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No centenário de Mandela, luta contra racismo continua atual

O líder sul-africano, com seu rosto tranquilo e voz calma, ensinou as pessoas que o racismo deveria ser substituído pelo amor

Internacional|Beatriz Sanz, do R7

Mandela é um dos grandes símbolos da luta contra o racismo no mundo
Mandela é um dos grandes símbolos da luta contra o racismo no mundo Scott Barbour/Getty Images

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar".

Nelson Mandela, o homem que pregou o amor ao invés do racismo faria 100 anos nesta quarta-feira (18). E a África do Sul está em festa nesta quarta-feira.

Em homenagem ao "Tata" (Pai, em tradução livre do xhosa), diversas celebrações estão acontecendo durante toda a semana.

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Chefe respeitado


Mandela, nasceu no interior do país, em Mvezo. Se tivesse continuado na vila, "hoje seria um chefe muito respeitado, sabe? Teria uma barriga bem grande, muitas vacas e carneiros", escreveu em seu livro de memórias "Conversas que tive comigo".

Essa, no entanto, não foi a vida que Mandela escolheu para si mesmo. Ele preferiu partir em busca da cidade grande, onde tornou-se um dos maiores nomes do século XX.


Luta segue viva

A trajetória de Mandela, ainda hoje, é marcada pela luta contra o preconceito racial. Ele se deu conta da brutalidade do racismo na juventude, quando já estava vivendo em Joanesburgo. Foi então que entrou para o CNA (Congresso Nacional Africano).


Para o professor de Relações Internacionais da UERJ, Maurício Santoro, a figura de Mandela continua a ser representativa na luta contra o racismo, por mais que ela tenha assumido novas formas.

Na época em que Mandela surgiu como símbolo, muitos países africanos estavam em luta contra os colonizadores europeus, em busca da independência. Mesmo que a África do Sul já se encontrasse em outro patamar, Mandela tornou-se um ícone desta luta.

"A luta contra o racismo ainda tem um impacto muito grande, mas agora ela está mas voltada para questões de imigração", ressalta o professor.

Santoro acredita que, na atualidade, o racismo não está presente de formas institucionalizadas, como foi o caso do Apartheid. Agora, ele se manifesta em "questões relativas a lacunas de poder, da brutalidade policial e da diferenças de salário" entre pessoas brancas e negras.

O regime do Apartheid

A África do Sul foi colonizada por britânicos e holandeses. A presença dos colonizadores era pequena, se comparada à população local, mas isso não impediu que, no começo do século XX, leis que dividiam o país entre negros e brancos, favorecendo o segundo grupo, fossem aprovadas.

A primeira lei deste período estipulava que as pessoas brancas teriam o domínio da maior parte da terra cultivável do país, cerca de 92,7% da terra era de posse dos brancos. Para os negros ficava reservado apenas 7,5% da terra. Pessoas consideradas “mestiças” não tinham direito à terra.

Leis semelhantes continuaram a ser aprovadas, até que, em 1948, o Apartheid foi definido como política institucional do país.

Mandela fugiu da vida na aldeia para ganhar o mundo
Mandela fugiu da vida na aldeia para ganhar o mundo

Nesta África do Sul dividida, brancos e negros não tinham acesso aos mesmos serviços de educação, saúde e nem mesmo podiam se casar.

Líder em um país partido

Foi neste país, partido pelas desigualdades que Mandela viveu. Mas ele não se conformou e lutou contra elas.

Após recusar se tornar um líder estudantil na Universidade Fort Hare, a primeira que frequentou, Mandela se mudou para Joanesburgo.

Foi ali, na capital do país, que Mandela teve contato com o CNA. E começou a atuar na militância.

No início, ele fazia parte da ala que defendia estratégias de resistência não violentas.

No entanto, à medida que aumentava a violência do Estado contra as pessoas negras, ele se viu obrigado a mudar de posição.

Mandela ajudou a fundar e participou ativamente da criação do Umkhonto we Sizwe (Lança de uma Nação, em tradução livre do xhosa), o braço armado do CNA, também conhecido pela sigla MK.

Vigiado pela CIA

Sua liderança chamou tanta atenção que assim como os líderes dos movimentos de direitos civis nos EUA, Martin Luther King, Malcolm X e Medgar Evers, Mandela passou a ser vigiado pela CIA.

Santoro destaca que a figura de Mandela surgiu no mesmo momento em que os Estados Unidos também viviam uma política de segregação racial. Por isso, os líderes negros norte-americanos estavam observando atentamente tudo o que se passava na África, em busca de inspiração.

Portanto, Mandela pode ser considerado "uma das grandes referências na luta antirracista no século XX", segundo o professor

Prisão perpétua

Em 1964, Mandela já estava acostumando a viver na clandestinidade. Fugitivo, ele já havia viajado para outros países da África e até mesmo para o Reino Unido para denunciar a situação vivida pelos negros sul-africanos.

Então chegou a decisão que fez com suas denúncias internacionais fossem interrompidas. Uma condenação à prisão perpétua por traição.

Na cadeia, Mandela foi confinado e mal podia receber visitas. Sua própria mãe morreu acreditando que ele fosse um criminoso.

Sua esposa na época, Winnie Mandela — uma mulher tão atuante quanto ele na luta contra a segregação racial, ela mesma presa diversas vezes — também não conseguia vê-lo mais que uma vez por ano.

Ele não estava autorizado sequer a receber informações do mundo exterior e jornais não chegavam até a prisão.

Com o tempo, Mandela se interessou por aprender o africâner, idioma falado principalmente pelos brancos na África do Sul. As pressões do governo contra ele também foram diminuindo, ao mesmo tempo que a pressão de instituições internacionais pela sua liberdade, aumentavam e ele recebia homenagens em vários lugares do mundo, mesmo estando preso.

A imagem de Mandela saindo da prisão com o punho erguido se tornou universal
A imagem de Mandela saindo da prisão com o punho erguido se tornou universal

Enquanto isso, a intolerância em relação ao Apartheid em todo o mundo crescia. A ONU chegou a aprovar sanções contra a África do Sul na esperança de que o sistema de segregação acabasse.

Mas foi apenas quando o CNA, que estava proibido no país, ameaçou aumentar o nível de violência que os governantes brancos decidiram negociar.

Neste momento, Mandela parecia o interlocutor ideal, já que a cadeia tinha reduzido seu radicalismo e ele possuía até mesmo um diploma de curso superior.

Com a chegada de Frederik de Klerk ao poder, em 1989, as negociações para a soltura de Mandela avançam. No ano seguinte, o líder é posto em liberdade.

O professor da UERJ define que Mandela é um líder completo. "Ele foi um militante de base, que estava ali organizando greve, passou pela luta armada, foi preso e chegou a presidência do país. É uma vida que passou por todos os ciclos da trajetória política", garante.

Legado

Após ganhar o Nobel da Paz, em 1993 e ser eleito presidente no ano seguinte, Mandela se tornou um dos líderes mais conhecidos do planeta.

Sua morte, em 2013, consternou o mundo inteiro. Mandela, com seu rosto tranquilo, ensinou as pessoas que o racismo deveria ser substituído pelo amor.

Ainda assim, Santoro acredita que Mandela seja menos conhecido do que deveria e por isso é ainda mais necessário estudar a contribuição dele como político, bem como de todo o continente africano.

"Temos no Brasil uma lei (a lei 10639/3) que determina o ensino de cultura africana e afro-brasileira nas escolas, mas que não é cumprida por falta de profissionais qualificados. Aqui mesmo na UERJ, onde dou aula, temos agora um cartaz em homenagem ao Mandela, mas é apenas o cartaz. Nenhuma conferência sobre ele ou sobre a África foi anunciada".

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