
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Todos esses fatores podem ter contribuído para que partidos republicanos e movimentos separatistas, como da Catalunha, se aproveitassem do momento da abdicação para convocar novos protestos em favor da República e ameacem a unidade espanhola.
“A abdicação do rei além de uma fraqueza da monarquia, simboliza uma fraqueza da Espanha como um todo. Enquanto Felipe não for coroado, eles vão se aproveitar disso”, diz o especialista.
— No entanto, os oposicionistas ainda são uma minoria que não tem força de fazer algum movimento mais forte. Até os protestos foram fracos.
Pereira também ressalta que o governo da Espanha se mantém firme em defender a monarquia e a unidade do país. O primeiro-ministro, Mariano Rajoy, que é conservador, já declarou que apoia a decisão do rei e que vai fazer a transição para o príncipe.
Sucessão
Juan Carlos foi o único rei da Espanha durante este período monárquico, após a ditadura de Franco, por isso, grande parte da população nunca passou por um processo de transição de poder e nem a legislação do país estava preparada para uma eventual abdicação do rei.
“Normalmente, o trono passa para o filho com a morte do pai e não com a abdicação”, diz Pereira.
— Não existe um procedimento claro porque isso [a abdicação] nunca aconteceu na Espanha. Então acabou ficando uma situação de limbo jurídico que pode levar a uma instabilidade política na Espanha.
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Na maioria dos casos, a monarquia é hereditária e prevê que o primeiro filho homem do rei seja o herdeiro da coroa. No entanto, algumas monarquias, como Suécia e Reino Unido, possuem legislações que permitem que as filhas primogênitas herdem o trono.
— Na verdade as duas irmãs do príncipe Felipe são mais velhas do que ele e isso poderia gerar alguma reclamação da parte delas, mas, ao que parece, há um acordo familiar em relação a isso.
Pereira lembra também que, quando um rei abdica, ele perde sua imunidade política e pode ser tratado como pessoa comum.
— Isso que falta regulamentar, como o rei abdicado vai ser tratado a partir de agora, porque se ele fizer coisa errada poderá ser processado e isso pode afetar negativamente a imagem da monarquia.