Milhares de funcionários públicos engrossam protestos em Hong Kong
Trata-se da primeira vez que os funcionários se manifestam publicamente contra o Executivo e contra a líder Carrie Lam
Internacional|Da EFE
Dezenas de milhares de pessoas mantiveram viva a chama dos protestos contra o governo de Hong Kong nesta sexta-feira (2), pela nona semana consecutiva, mas desta vez com uma nuance: a manifestação de hoje foi convocada por funcionários públicos para expressar o descontentamento com a instituição para a qual trabalham.
Com os rostos à mostra, os funcionários desafiaram o governo com cantos a favor da justiça, da liberdade e da democracia.
Desde pouco antes das 19h (horário local, 8h em Brasília), os manifestantes - entre os quais também há cidadãos que compareceram para demonstrar apoio aos trabalhadores do setor público - se reuniram no Parque Chater, apesar de o governo ter exigido que não se posicionassem publicamente.
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Em comunicado "solene" divulgado ontem, o governo lembrou aos funcionários que a lei exige "lealdade total" ao Executivo e a quem o liderar e considerou "totalmente inaceitável" qualquer ato que "menosprezasse o princípio de neutralidade política dos funcionários públicos".
Nesse sentido, o secretário chefe de Administração (segunda máxima autoridade em Hong Kong), Matthew Chung, declarou hoje que utilizar o nome do conjunto de funcionários para fazer queixas contra as autoridades "dará uma impressão errada de que há uma divisão de pontos de vista ou enfrentamentos dentro do governo".
A postura oficial, longe de fazer com que os funcionários públicos desistissem de participar do protesto, fez com que o número de apoios fosse ainda maior, segundo explicou à Efe Wan, que foi funcionária por mais de 20 anos.
"Não temos uma postura política, mas queremos que o governo escute as pessoas. Me ofende bastante o comunicado do governo. Alguns funcionários que conheço não tinham certeza se viriam e decidiram se unir depois de ler o documento", afirmou.
Trata-se da primeira vez que os funcionários se manifestam publicamente contra o Executivo e contra a líder Carrie Lam.
"Me senti pressionada. Um antigo chefe sugeriu que não comparecesse pelo bem da minha carreira", revelou Wan.
Outra funcionária pública, que prefere ser identificada unicamente como K, acredita que a situação política em Hong Kong piorou muito ultimamente e considera "triste" que o governo não tenha tomado "nenhuma ação positiva para fazer frente às queixas e reivindicações das pessoas".
"É um sinal de um governo extremamente ruim que não tinha sido visto até agora. E pior, o governo está tentando ameaçar e silenciar as pessoas que pedem soluções aos problemas", lamentou.
Na opinião de K, o fato de o conjunto de funcionários — composto principalmente de "gente favorável ao governo, conservadora e de classe média"— ter decidido protestar publicamente é "uma bofetada no alto escalão", o que espera que lhes force a responder "de forma apropriada" às reivindicações.
As autoridades parecem ter sentido o golpe e advertiram que "investigarão seriamente" qualquer infração das normas que regulam o conjunto de funcionários, composto por cerca de 180 mil trabalhadores.
"Claro que há risco. Mas, de qualquer modo, também não podem repreender todos os que se manifestam. Quem pode nos substituir em tão pouco tempo?", questionou K, que comentou que os funcionários mais veteranos se inclinam mais pela "obediência, disciplina e estabilidade social", enquanto os mais jovens simpatizam mais com os manifestantes e se preocupam com a liberdade e a democracia.
A Justiça de Hong Kong se transformou nesta semana em protagonista da crise depois que a polícia acusou formalmente 44 pessoas de revolta, crime que pode acarretar entre cinco e dez anos de prisão, embora todos menos um, que não compareceu, ficaram em liberdade sob fiança até a próxima audiência, prevista para 25 de setembro.
Além disso, soaram os alarmes entre as forças pró-democráticas depois que a guarnição do exército chinês no território publicou um vídeo na quarta-feira (31) no qual aparece os soldados fazendo treinamentos contra distúrbios e um deles gritando "As consequências serão por conta e risco de vocês" em cantonês, idioma mais utilizado em Hong Kong.
Por sua parte, Pequim admitiu que a lei de Hong Kong reconhece que o exército pode intervir a pedido do governo local, mas a porta-voz da chancelaria Hua Chunying classificou hoje de "rumores" as informações que asseguram que as autoridades de Hong Kong solicitarão ajuda às forças armadas chinesas no final de semana.
Este foi um novo capítulo das manifestações que começaram no começo de junho em Hong Kong contra uma controversa proposta de lei de extradição, que derivaram para reivindicações mais amplas sobre os mecanismos democráticos do território, cuja soberania a China recuperou em 1997 com o compromisso de manter até 2047 as estruturas estabelecidas pelos britânicos.
Apesar de a chefe do governo local, Carrie Lam, ter dado como "morto" esse projeto no começo do mês, os manifestantes não se deram por satisfeitos e seguiram tomando as ruas durante os últimos oito finais de semana.
Os grupos opositores também convocaram uma greve geral para a próxima segunda-feira (5).