Maduro toma posse com chances reduzidas de terminar 3º mandato
Presidente da Venezuela assume para mais seis anos no governo, mas especialistas apontam que sobrevivência no cargo está cada vez mais difícil
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
A eleição foi apontada como fraudulenta pela oposição e não teve seu resultado reconhecido por vários governos. Enquanto isso, o país vive o colapso econômico e mergulha na pior crise humanitária de sua história. Ainda assim, Nicolás Maduro deve tomar posse como presidente da Venezuela pelo terceiro mandato consecutivo nesta quinta-feira (10).
A ideia do líder é permanecer no cargo por mais seis anos, mas, para especialistas ouvidos pelo R7, parece cada vez mais difícil que Maduro sobreviva no poder por tanto tempo.
Restrições internas e externas
"Muita coisa ainda pode acontecer. Recentemente, membros do Judiciário passaram a retirar seu apoio ao governo — nesta semana, um ex-juiz da Suprema Corte venezuelana fugiu para os Estados Unidos e denunciou Maduro. Essa era uma das poucas instituições que ainda sustentavam o presidente. A situação está se deteriorando", aponta José Maria de Souza, doutor em Ciência Política e especialista em América Latina das Faculdades Integradas Rio Branco, de São Paulo.
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Luis Fernando Ayerbe, professor de História e Relações Internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), reforça o coro. "Seis anos parece um período improvável especialmente se a economia continuar como está, com as sanções de Donald Trump, dos Estados Unidos. Em termos regionais, a Venezuela também se revela cada vez mais isolada."
As medidas restritivas do governo norte-americano atingem dirigentes da área econômica da Venezuela e impedem acordos com as autoridades que administram as contas públicas no país.
Nas Américas, o Grupo de Lima — formado por governos de Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia — declarou não reconhecer o resultado do pleito que garantiu a reeleição de Maduro.
Relação com as Forças Armadas
Na opinião de José Maria de Souza, a tendência é que o presidente continue recorrendo ao Exército para continuar no cargo. “As Forças Armadas ainda são o principal bastião da sobrevivência de Maduro no poder. Se ele perder o apoio dos militares, deve ficar bastante fragilizado", avalia.
"O Legislativo — controlado pela oposição — já fez um apelo às Forças Armadas para deter Maduro, mas isso não significa que os parlamentares serão atendidos. Assim como não significa que Maduro vá sofrer um golpe caso perca o apoio dos militares. Ele pode renunciar se perceber que não se sustenta.”
Nesta terça-feira (9), relatórios publicados por dois grupos de direitos humanos revelaram que forças de segurança da Venezuela têm detido e torturado dezenas de militares acusados de conspirar contra o governo. As vítimas foram alvos de espancamentos, asfixia e choques elétricos.
Possibilidades de renúncia
Para Ayerbe, da Unesp, as chances de renúncia do presidente também parecem remotas: “É uma situação muito complexa. A própria eleição pela terceira vez mostra que Maduro continua com certa capacidade de se articular. Se não houver renúncia, é importante ainda lembrar que não é simples destituir um governo. O bolivarianismo se estabeleceu na Venezuela em 1999 e vem se mantendo no poder por uma série de interesses — inclusive de parte da população que foi beneficiada por programas sociais”.
Uma saída da crise, desta forma, não aparece no horizonte visível, segundo os especialistas ouvidos pelo R7. “A solução seria Maduro propor um pacto nacional, convencendo os atores políticos de que ele consegue retomar as rédeas da situação econômica e social para a Venezuela”, afirma Souza, das Faculdades Integradas Rio Branco.
“Mas isso já está descartado em um país onde grupos de esquerda se declaram oposicionistas e o Legislativo diz que o presidente é ilegítimo. Na minha opinião, um futuro próspero para os venezuelanos está na mão de outras lideranças, e não do Maduro”, conclui o professor.
‘Aconteceu em Cuba’
O venezuelano Pedro Sánchez, de 32 anos, que mora no Brasil desde 2016 e trabalha como engenheiro de sistemas em São Paulo, acredita ser possível que Nicolás Maduro consiga concluir seu terceiro mandato como presidente da Venezuela.
“Se a população deixar de lutar e o mundo virar as costas, ele pode conseguir, sim. Aconteceu em Cuba e não há garantias de que não vá acontecer em outro país”, diz.
Sánchez — que prefere não mostrar o rosto por medo de represálias — vivia na cidade de Barquisimeto, a mais populosa do estado de Lara, no oeste da Venezuela.
"Eu tinha uma empresa de engenharia de sistemas, mas fui obrigado a fechá-la porque não dava mais lucro por causa das medidas econômicas implementadas pelo governo. Cheguei ao Brasil por meio de um intercâmbio profissional que duraria um ano no Espírito Santo. Consegui trabalho em São Paulo e fiquei. Eu queria sair do meu país e este acabou sendo um meio muito bom para mim."
O engenheiro crê que a saída de Maduro do poder depende de uma série de fatores. “Penso que o povo deve se juntar para protestar contra o governo. Quando eu estava lá, ia em todas as manifestações. Os militares com pelo menos um pouco de consciência também deveriam se rebelar contra a ditadura e forçar a queda de Maduro. Outra coisa importante é que todos os países democráticos reconheçam este ditador como ilegítimo”, detalha.
Se os rumos na Venezuela mudarem, Sánchez garante que voltaria. “Quero ver a minha família e, com o tempo, poder contar para meus netos tudo o que passamos, para que eles valorizem a liberdade.”