"Não quero que se machuquem": americanos relatam abusos a imigrantes na fronteira dos EUA
Segundo moradores de cidades que fazem fronteira com o México, governo tem tomado medidas que podem ferir e matar pessoas
Internacional|Edgar Sandoval
Dois anos atrás, quando o governador do Texas, Greg Abbott, anunciou uma iniciativa multibilionária para impedir que os imigrantes oriundos do México entrassem no estado, a cidade fronteiriça de Eagle Pass estava recebendo 1.200 pessoas por dia, e muitos moradores apreciaram a decisão.
Hugo Urbina, dono de uma fazenda de noz-pecã perto do rio Grande, não estava nem um pouco satisfeito com a movimentação constante de gente em sua propriedade, que às vezes chegava a dezenas de pessoas em um único dia. "Esse pessoal não pode ir chegando assim, aos milhares, sem que haja consequências", disse Urbina.
Jessie Fuentes, dono de uma empresa de aluguel de caiaques e canoas, não queria que os estrangeiros pensassem que as fronteiras de seu país fossem "abertas"; para o prefeito, Rolando Salinas Jr., a Patrulha de Fronteira estava sobrecarregada.
Longe demais
Com o tempo, porém, quando Abbott passou a testar os limites legais da ação estadual na questão imigratória — deslocando a Guarda Nacional e centenas de policiais da força texana para a divisa e instalando arame farpado e barreiras flutuantes ao longo do rio —, parte desse apoio popular parece ter começado a evaporar.
Os relatos recentes de feridos e de pelo menos duas mortes perto dos 300 metros de boias fluviais passaram a preocupar. "Ele foi longe demais", avaliou Fuentes.
A tática reforçada daquilo que o governo estadual chama de "operação de contenção" gerou críticas até dentro do próprio Departamento de Segurança Pública e Patrulha de Fronteira do Texas. Em entrevista, alguns moradores confessaram a sensação de que a cidade está sob cerco, com as tropas distribuídas ao longo das margens do rio para impedir os que tentam atravessar de prosseguir.
Em carta endereçada ao presidente Biden em julho, Abbott explicou que suas forças estavam protegendo a região da ameaça representada pelas drogas ilegais, pelo tráfico humano e pela violência dos cartéis, além de garantir a segurança de quem chega: "Sua política de abertura fronteiriça estimula os imigrantes a arriscar a vida, entrando ilegalmente pela água em vez de optar pelos portais, seguros e legais".
Estrela Solitária
Em Eagle Pass, as autoridades estaduais já deixaram clara a intenção de prosseguir com a operação, pelo menos nas margens do rio, enquanto acharem que for necessário. "Há a expectativa de que os donos de terras que a princípio concordaram com a iniciativa mantenham a propriedade aberta até sua conclusão. Dito isso, não há definição sobre o prazo de conclusão da Operação Estrela Solitária", disse o tenente Christopher Olivarez, porta-voz do departamento de segurança.
Acontece que muitos moradores cuja propriedade se encontra perto do rio Grande reclamam dos excessos dos agentes. "No começo, concordei em cooperar, sim, mas com o tempo fui vendo, pasmo, os oficiais assumirem o controle de tudo", confirmou Urbina.
A administração do abrigo local revelou que muitos imigrantes estão chegando com ferimentos e cortes feios, causados pelo arame farpado, e Urbina se sente incomodado com o fato de parte desses incidentes acontecer em sua propriedade. "Não quero que ninguém se machuque."
Até as autoridades municipais já se mostram menos receptivas. Salinas, o prefeito, que já chegou a proclamar publicamente seu apoio à Operação Estrela Solitária e continua defendendo uma presença policial mais robusta na fronteira, revelou-se contrário às táticas agressivas que vêm sendo usadas ultimamente.
O prefeito explicou que, embora a princípio tenha permitido que a polícia estadual patrulhasse Shelby Park, que é propriedade municipal, percebeu que os moradores, impossibilitados de desfrutar o parque, começaram a pressionar os vereadores para que a licença fosse revogada.
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Salinas afirmou ter negado o pedido recente feito pelo governo estadual para a construção de um portão na rampa de barcos próxima ao rio. "Disseram que estavam perguntando por educação, mas que iam instalá-lo de qualquer maneira porque obedeciam ao governador e ao estado de emergência declarado por ele."
“As decisões sobre a questão imigratória têm de vir de Washington, e não do estado, que está oferecendo mais do que uma segurança reforçada na região fronteiriça. Em nível local, não temos soluções; o governo federal é que precisa fazer uma reforma, e isso vem sendo discutido há pelo menos 30 anos”, disse Salinas.