O que acontece agora com o Canadá após a renúncia de Justin Trudeau
No cargo desde 2015, Trudeau enfrentou resistência no parlamento e baixa popularidade devido à inflação
Internacional|Do R7
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, anunciou sua renúncia em uma entrevista coletiva para a imprensa nesta segunda-feira, 6. A decisão ocorreu em meio a uma crise no Partido Liberal, legenda de Trudeau, que levou o primeiro-ministro a perder apoio no parlamento.
“Pretendo renunciar ao cargo de líder do partido como primeiro-ministro, depois que o partido selecionar seu próximo líder por meio de um processo competitivo nacional robusto. Este país merece uma escolha real nas próximas eleições, e ficou claro para mim que se eu tiver que travar batalhas internas, não posso ser a melhor opção nessas eleições”, disse Trudeau.
O premiê afirmou que o parlamento tem sido “tomado por obstrução e total falta de produtividade” nos últimos meses. “É hora de reiniciar e baixar a temperatura, para que as pessoas tenham um novo começo no parlamento, para que possam navegar por esses tempos complexos.”
O anúncio, realizado no Rideau Cottage, residência temporária de Trudeau, marcou a primeira vez que o primeiro-ministro se pronunciou e respondeu a perguntas de jornalistas desde novembro.
O que esperar daqui em diante?
Trudeau deve seguir, ao menos por um tempo, como líder da sigla e premiê, e os liberais iniciarão processo eleitoral interno para decidir quem será o novo líder e, portanto, o novo primeiro-ministro. As disputas pela liderança do partido geralmente levam meses para serem organizadas e, mesmo que o partido acelere o processo, Trudeau não deve deixar o cargo tão cedo.
A saída de Trudeau do cargo ocorre em um ano eleitoral para os canadenses. Novas eleições precisam ser convocadas até outubro, segundo as regras eleitorais. Atualmente, o Partido Liberal está atrás do Partido Conservador nas pesquisas e a popularidade de Trudeau despencou nos últimos meses.
Na esteira da renúncia, o Partido Liberal precisa encontrar um novo líder para disputar as eleições gerais, enquanto as pesquisas apontam para uma possível derrota da legenda para os conservadores. A aliança dos liberais possui sete postulantes ao cargo, segundo apuração da BBC.
A ex-vice-primeira-ministra, Chrystia Freeland, que se indispôs com Trudeau em novembro ao renunciar, é uma das mais cotadas para assumir o gabinete. Como ministra das Relações Exteriores, ela ajudou o Canadá a renegociar um acordo de livre comércio com os EUA e o México. Mais tarde, ela foi nomeada vice-primeira-ministra e ministra das Finanças — a primeira mulher a ocupar o cargo — e supervisionou a resposta financeira do Canadá à pandemia de Covid.
O firme apoio de Freeland à Ucrânia recebeu elogios de alguns setores e líderes internacionais, mas também recebeu sua cota de críticas pelo apoio, incluindo Donald Trump, que recentemente a chamou de “tóxica”.
O ex- presidente do Banco do Canadá, Mark Carney, também é um dos cotados ao cargo. O próprio Trudeau admitiu que há muito tempo tenta recrutar Mark Carney para sua equipe, na pasta das Finanças..
A ministra dos transportes, Anita Anand, a ministra das Relações Exteriores, Mélanie Joly, o ministro das Finanças, Dominic LeBlanc, e a ex-primeira-ministra da Colúmbia Britânica, Christy Clark, também são cotados para o cargo de Justin Trudeau. Ambos possuem carreiras extensas na política e um bom trânsito entre as lideranças do Partido Liberal.
Fora da base governista, o líder do Partido Conservador, Pierre Poilievre, também ganha tração para a próxima corrida eleitoral. Crítico ferrenho das políticas de Trudeau, Pierre centra seu discurso no combate ao aumento do custo de vida, à inflação e à falta de moradias acessíveis, defendendo a redução da burocracia, dos impostos e do papel do governo.
Bastidores da crise no Canadá
A popularidade do primeiro-ministro canadense despencou em meio à inflação recorde, uma grave crise habitacional, altos preços dos alimentos e o desgaste dos eleitores com políticos no poder. Pesquisas recentes colocam os liberais com 16% de apoio, seu pior índice pré-eleitoral em mais de um século, enquanto os Conservadores da oposição lideram as intenções de voto.
No fim de outubro, cerca de vinte parlamentares liberais da base governista assinaram uma carta pedindo a renúncia de Trudeau, temendo uma derrota eleitoral esmagadora nas eleições federais previstas para outubro deste ano.
O cenário político piorou em meados de dezembro com a renúncia inesperada da vice-primeira-ministra e ministra das Finanças, Chrystia Freeland. Em uma carta contundente, Freeland questionou a capacidade de Trudeau de liderar o Canadá diante do nacionalismo econômico do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, incluindo a ameaça de tarifas de 25% contra o país.
Na entrevista desta segunda-feira, Trudeau comentou o caso de Freeland dizendo que sua ex-vice-primeira-ministra esteve ao seu lado por quase 10 anos e foi uma parceira política “incrível”. O premiê disse que esperava a permanência de Freeland como sua vice, “mas ela escolheu o contrário”.
O político de 52 anos tem apenas 33% de aprovação, de acordo com o Instituto Ipsos. Muito diferente de quando foi eleito pela primeira vez, em 2015, quando chegou a ter 70%. O seu partido não tem maioria na chamada Câmara dos Comuns do Canadá e Trudeau precisou sobreviver a constantes votos de desconfiança do Parlamento para seguir no cargo.
Como foi o governo de Trudeau
O premiê, que governa o Canadá há 10 anos, foi reeleito duas vezes. Apesar do tempo no cargo, Trudeau é apenas o nono primeiro-ministro mais longevo do país —seu pai, Pierre Trudeau, por exemplo, governou por mais de 15 anos, da década de 1960 a 1980.
Ao longo da década que esteve à frente do Canadá, Trudeau se posicionou como um progressista desde o início do mandato, e defendeu políticas à imigração e combate à crise climática. Assim que assumiu em 2015, Trudeau cumpriu a promessa de compor um gabinete com igualdade de gênero. “Porque é 2015”, foi a resposta do premiê a questionamento sobre a escolha paritária para o governo, com 15 mulheres e 15 homens.
Nos primeiros dois anos de mandato, Trudeau mantinha níveis satisfatórios de popularidade. No entanto, após alguns escândalos relacionados a um período de férias em uma ilha caribenha, a popularidade do premiê começou a cair.
O episódio que desidratou a imagem do premiê no início do mandato foi o vazamento de vídeos antigos em que Trudeau aparecia com “blackface” (prática hoje considerada racista em que pessoas brancas pintam o rosto com tinta preta para representar pessoas negras).
Nas eleições parlamentares de 2019 e 2021, a legenda de Trudeau, o Partido Liberal, perdeu cadeiras no Parlamento de Ottawa e foi obrigado a governar sem maioria na Casa. Há dois anos, a aprovação do premiê despencou, uma queda puxada por indignação com a inflação e escassez de moradias.
Durante a pandemia da Covid-19, no início de 2022, Trudeau defendeu medidas restritivas como lockdowns e obrigatoriedade de vacinas, e foi confrontado por manifestantes que bloquearam cidades e pontes na fronteira com os EUA contra as medidas.