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Mudança climática altera o mapa dos furacões nos EUA

O Helene fez mais de 230 vítimas em seis estados; as primeiras foram na Flórida, pelo menos 12 pessoas

Internacional|Jenna Russell, Emily Cochrane, Edgar Sandoval e Mark Barrett, do The New York Times

Mais de 175 pessoas morreram em seis estados como resultado do furacão Helene – pelo menos uma dúzia na Flórida Mike Belleme/The New York Times

Quando os alertas começaram a chegar, dias antes do que restara do furacão Helene, Kimberly Moody prestou atenção no que foi dito — e no que não foi. A tempestade ia ser terrível, isso ficou bem claro; Mesmo depois da destruição que atingiu boa parte de Black Mountain, cidadezinha da Carolina do Norte onde mora, e matou um amigo seu que foi arrastado para o Rio Swannanoa, Moody hesitou em apontar culpados, mas não consegue deixar de pensar que uma ordem de evacuação poderia ter ajudado a salvar vidas. “O alerta só disse que ficássemos em casa, longe das janelas, mas em momento algum recomendou que saíssemos. Da próxima vez, devem mandar todo mundo ir embora. Já se sabia que a tempestade seria terrível. E foi mesmo. Impiedosa”, disse Moody, funcionária da UPS de 53 anos.

Em toda a região interiorana arrasada pela força do Helene, que acabou matando várias pessoas, tanto a população como as autoridades levaram uma surra da realidade esta semana, com a maioria admitindo que jamais teria imaginado que os impactos de uma tempestade que caíra a centenas de quilômetros, no litoral da Flórida, fossem tão grandes, e poucos apostando nas evacuações como possível solução e/ou eliminação de riscos no caso de emergências climáticas futuras.

Entretanto, as reavaliações forçadas pela passagem do Helene na porção ocidental da Carolina do Norte e em outras áreas refletem o reconhecimento nacional cada vez mais amplo de que o planejamento emergencial precisa ser mais abrangente. Normalmente, é focado no litoral, onde essas tormentas costumam ter início, mas já se pede igual atenção aos riscos que correm os locais para onde elas se movimentam e perdem força.

O Helene fez mais de 230 vítimas em seis estados. As primeiras foram na Flórida – pelo menos 12 –, mas muita gente perdeu a vida em áreas do interior, onde os ventos fortes e as enchentes relâmpago acabaram com casas, lojas, estradas e pontes.


Moradores inspecionam os danos a uma estrada causados ​​pelas enchentes em Asheville, N.C. Loren Elliott/The New York Times

Tamanho estrago causado longe da costa por um furacão não é novidade nem surpresa – tampouco raridade, já que o clima mais quente sobrecarrega as tempestades com um volume de chuva muito maior. De acordo com o Centro Nacional de Furacões, mais da metade das mortes atribuídas aos ciclones tropicais entre 2013 e 2022 foi causada por enchentes no interior.

O que não mudou com a mesma rapidez foi a forma como os moradores dessas áreas encaram os riscos gerados pelos furacões e suas consequências. Muitos ainda minimizam os alertas, acreditando-se a uma distância segura dos piores perigos. “Está aumentando o número de mortes no interior por causa da atenção exacerbada ao litoral. É preciso deixar de se preocupar só com o lugar aonde a tempestade chega e entender que a depressão tropical posterior, que ocorre quando o furacão perde força, pode ser fatal na mesma proporção”, afirmou Craig Fugate, ex-diretor da Agência Federal de Gestão Emergencial.


Na Carolina do Norte, os gestores emergenciais estaduais e do condado enviaram diversos alertas aos celulares nas áreas de risco antes da chegada do Helene, incluindo todos os telefones dentro da área designada de cada torre, mas o terreno íngreme pode causar danos a essas estruturas e bloquear as mensagens, sem contar que os aparelhos mais antigos muitas vezes nem as recebem.

Alguns condados tomaram medidas extras, como Haywood, a oeste de Asheville, na Carolina do Norte. Segundo Allison Richmond, porta-voz dos serviços emergenciais, ali foram desenvolvidos protocolos novos depois das consequências terríveis da tempestade tropical Fred, três anos atrás, levando a uma preparação mais intensa desta vez.


Os procedimentos incluíram o contato presencial com os moradores das áreas mais remotas, onde o pessoal da emergência monitorou os instrumentos de medição fluviais recém-instalados e usou alto-falantes em caminhonetes e representantes hispanófonos para garantir que os alertas chegassem a toda parte. “Por causa da tempestade anterior, as pessoas ficaram mais atentas aos riscos e muita gente foi embora antecipadamente”, disse Richmond.

Destruição causada pelas enchentes em Clyde, N.C., no dia 2 de outubro de 2024 Loren Elliott/The New York Times

Uma inovação com capacidade de salvar vidas ainda não estava pronta quando o Helene passou: o novo sistema de sirenes que o condado adquiriu antes da última tempestade, mas que ainda não tinha sido instalado, para avisar os moradores da enchente iminente. “A meta de longo prazo é combinar as aferições fluviais com as sirenes para criar um esquema de segurança único – mas, antes disso, os medidores novinhos em folha, destruídos pelo Helene, terão de ser substituídos”, completou ela.

As autoridades de Canton, cidadezinha de 4.400 habitantes, pediram à população que levasse a tempestade a sério; o mesmo fez o noticiário local da TV – mas nem todos entenderam a urgência, e também não houve estímulo à evacuação geral. De fato, poucos moradores entrevistados ali e de outras comunidades seriamente afetadas disseram ter pensado em sair.

Alguns afirmaram que quiseram ficar para ajudar; muitos, avaliando as alternativas, decidiram que correriam mais perigo tentando escapar da tormenta pelas estradas sinuosas nas montanhas ou nas rodovias castigadas pela chuva. Outros admitiram não ter condições de viajar e pagar acomodação em outro lugar. “A grande maioria nem pensa em evacuar. Todo mundo trabalha, tem de ganhar a vida”, resumiu Davit Scott, de 70 anos, de Black Mountain, a 25 quilômetros de Asheville.

Família em meio a bens retirados de uma casa inundada durante os esforços de recuperação do furacão Helene em Canton, N.C., no dia 1º de outubro de 2024 Loren Elliott/The New York Times

Margaret Marshall, caixa de supermercado de 57 anos cuja casa em Candler, a 17 quilômetros de Asheville, foi poupada, descartou a possibilidade de ir com o marido para outra cidade como Charlotte, a duas horas de distância, para fugir do Helene. “Não temos para onde ir.”

Alguns locais, como o condado de Buncombe, onde fica Asheville, exigiram evacuações, com as recomendações mais brandas de saída na quinta-feira passada dando espaço para ordens mais rígidas na manhã de sexta, quando a parte mais intensa da tempestade atingiu a região. Fugate, por sua vez, declarou que espera mais discussões sobre o uso de ordens de evacuação obrigatória nas áreas de interior e o estabelecimento de uma comunicação mais explícita sobre os riscos ao público depois da passagem do Helene.

Na quarta passada, véspera da chegada do furacão à Flórida, os integrantes da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica alertaram para a possibilidade de “enchentes catastróficas e letais nas áreas de interior bem depois da chegada da tormenta”. O Serviço Meteorológico Nacional em Greenville-Spartanburg, na Carolina do Sul, arriscou uma tentativa própria de chamar a atenção dos moradores da região, postando um alerta sobre a possibilidade de “um evento extremamente raro com possível ocorrência de enchentes relâmpago”.

A previsão de enchentes nas regiões montanhosas pode ser difícil por causa da complexidade do terreno. “Precisamos de modelos melhores para facilitar a coleta de dados e fazer previsões com maior exatidão”, admitiu Vidya Samadi, professora assistente de engenharia de recursos hídricos da Universidade Clemson, responsável pela criação de rotas de evacuação de cheias.

Em locais como Canton, as autoridades, tendo adquirido uma nova consciência dos riscos, prometem continuar a desenvolver sistemas melhorados para planejamento de tempestades. “O mundo mudou. A porção ocidental da Carolina do Norte, a centenas de quilômetros do litoral, virou corredor de furacões”, concluiu o prefeito Zeb Smathers.

c. 2024 The New York Times Company

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