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Moradia difícil e custos altos: por que tantos norte-americanos estão optando por não ter filhos?

Em 2023, a taxa de natalidade do país atingiu seu menor valor histórico, 1,6 nascimento para cada mil mulheres

Internacional|Teddy Rosenbluth, do The New York Times


Custo exorbitante das creches e moradia cada vez mais cara e difícil são alguns fatores que diminuíram a natalidade Alisha Jucevic/The New York Times

Há anos, parte dos conservadores vem apontando a queda da taxa de natalidade nos EUA como exemplo do desgaste dos valores familiares, verdadeira catástrofe moral em câmera lenta. O senador JD Vance, candidato à vice-presidência pelo Partido Republicano, há algumas semanas foi duramente criticado por ter dito em 2021 que o país era dirigido por “mulheres que substituem os filhos por gatos de estimação e odeiam os norte-americanos normais por constituírem família em vez de investirem nesses joguinhos ridículos de status em Nova York e na capital do país”.

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No ano passado, Ashley St. Clair, analista da Fox News, descreveu assim os compatriotas sem filhos: “É gente que só quer se divertir, beber a noite inteira, ir aos shows da Beyoncé. Só busca o prazer próprio, não quer a realização de formar uma família.”

Já os pesquisadores que estudam as tendências na área da saúde reprodutiva veem um quadro mais complexo; para eles, a decisão não é sinal de que parte da população está se tornando mais hedonista, mesmo porque a taxa de natalidade está caindo em todos os países desenvolvidos. Na verdade, indica que os fatores sociais mais amplos – como o custo exorbitante das creches, a moradia cada vez mais cara e difícil e a queda do otimismo em relação ao futuro – é que estão tornando praticamente impossível a criação de um filho nos EUA. “Não encaro como falta de comprometimento familiar; são questões basicamente de nível social e político”, afirmou a socióloga Mary Brinton, que analisa taxas baixas de natalidade para a Universidade Harvard.

Até certo ponto, especialistas como Brinton se preocupam, sim, com o fato de o país estar tendo menos filhos, já que a taxa de natalidade nacional vem caindo desde o fim da explosão demográfica de meados dos anos 60. “Esse declínio se acelerou em 2008, fenômeno amplamente atribuído à recessão econômica que abalou o mundo na época. O pessoal meio que decidiu adiar a formação/o aumento da família por uns anos para compensar depois, quando a economia e o país já tivessem se recuperado, o que acabou nunca acontecendo”, explicou Kenneth Johnson, demógrafo da Universidade de New Hampshire.


Em 2023, a taxa de natalidade caiu para 1,6 nascimento para cada mil mulheres, baixa histórica bem abaixo da proporção necessária para manter o número da população, que é de 2,1 nascimentos para cada mil mulheres.

Uma pesquisa recente, feita pelo Centro de Pesquisa Pew, descobriu que é cada vez maior o número de adultos que não pensam em ter filhos; mesmo antes da pandemia, quase metade dos condados já registrava mais mortes do que nascimentos. Além disso, a idade média em que os norte-americanos estão se casando e começando a ter filhos aumentou, contribuindo assim para o declínio da natalidade: em 2023, a idade média do primeiro casamento para elas era de 28 anos, ou seja, seis a mais do que na década de 80; a do nascimento do primeiro filho, a mesma coisa, subindo de 20 na época do “baby boom” para 27 em 2022.


O que ajuda a equilibrar um pouco a perda da população é a imigração, mas ainda assim os especialistas temem que o encolhimento geracional leve ao fechamento de escolas, ao emperramento do desenvolvimento econômico e ao crescimento do rombo de programas como a Seguridade Social. Vale notar, porém, que as análises dos motivos para a queda da natalidade não revelam uma alteração dramática no desejo de ter filhos.

“Muitos adolescentes e jovens de 20 e poucos anos ainda afirmam querer ter dois. O que acontece é que muitos deles não concretizam esse objetivo por causa das dificuldades impostas por fatores externos”, declarou Sarah Hayford, diretora do Instituto para Pesquisa Populacional da Universidade Estadual de Ohio.


Segundo Karen Benjamin Guzzo, demógrafa familiar da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, os dados das pesquisas sugerem que muitos adultos jovens querem alcançar determinado patamar econômico antes, como comprar um imóvel, saldar a dívida estudantil ou saber que podem arcar com as despesas geradas pelo cuidado infantil. “Alcançar esses objetivos está cada vez mais difícil, já que os valores da hipoteca dispararam e o preço da creche, por exemplo, subiu muito.”

Em 2021, JD Vance disse que "mulheres substituem os filhos por gatos de estimação" e foi duramente criticado Doug Mills/The New York Times - 27.07.2022

Ela prosseguiu: “Há menos mulheres dispostas a se dedicar integralmente à maternidade, e a falta de políticas públicas de apoio às famílias trabalhadoras – como a licença-maternidade remunerada e a garantia de acesso às creches – pode também levar muitos casais à conclusão de que não estão preparados para ser pais. A decisão de ter filhos, que a meu ver é o maior voto de confiança que se pode ter no futuro, também pode ficar comprometida pelo nível de otimismo das pessoas em relação à situação mundial. Atualmente, o que não falta são razões para pessimismo, incluindo a mudança climática, a violência armada e a pandemia recente.”

Para Hayford, a mudança em relação ao desejo de ser pai/mãe é que agora os jovens estão mais preocupados em oferecer “a melhor experiência possível” aos filhos. “Nas entrevistas que conduzi com adolescentes e jovens adultos, notei que eles enfatizam a importância de melhorar o nível próprio de paciência e controle da raiva para garantir que, um dia, vão suprir as necessidades emocionais de uma criança. Algumas pesquisas também sugerem que as gerações mais novas consideram a necessidade de valores financeiros mais altos quando se trata de criar um filho. Hoje em dia, as pessoas sabem que podem escolher; ninguém quer ser pai/mãe sabendo que talvez não consiga suprir as necessidades do filho.”

Como exatamente alterar a trajetória de declínio das taxas de natalidade ainda é um mistério, mas em 2023 Donald Trump levantou a ideia de oferecer um “bônus” para incentivar as famílias. “Há poucas provas de que uma política baseada em ‘recompensas’ se baste sozinha. O governo de outros países já tentou estimular a população com incentivos monetários/fiscais e planos de licença maternidade/paternidade generosos com poucos resultados, ou até nenhum. Como essa queda é consequência de uma série de problemas sociais, é preciso que a legislação mude para abordar questões mais amplas, como a dívida estudantil, a moradia inacessível, a licença maternidade/paternidade. Só assim haverá mudanças. Toda lei afeta a família, de um jeito ou de outro”, observou Guzzo.

c. 2024 The New York Times Company

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