Mísseis, fuzis e veneno: as armas da Rússia contra seus inimigos
Envenenar desafetos é uma prática que vem desde os tempos da União Soviética e começou em 1920, em um laboratório secreto
Internacional|Do R7
A morte por envenenamento do cientista russo Vitaly Melnikov, de 77 anos, na semana passada chamou atenção mais pelo motivo: Melnikov era responsável pelo Departamento Espacial da Rússia e chefiou o desenvolvimento e envio da sonda Luna-25, que se espatifou na superfície da Lua em agosto. Sua morte seria uma retaliação ao fato de o cientista ter “desonrado” a Mãe Rússia, como apontaram tabloides de todo o mundo, entre eles o famoso The Sun, do Reino Unido.
Já a forma como ele morreu não foi exatamente uma surpresa: o cientista foi envenenado, supostamente, por cogumelos não comestíveis. Mas por qual motivo uma das pessoas mais inteligentes do mundo, capaz de lançar um foguete ao espaço, comeria um cogumelo venenoso?
A resposta provavelmente nunca será descoberta — e também não é preciso. Nessas horas, os russos se recordam de uma tradição que remonta aos tempos da União Soviética, a de matar desafetos do governo com veneno.
Laboratório secreto
Os soviéticos são amplamente reconhecidos por terem desenvolvido e usado venenos e agentes tóxicos para fins de assassinato e espionagem ao longo de sua história. Muitas dessas atividades foram conduzidas sob a alçada da NKVD e, mais tarde, da KGB, as principais agências de segurança e inteligência soviéticas.
O marco inicial dessa jornada tóxica começa com o “Laboratório Especial” (também chamado de "Câmara 12" ou "Laboratório X"). Fundado na década de 1920, esse lugar era um laboratório secreto responsável pelo desenvolvimento de venenos para ser usados contra inimigos do Estado soviético.
O laboratório testou seus venenos em desafetos como Leon Trotsky, líder revolucionário e rival de Stalin, e Georgi Markov, um dissidente búlgaro, que foi assassinado em Londres por um pequeno dardo envenenado com ricina, disparado de um guarda-chuva.
Como era de imaginar, a União Soviética nunca assumiu ser responsável por essas mortes. O livro The KGB's Poison Factory (A Fábrica de Venenos da KGB), escrito por Boris Volodarsky, ex-oficial da inteligência militar russa, porém, joga um pouco de luz sobre as práticas soviéticas. Em suas páginas, encontra-se um relato detalhado dos métodos empregados pela KGB (e seus predecessores) no uso de venenos para assassinar oponentes do regime soviético.
'Novato'
Entre 1971 e 1993, a União Soviética desenvolveu secretamente uma classe de agentes nervosos chamados Novichok. Essa é a quarta geração de agentes nervosos e foi projetada para ser mais letal do que versões anteriores, como o sarin e o VX.
A palavra "Novichok" significa "novato" ou "recém-chegado" em russo, o que sugere que esses agentes eram algo novo ou diferente em relação aos agentes nervosos existentes.
Os agentes Novichok ganharam atenção mundial após terem sido usados em tentativas de assassinato de alto perfil, como o envenenamento de Serguei Skripal e de sua filha Yulia na Inglaterra, em 2018.
Dada a eficiência do Novichok, os russos se perguntam o porquê de ele ter sido envenenado com um cogumelo.
Desafetos famosos
A seguir, veja uma lista de desafetos russos que foram envenenados nos últimos 25 anos:
Alexei Navalny
Mais proeminente líder da oposição russa, foi envenenado na Sibéria em 2020 por um agente nervoso militar chamado Novichok, segundo especialistas ocidentais. Depois de tratamento na Alemanha, retornou voluntariamente à Rússia em 2021, sendo imediatamente preso. Agora, cumpre uma pena de cerca de 20 anos.
Serguei e Yulia Skripal
Serguei, ex-agente duplo russo, e sua filha Yulia foram encontrados inconscientes em Salisbury, na Inglaterra, em 2018. Autoridades britânicas afirmaram que foram envenenados por Novichok. Ambos sobreviveram.
Vladimir Kara-Murza
Ativista da oposição russa acredita ter sido envenenado em 2015 e 2017. Exames em laboratório alemão identificaram níveis elevados de metais pesados em seu organismo.
Alexander Litvinenko
Ex-agente da KGB e crítico de Putin, morreu em 2006, em Londres, após ter ingerido chá contaminado com polônio-210, um isótopo radioativo. Uma investigação britânica concluiu que Putin provavelmente aprovou o assassinato.
Alexander Perepilichny
Foi encontrado morto em 2012 próximo à sua casa de luxo em Londres. Tinha se refugiado no Reino Unido após colaborar em uma investigação sobre lavagem de dinheiro russo. Embora a polícia britânica tenha descartado jogo sujo, foram encontrados vestígios de um veneno raro em seu estômago.
Viktor Yushchenko
Então líder da oposição ucraniana, foi envenenado em 2004 durante a campanha presidencial. Posteriormente, ganhou a Presidência na reeleição após protestos conhecidos como "Revolução Laranja".
Anna Politkovskaya
Jornalista que denunciou abusos de direitos humanos, foi assassinada em Moscou em 2006. Sua morte destacou os riscos enfrentados por repórteres na Rússia e gerou críticas internacionais.
Além de Yevgeny Prigozhin, veja outros desafetos de Putin que morreram de maneira suspeita