No Brasil, 84% dos refugiados querem ficar definitivamente
Estudo da ONU revela o perfil socioeconômico das pessoas refugiadas no país. Em entrevista, porta-voz da entidade comenta dificuldades e potenciais
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Dos refugiados que vivem no Brasil hoje, 84% desejam permanecer definitivamente. O dado é de um estudo inédito do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) sobre o perfil socioeconômico de pessoas refugiadas no país, divulgado nesta quinta-feira (30).
Segundo o órgão, para o levantamento foram realizadas 487 entrevistas nos oito estados brasileiros que mais acolhem refugiados — 84% dos que responderam à pesquisa também disseram que fariam uma nova solicitação de refúgio mesmo após conhecer a realidade do Brasil.
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“O que esses números traduzem é o sentimento de integração dessas pessoas no Brasil. Há outros dados que apontam isso, inclusive — 20,5% dos entrevistados revelam possuir um relacionamento afetivo com brasileiros e 91% afirmam ter amigos brasileiros. Isso mostra que os refugiados estão construindo suas vidas no país com bases sólidas e se sentem confortáveis e seguros em permanecer aqui”, afirma Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Acnur no Brasil, em entrevista ao R7.
As nacionalidades dos entrevistados incluem Síria, República Democrática do Congo, Angola e Colômbia — os venezuelanos não foram incluídos porque o estudo se restringiu às pessoas já reconhecidas como refugiadas pelo governo brasileiro.
Venezuelanos e documentação
De acordo com Godinho, é ainda difícil fazer alguma previsão sobre o futuro dos venezuelanos no Brasil — e seu eventual status de refúgio — porque muitos dos desdobramentos dependem do que vai acontecer na própria Venezuela. O vizinho sul-americano vive o colapso econômico e mergulha na pior crise humanitária de sua história.
O porta-voz do Acnur lembra que a migração dos venezuelanos para o Brasil elevou a questão das solicitações de refúgio no país a um novo patamar. “Há 100.000 solicitações de refúgio venezuelanos pendentes de análise no Brasil”, aponta.
“Nossa legislação para o refúgio é considerada moderna — garante ao refugiado o direito a todos os serviços públicos e a continuar sua vida aqui com suporte do governo —, mas nós sabemos que o comitê que analisa os pedidos precisa aumentar sua capacidade. O Acnur tem trabalhado com as autoridades para melhorar essa questão”, completa.
Mercado de trabalho
No que diz respeito à documentação dos refugiados, quase a totalidade (99%) dos que participaram do levantamento dispõe de CPF, enquanto 92% contam com RNE (Registro Nacional de Estrangeiro) e 84% têm carteira de trabalho. Mais da metade (57,5%) disse estar trabalhando, ao passo que 19,5% estão procurando trabalho e 5,7% se encontram desocupados.
Uma das principais dificuldades encontradas pelos refugiados em relação ao mercado de trabalho é a revalidação do diploma — 30% dos que responderam à pesquisa do Acnur concluíram o Ensino Superior. Dos 487 entrevistados, contudo, apenas 14 revalidaram seus diplomas, enquanto 133 tentaram sem conseguir.
“A revalidação do diploma é um processo burocrático e nós reconhecemos que existe aí uma deficiência. Muitos dos que chegam ao Brasil com diplomas de médicos, advogados, engenheiros, etc. não têm sua formação reconhecida e acabam por não trabalhar em sua área de especialidade — e aí seus ganhos ficam fora do padrão ao qual estavam acostumados”, detalha o porta-voz do Acnur.
Ao menos 395 dos participantes da pesquisa declararam sua renda mensal e, entre eles, 79,5% afirmaram ter rendimentos inferiores a R$ 3.000,00. Menos de 4% disseram ganhar acima de R$ 5.000,00.
“Por outro lado, 79,3% falaram que têm disposição para empreender e 22% já estão em atividades empresariais. É um número relevante que mostra não só a capacidade de empreendedorismo dessas pessoas, como implica que elas estão gerando impostos e, às vezes, até empregando brasileiros. Deve-se reconhecer o potencial dos refugiados de contribuir para a sociedade e a economia que os acolheram”, diz Godinho.
Atividades e políticas públicas
Para o porta-voz, o estudo do Acnur sobre o perfil socioeconômico dos refugiados se mostra importante por dois motivos principais: “Primeiro, porque o nosso trabalho tem um caráter emergencial que é o de garantir que essas pessoas tenham acesso ao território, mas, às vezes, esquecemos de acompanhar a vida dos refugiados depois de seu reconhecimento. Este é um ponto importante”, avalia.
“Depois, a pesquisa é fundamental para que se possa subsidiar — a partir das conclusões — não só políticas públicas como atividades e programas de enfrentamento às dificuldades identificadas. Discriminação, acesso ao mercado de trabalho e o aprendizado do português são algumas delas”, finaliza.