Museu Nacional inspira plano mundial de prevenção da Unesco
Trabalho da Unesco no museu, atingido por incêndio no início do mês, vai ser a base de um plano da entidade para prevenir problemas outros museus
Internacional|Da Ansa Brasil
A missão da Unesco no Museu Nacional do Rio de Janeiro, destruído por um incêndio no último dia 2 de setembro, servirá de base para o desenvolvimento de um programa mundial de prevenção contra desastres em instituições culturais.
Em entrevista exclusiva à ANSA, a italiana Cristina Menegazzi, que lidera a delegação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura enviada com urgência ao Brasil, contou que a entidade sugeriu ao governo uma rápida expedição por outros seis museus do Rio, incluindo o Arquivo Nacional, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes.
Leia também
UFRJ quer que Unesco atue no plano de restauração do Museu Nacional
Museu Nacional exibe parte do acervo ao público depois de incêndio
Museu Nacional: fiação exposta, gambás e cupins entre os alertas ignorados que anunciavam tragédia
Governo francês enviará especialistas em museus ao Rio de Janeiro
UFRJ fará busca ativa para novo acervo do Museu Nacional
O objetivo, segundo ela, é entender se há riscos nesses locais e se existe a necessidade de "esforços maiores" para evitar uma nova tragédia cultural na cidade. A partir dessa experiência, a Unesco buscará desenvolver um programa de prevenção para outros museus do Rio e do Brasil, para depois lançá-lo em nível internacional.
"Vamos tornar um projeto-piloto aquilo que vem sendo feito no Museu Nacional do Rio e depois trabalhar em uma cultura de prevenção nas outras situações patrimoniais", diz. A missão da Unesco foi solicitada pelo próprio governo brasileiro à diretora-geral da organização, Audrey Azoulay.
Menegazzi, a chefe da equipe, comanda desde 2014 o Programa de Salvaguarda de Emergência do Patrimônio Cultural Sírio, que foi devastado pelo Estado Islâmico durante a guerra civil no país. A italiana trouxe com ela dois alemães - um especialista em gestão de crises e uma restauradora - e um representante do Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais (Iccrom), baseado em Roma.
"É uma missão composta de maneira interdisciplinar para avaliar a situação de forma complementar", afirma Menegazzi. O grupo não teve acesso a todas as áreas do Museu Nacional, já que algumas seguem interditadas, mas o que puderam ver foi suficiente para constatar a extensão dos danos: todos os andares colapsaram, 80% do teto desabou, e as coleções botânicas e etnográficas foram dizimadas.
Nem tudo, no entanto, se perdeu. Alguns armários de metal usados para guardar itens paleontológicos aparentam bom estado, e ainda há esperança de encontrar sob os escombros objetos fragmentados e passíveis de serem recuperados. As coleções de pedras também resistiram.
Reconstrução
Após o incêndio de 2 de setembro, autoridades municipais, estaduais e nacionais prometeram agilidade para recuperar o Museu Nacional, mas Menegazzi destaca que esse processo não pode ser feito "com pressa".
De acordo com a especialista da Unesco, a única etapa que exige velocidade é a recuperação das peças da coleção sob os escombros, para se dar início à sua restauração. "Essa é uma parte que deve ser feita velozmente, até porque estamos entrando na estação das chuvas, o que pode complicar a identificação", afirma a italiana.
O próximo passo seria a reconstrução do edifício, que, segundo Menegazzi, pode ser facilitada pela farta documentação em poder do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). "Recuperar primeiro o recuperável e depois, pouco a pouco, fazer o trabalho de reconstrução", acrescenta.
Em paralelo, começa a parte mais delicada: a recomposição do acervo. Alguns itens são insubstituíveis, como o crânio de Luzia, o fóssil mais antigo das Américas e ainda desaparecido, porém parte da coleção pode ser reconstituída por meio de três frentes: recuperação e restauração de itens danificados; doações e empréstimos de museus com acervos similares pelo mundo e uso de tecnologia 3D para exibir itens perdidos.
"É um processo longo, lento, complexo, mas factível", explica Menegazzi. A missão liderada pela italiana parte no domingo (23), mas a Unesco, por meio de sua representação em Brasília, integrará uma força-tarefa para coordenar a reconstituição do Museu Nacional. A entidade terá um papel consultivo, "sobretudo na coordenação dos esforços internacionais".
"No Brasil não faltam especialistas e pessoas qualificadas, o que faltam são fundos para implantar aspectos mínimos para evitar catástrofes do tipo", alerta a especialista.