Mais de 40 alunos denunciam jesuíta por abuso sexual em colégio onde papa Francisco lecionou
Casos ocorreram na Argentina entre 1998 e 2003; uma das vítimas pediu ajuda ao Vaticano recentemente, mas não teve retorno
Internacional|Do R7
Dois ex-alunos do Colegio del Salvador, instituição de ensino jesuíta localizada em Buenos Aires, onde Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, lecionava no anos 1960, revelaram que foram assediados sexualmente quando tinham 11 anos por seu tutor na época, o irmão César Fretes. Ao romperem um silêncio de mais de 20 anos, descobriram que pelo menos outras 42 pessoas também foram vítimas de Fretes.
Em entrevista ao jornalEl País, Gonzalo Elizondo e Pablo Vio, ambos de 32 anos e autores da denúncia, afirmaram que a existência dos crimes foi reconhecida pelas autoridades da escola, que, no entanto, se recusaram a se redimir publicamente e indenizar as vítimas.
“Havia muitos adultos responsáveis que não agiam como deveriam agir. Eles nos negligenciaram, nos abandonaram, descobriram que havia um agressor e o que fizeram foi encobri-lo e transferi-lo", conta Vio.
O religioso César Fretes morreu em 2015, antes de ter sido denunciado à Justiça por seus crimes. Os dois jovens contaram que sofreram os abusos em 2002 e no ano seguinte a instituição decidiu transferir Fretes para mais de 1.000 quilômetros de distância, em meio a um boato de que teria abusado de um aluno.
Segundo Elizondo, o boato o fez ressignificar um acontecimento. Durante um retiro espiritual, ele acordou no meio da noite e percebeu que o jesuíta estava com a mão dentro de sua calça. Na época, Fretes disse ao menino que o havia encontrado sonâmbulo e o tinha levado para a cama. Entretanto, ao entender que nunca foi sonâmbulo, Elizondo ligou a informação com o boato que corria pela escola e percebeu que, na realidade, havia sofrido um abuso sexual.
O jesuíta conduzia palestras de tutoria sobre questões sexuais na escola. Pablo Vio disse que demorou para perceber que havia sido abusado porque, naquela época, as escolas não ofereciam aulas de educação sexual.
“Um dia, em seu escritório, ele [Fretes] pediu que eu abaixasse a calça. Ele tocou meu pênis, correu minha pele e pediu que eu olhasse meus companheiros de equipe no vestiário, comparasse e depois contasse a ele", disse aoEl País. "Naquele momento, até pensei que tinha sorte de ter essa pessoa ao meu lado para me ensinar, nunca me explicaram que isso era errado."
Elizondo afirma que procurou as autoridades escolares pela primeira vez em 2019. OEl País ressalta na reportagem que o Colegio del Salvador se recusa a falar com a imprensa, alegando que se desculpou com a comunidade educativa e que toma providências para que novos casos de assédio sexual não aconteçam.
Em uma carta enviada no início do mês à comunidade educativa, o atual reitor, Jorge Black, e o reitor que ocupou o cargo em 2003, Rafael Velasco, reiteraram o pedido de perdão às vítimas e disseram sentir "vergonha" pelos casos de abuso sexual que ocorreram no colégio.
Fretes retornou à instituição em algumas ocasiões e participou de atividades com alunos entre 2003 e 2007, ano em que foi expulso da Companhia de Jesus, devido a uma suposta investigação que as vítimas apontam como falsa.
“Eles não nos deixam ver o certificado de expulsão. Sabemos que a investigação é falsa porque não falaram com ninguém, não perguntaram a ninguém”, diz Vio.
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As vítimas afirmam que, antes da primeira denúncia, em 2003, Fretes teria sido denunciado duas vezes: em 1998 e em 2001.
Segundo Gonzalo Elizondo e Pablo Vio, o então reitor Luis de Maussion rejeitou a denúncia de 1998 e ainda manteve o religioso no mesmo cargo. Em 2001, o reitor Velasco, além de não dar credibilidade ao relato da vítima, disse às crianças que o aluno era um "mentiroso".
Elizondo escreveu uma carta ao Vaticano em 2020, porque pensou que o papa Francisco, que faz discursos contra a pedofilia na Igreja, poderia ajudar no caso. Entretanto, ele nunca recebeu uma resposta e acredita que o papa esteja protegendo os abusadores.
Para Vio, "o objetivo da Igreja é que nos cansemos, que fiquemos sem energia e a deixemos para que continuem a encobrir os casos, como se nada houvesse acontecido. Se o papa falasse, ninguém poderia continuar se fazendo de distraído, e isso nos daria uma recarga de energia, mas não vai acontecer".