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O apelo dos vídeos virais feitos por estudantes está incitando a violência nas escolas dos EUA

Em todo o país, a tecnologia centrada nos celulares tem alimentado as brigas, interrompendo aulas e prejudicando o aprendizado

Internacional|Natasha Singer, do The New York Times

Ricardo Martinez, um veterano da Revere High School, disse que ficou horrorizado ao ver multidões de estudantes correndo para filmar uma briga no refeitório da escola Tony Luong/The New York Times - 15.12.2024

Em abril do ano passado, Ricardo Martinez, aluno do segundo ano do ensino médio, estava no refeitório da escola em que estuda quando uma briga generalizada começou. Horrorizado, ele assistiu à destruição da cantina por uma dúzia de adolescentes que trocavam socos e chutes, derrubando mesas e cadeiras. Outros alunos vaiavam e se empurravam para gravar a briga com o celular. “Parecia uma enxurrada de vídeos. Todo mundo tentava conseguir o melhor ângulo”, disse Martinez, que agora tem 18 anos e cursa o último ano.

Mas o tumulto na Escola de Ensino Médio de Revere, em Massachusetts, estava só começando. Em questão de minutos, alunos em outras partes do prédio começaram a receber mensagens de texto sobre a briga no refeitório. De repente, segundo o relato dos professores, dezenas de adolescentes enfurecidos começaram a correr pelos corredores e descer as escadas a toda a velocidade com o celular para chegar até o local do confronto.

Para impedir que mais pessoas invadissem o refeitório, a escola posicionou membros da equipe na entrada do local e emitiu uma ordem de “retenção” para manter os alunos dentro das salas de aula. Os administradores chamaram a polícia para ajudar a restabelecer a ordem. A escola anunciou que, por fim, suspendeu 17 alunos envolvidos na briga.

Em todos os Estados Unidos, a tecnologia centrada nos celulares – na forma de mensagens de texto, vídeos e redes sociais – tem alimentado e, às vezes, intensificado as brigas, interrompendo as atividades escolares e prejudicando o aprendizado. Os vídeos desses confrontos costumam desencadear ciclos novos de bullying cibernético, agressão verbal e violência entre os alunos.


A Revere High School, que foi abalada pela disseminação de vídeos de brigas entre estudantes Tony Luong/The New York Times - 15.12.2024

Uma análise feita pelo “The New York Times” de mais de 400 vídeos de brigas em escolas da Califórnia, da Geórgia, do Texas e de uma dúzia de outros estados – assim como entrevistas com mais de 35 administradores escolares, professores, policiais, alunos, pais e pesquisadores – revelou um padrão entre os alunos do ensino fundamental e médio que usam os celulares e as redes sociais para organizar, provocar, capturar e divulgar imagens de espancamentos brutais entre seus colegas. Em alguns casos, os estudantes acabaram morrendo em consequência dos ferimentos.

Cada vez mais, a tecnologia tem incentivado e amplificado cada etapa dessas agressões. Educadores e policiais afirmaram que as discussões geralmente começam com o bullying cibernético entre os alunos – ou até mesmo com a percepção de uma falta de respeito nas redes sociais entre amigos –, o que gera disputas presenciais durante as aulas. Depois os colegas começam a filmar e pressionar os envolvidos a brigar. Mais tarde, os alunos compartilham e comentam os vídeos do confronto, humilhando ainda mais as vítimas e, às vezes, desencadeando novos conflitos.


A violência vem se espalhando por alguns dos maiores distritos escolares do país, incluindo Los Angeles; Búfalo, em Nova York; o condado de Jefferson, no Kentucky; e o condado de Prince George, em Maryland, de acordo com a análise do “Times” e de sistemas escolares menores.

Em alguns casos, as escolas foram sobrecarregadas pelo ciclo de violência. Atualmente, alguns distritos enfrentam processos por negligência movidos pelos pais e outros estão sofrendo um êxodo de professores. Dezenas de distritos processaram empresas de redes sociais, alegando que os recursos “viciantes” das plataformas incentivam o uso compulsivo pelos estudantes, interrompendo o aprendizado e sobrecarregando os recursos escolares.


Administradores de escolas comentaram que agora dedicam uma parte significativa de seu trabalho a tentar impedir ou reverter brigas de alunos alimentadas pela tecnologia. “O celular e a tecnologia são a principal fonte para instigar brigas, promovê-las, documentá-las – e quase glorificá-las. É um problema enorme”, disse Kelly Stewart, vice-diretora da Escola de Ensino Médio Juneau-Douglas, em Juneau, no Alasca.

Um portal para o caos

Os estudantes usam as redes sociais para planejar e incitar a violência escolar desde os anos 2000. Na última década, a maior qualidade das câmeras dos celulares e as novas funções sociais, como as transmissões ao vivo e os Reels do Instagram, ajudaram a incentivar os adolescentes a produzir, transmitir e compartilhar vídeos em massa, incluindo gravações de brigas escolares. Em 2020, surgiram no Instagram e no TikTok contas dedicadas a vídeos de brigas, criadas com o nome ou com as iniciais das escolas de ensino fundamental e médio. Em algumas ocasiões, os alunos organizavam brigas entre si e convidavam os amigos para gravá-las. Em outras, atacavam colegas desprevenidos.

Erta Ismahili afirma que os vídeos de brigas na escola podem espalhar informações erradas e gerar medo Tony Luong/The New York Times - 24.10.2024

Durante a pandemia, muitos estudantes ficaram mais dependentes de aplicativos de mensagens e redes sociais e a se sentir menos confortáveis com as interações presenciais. Diretores e professores informaram que alguns alunos também desenvolveram dificuldades para controlar suas emoções – problema de saúde mental que os psicólogos chamam de “desregulação emocional”.

Em 2021, com a reabertura de muitas escolas para o ensino presencial, algumas instituições registraram um aumento nas brigas, nas agressões e no bullying cibernético entre os alunos. No sistema público de Los Angeles, os confrontos mais que dobraram – de aproximadamente 2.300 em 2018 para quase 4.800 em 2023, segundo um relatório de segurança do distrito.

O uso da tecnologia pelos estudantes para disseminar a violência escolar causou outros danos. Educadores e policiais apontaram que influenciadores de redes sociais e programas de TV com frequência divulgam vídeos de brigas escolares, o que angustia os alunos e provoca mais caos.

Em maio, várias meninas que planejavam agredir uma colega em uma escola em Novato, na Califórnia, fizeram um vídeo no Instagram antes do ataque, discutindo quem ficaria de vigia ou guardaria as mochilas durante a briga, relatou o tenente Alan Bates, do Departamento de Polícia de Novato. Os vídeos da agressão, divulgados por programas de TV locais, mostravam várias meninas batendo em outra que estava no chão, enquanto uma multidão de estudantes ria e gravava. Depois, a polícia de Novato acusou oito meninas, com idade entre 12 e 14 anos, de conspirar para cometer uma agressão. Quatro delas também enfrentaram acusações de agressão criminosa. “A agressão começa com a tecnologia, continua com o planejamento nas plataformas e culmina no confronto físico”, observou Bates.

O grande número de alunos filmando também coloca em risco seus colegas, disse Chris Heagarty, presidente do conselho escolar do Sistema de Escolas Públicas do condado de Wake, em Cary, na Carolina do Norte. Ele mencionou que, em novembro de 2023, os estudantes que gravavam uma briga no ginásio de uma escola impediram que os administradores intervissem. Dois meninos foram esfaqueados. Um, de 15 anos, acabou não resistindo e morreu. “Havia tantos estudantes amontoados gravando com o celular, postando nas redes sociais, tentando captar as melhores imagens, que colocaram a si mesmos e aos outros em risco”, afirmou Heagarty. Um vídeo da confusão, publicado no X em fevereiro, teve mais de 660 mil visualizações.

Lunna Guerrero disse que compartilhar e discutir vídeos de luta se tornou uma parte regular da rotina escolar Tony Luong/The New York Times - 15.12.2024

Em abril do ano passado, as escolas do condado de Wake – o 14º maior distrito escolar do país – apresentaram uma processo judicial acusando o Instagram, o TikTok e outras plataformas de negligência e de interferência no funcionamento das escolas. O TikTok declarou que proíbe a divulgação de violência e retira ativamente conteúdos que a promovem. O Snap garantiu que não permite violência explícita e que remove as contas que compartilham esse tipo de conteúdo. A Meta, proprietária do Instagram, disse que a plataforma não permite o bullying e que apaga conteúdos que mostram assédio físico. Em novembro, o Instagram removeu 16 contas de brigas escolares, apontadas pelo “Times”, por violação de políticas da empresa.

Algumas famílias culpam as escolas por não conseguir proteger os alunos e processaram seu distrito por negligência. Em janeiro do ano passado, os pais de Adriana Kuch moveram uma ação contra o Distrito Escolar Regional Central de Bayville, em Nova Jersey, afirmando que a estudante do nono ano do ensino fundamental havia sido agredida por duas meninas no corredor da escola. Alguns estudantes publicaram no TikTok um vídeo da agressão, cometida em fevereiro de 2023, submetendo Kuch a um intenso bullying cibernético. Dois dias depois da agressão, ela se suicidou “como resultado do sofrimento emocional, da humilhação e do constrangimento que experimentou”, de acordo com o processo apresentado no Tribunal Superior do condado de Ocean, em Nova Jersey. Em abril de 2024, o distrito escolar apresentou um documento judicial em que negava as acusações. O distrito não respondeu a um pedido de comentário.

De acordo com autoridades escolares, as mudanças rápidas nos hábitos tecnológicos dos jovens complicaram a prevenção e a contenção das agressões entre os estudantes. Muitos agora usam canais mais privados – como o Snapchat, o iMessage e o AirDrop, sistema sem fio da Apple para compartilhar arquivos – para organizar e compartilhar brigas, em vez do Instagram ou do TikTok. “Agora, os alunos podem estar discutindo entre si, ou se assediando, durante dias ou semanas na internet, o que fica oculto para o pessoal que normalmente trabalharia para reduzir os conflitos”, escreveu em um e-mail Christopher Bowen, diretor da Escola de Ensino Médio de Revere.

Muitas escolas carecem de uma estratégia para lidar com essa violência – ou para ajudar os alunos a interagir de maneira mais positiva na internet –, em parte porque poucos pesquisadores estudam o problema, apontou Desmond Upton Patton, professor da Universidade da Pensilvânia especializado em redes sociais e violência de gangues. “O que representaria para um jovem entender que zombar e filmar a surra de um amigo ou colega pode levar à morte dele?”

E embora o uso de mensagens de texto, redes sociais e vídeos para divulgar a violência possa alarmar os adultos, os estudantes comentaram que isso está se tornando habitual na escola. “Os jovens estão muito acostumados com isso. Não veem como uma coisa tão surpreendente quanto os adultos”, disse Lunna Guerrero, de 16 anos, estudante do primeiro ano da escola Revere, que em 2023 fez parte da equipe de atletismo. Outros estavam preocupados com o fato de que os vídeos podem dessensibilizar os alunos em relação à violência. “As brigas imediatamente se tornam entretenimento. Não existe um pingo de culpa ou empatia”, afirmou Endurance Nkeh, de 17 anos, estudante do terceiro ano da escola Revere.

‘Guardem os telefones! Chega!’

Inaugurada em 1974, a Escola de Ensino Médio de Revere é um prédio de três andares com um mosaico na parede do saguão que celebra homens pioneiros, como Leonardo da Vinci e Michelangelo, lembrança da herança ítalo-americana da cidade. O estabelecimento de ensino, nos arredores de Boston, tem sido durante anos um motor de mobilidade social para as famílias locais, oferecendo cursos avançados e aulas da faculdade comunitária.

Na última década, o número de matrículas cresceu de aproximadamente 1.700 alunos para 2.100, com a escola sentindo os efeitos do aumento da imigração de regiões como a América Central. Em 2018, um relatório estadual de prestação de contas sobre o distrito escolar apontou que a Revere tinha “salas superlotadas”, instalações científicas “inadequadas” e uma alta taxa de abstenção crônica.

Em 2021, quando a instituição reabriu durante a pandemia, muitos alunos tiveram dificuldade para se readaptar ao ensino presencial. Centenas ficavam fora das aulas, vagando pela escola, com frequência se reunindo no ginásio, segundo os professores. Durante os primeiros meses do ano letivo de 2021-22, houve várias brigas entre os estudantes.

Os problemas se agravaram em junho de 2023, quando uma discussão durante o horário de almoço estourou – prelúdio para a grande briga no refeitório quase um ano depois, que levou à suspensão de 17 alunos. “Os estudantes que filmaram e enviaram mensagens para seus amigos intensificaram a briga de 2023. Era uma quantidade enorme de jovens. Se você estivesse no caminho deles, seria empurrado ou atropelado”, disse Michelle Ervin, que ensina inglês como segunda língua e que também é copresidente do sindicato dos professores locais.

A notícia daquela disputa se espalhou depressa, gerando boatos falsos nas redes sociais – por adultos – de que fora cometido um esfaqueamento. Em um e-mail enviado para toda a escola naquele mesmo dia, Bowen escreveu que o pânico dos pais em razão da desinformação impediu que os administradores e policiais lidassem com “uma situação muito caótica”.

Mas a simples presença das câmeras foi suficiente para incitar uma briga. Um vídeo do último ano letivo, fornecido ao “Times” por um aluno da Revere, começava com uma garota caminhando por um corredor, entre fileiras de armários de cor ocre, em direção a outra garota com quem se preparava para brigar. Uma professora que estava no corredor se interpôs entre as meninas, as duas do nono ano, e perguntou: “O que está acontecendo aqui?” Então, a educadora, percebendo que a briga era iminente, gritou para um colega: “Você pode chamar um administrador, por favor? Imediatamente!” Segundos depois, o vídeo mostrava as duas garotas se socando. “Parem!”, disse a professora. Em seguida, ela se virou para o grupo de alunos que filmavam e gritou: “Guardem os telefones! Chega!”

Bowen disse que os alunos costumam ignorar ou rejeitar os esforços da equipe da escola para intervir, porque os estudantes podem “ver o público” de colegas filmando. “Eles sentem uma necessidade maior de manter as aparências.”

‘É como brincar de telefone sem fio’

Em agosto, antes do novo ano letivo, Bowen anunciou uma política nova de aprendizado “livre de telefones”, que obrigava os alunos a manter o celular desligado durante o período em que estavam na escola, exceto na hora do almoço. Mas, no terceiro dia de aula, antes que a escola começasse a aplicar as regras novas sobre os telefones, outra briga estourou no corredor, dessa vez entre um grupo de garotos.

No meio do caos, segundo mostram os vídeos dos alunos, um garoto empurrou uma vice-diretora contra os armários, fazendo-a cair no chão. Os estudantes compartilharam a cena com seus amigos. Erta Ismahili, aluna do último ano, que preside o grêmio estudantil da Revere, contou que não demorou a saber do incidente, porque seus colegas perguntavam: “Você já viu o vídeo da briga?” “É como brincar de telefone sem fio”, comentou Ismahili, de 18 anos.

Naquela tarde, uma segunda briga, na qual participaram mais de uma dúzia de garotos, incluindo quatro que haviam iniciado o conflito no corredor da escola naquele mesmo dia, estourou em ruas residenciais perto da escola. David Callahan, chefe do Departamento de Polícia de Revere, disse que o fato de os alunos terem compartilhado notícias sobre a briga na escola contribuiu para desencadear o conflito na rua: “Se não fosse pelas redes sociais, pelas mensagens de texto e pelo uso de celulares na escola, provavelmente não teriam estado lá.”

Em grupos comunitários locais no Facebook, alguns adultos disseram que a imigração é a culpada pela violência, desqualificando os alunos da Revere como “animais”. Várias emissoras de notícias de Boston também divulgaram os vídeos, causando um alvoroço.

O Conselho Municipal de Revere fez uma reunião e propôs que a escola instalasse detectores de metais. O sindicato de professores da cidade advertiu que as escolas locais são inseguras e pediu mais conselheiros para lidar com os problemas de saúde mental dos alunos. Dianne Kelly, superintendente das escolas do município, declarou que o sindicato estava espalhando desinformação e explorando as brigas para ajudar os professores a negociar um novo contrato.

Por fim, a escola de ensino médio expulsou 12 estudantes. Ainda assim, os alunos da Revere disseram que alguns adultos pareciam mais determinados a tentar conter o dano à reputação do que a examinar as causas subjacentes da violência escolar ou a implantar programas para auxiliar o desenvolvimento dos alunos.

Ismahili, que recentemente terminou um programa de preparação profissional na Universidade de Princeton para estudantes de baixa renda, afirmou que também se preocupa com a retórica anti-imigrante que cerca as brigas. Em seus comentários públicos na reunião do Conselho Municipal, descreveu a exploração dos vídeos das brigas por parte dos adultos como profundamente prejudicial. “Em vez de os adultos se preocuparem com nossa saúde como um todo, nossa saúde mental ou como estávamos nos sentindo, eles nos chamaram de animais”, comentou Ismahili, cujos pais são albaneses.

Em um e-mail, as Escolas Públicas de Revere disseram que os comentários nas redes sociais haviam acrescentado “uma camada de racismo” à briga, na qual participaram adolescentes “de muitas raças e etnias diferentes”.

Em setembro, a Escola de Ensino Médio de Revere contratou um policial escolar a mais, totalizando dois. E os professores começaram a impor a proibição de usar o celular em sala de aula. As brigas diminuíram – pelo menos por enquanto.

c. 2025 The New York Times Company

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