O que o julgamento de El Chapo já revelou sobre o tráfico nas Américas
Com as audiências paradas para o recesso de fim de ano até o próximo dia 3 de janeiro, veja o que já aconteceu no julgamento mais esperado da década
Internacional|Fábio Fleury, do R7
No último dia 5 de novembro, o traficante mexicano Joaquín "El Chapo" Guzmán sentou-se no banco dos réus, em uma corte da Justiça Federal dos EUA no Brooklyn, em Nova York. Desde então, dezenas de testemunhas foram interrogadas em 21 dias de audiência.
A cada depoimento, foi possível aprender um pouco mais sobre como funcionou o tráfico de drogas nas Américas e, mais especificamente, como atuava o cartel de Sinaloa, um dos mais importantes do México, durante a 'gestão' de Chapo.
O julgamento está em recesso de fim de ano e só será retomado a partir do próximo dia 3 de janeiro. Chapo é acusado de 17 crimes, incluindo ordenar assassinatos, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, entre outros. Se condenado, pode pegar prisão perpétua.
Cortina de fumaça
Logo nos primeiros dias do julgamento, a defesa de Guzmán afirmou que o cartel de Sinaloa pagou propina a dois presidentes do México. A ideia era caracterizar o chefão como um bode expiatório da organização, que na verdade seria chefiada por seu sócio, Ismael "El Mayo" Zambada.
O juiz federal Brian Cogan, responsável pelo caso, repreendeu os advogados pelas "declarações bombásticas". Ele também impediu que Chapo pudesse abraçar a esposa, Emma Coronel, antes do julgamento.
Irmão do sócio vira testemunha
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A primeira testemunha de peso a depôr contra o chefão foi Jesús "El Rey" Zambada, irmão mais novo de "El Mayo Zambada". Ele deu detalhes sobre a formação do cartel de Sinaloa e contou como conheceu Chapo, em 2001.
El Rey também contou sobre a guerra entre o cartel de Sinaloa e o de Tijuana, que controlava rotas de tráfico de drogas para dentro dos Estados Unidos, na fronteira com o Texas.
Zambada deu detalhes sobre a fuga de Guzmán da prisão de Puente Grande, em 2001. O traficante se escondeu dentro de um carrinho de roupa suja e foi levado até um carro. O veículo saiu pela porta da frente da penitenciária, com El Chapo escondido no porta-malas.
Uma das histórias mais impressionantes que a testemunha contou foi a de quando o chefão mandou matar o irmão de um de seus sócios depois que ele se recusou a apertar sua mão após uma reunião.
O julgamento também trouxe a informação de que o cartel de Sinaloa montou um "fundo" de US$ 50 milhões (cerca de R$ 195 milhões) apenas para subornar autoridades mexicanas. Tudo isso foi relatado por El Rey Zambada durante vários dias de depoimento.
Ligação com cartéis colombianos
A testemunha seguinte foi o colombiano Miguel Ángel 'El Tololoche' Martínez. Ele foi piloto de Chapo de 1986 a 1998 e foi a principal ligação do cartel de Sinaloa com diversos cartéis colombianos, como os de Medellín (de Pablo Escobar), Cali, Bogotá e do Norte do Vale.
Tololoche disse aos jurados que, após ficar milionário com o tráfico de drogas, Guzmán começou a ter gastos excêntricos e chegou a ter quatro aviões ao mesmo tempo. Ele também relatou como o cartel mudou o foco da maconha para a cocaína, mais lucrativa.
Martínez disse que, após ser preso, escapou de quatro tentativas de assassinato e que o mandante foi seu ex-chefe. O motivo: ele vendeu uma casa que estava em seu nome, onde vivia uma das amantes de Chapo, para pagar seu advogado.
Abadía entra em cena
No final de novembro, um rosto modificado e conhecido dos brasileiros entrou em cena. O megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía, que foi preso em Barueri, na Grande São Paulo, em 2007, apareceu para testemunhar sobre como se tornou um dos principais fornecedores de coca para Chapo.
No início, o cartel de Sinaloa fazia apenas o transporte da cocaína do cartel do Norte do Vale, chefiado por Abadía, do México para dentro dos EUA. Com o tempo, os colombianos passaram a vender a droga para Chapo e o cartel de Sinaloa vendia em território norte-americano.
O colombiano contou que os cartéis decidiram mudar a rota de transporte de drogas. Os pequenos aviões começaram a ser mais visados na região da fronteira e, com isso, a solução encontrada foi o oceano. Barcos de diversos tamanhos passaram a levar a cocaína.
Coordenando transportes
Germán Rosero, outro homem do cartel colombiano, contou que era responsável pelo transporte da cocaína que chegava do México e que muitas vezes se encarregou de enviar dinheiro vivo para a Colômbia. Ele se entregou nos EUA em 2007, mesmo sem ser procurado.
O colombiano Tirso Martínez, também testemunha, relatou como o cartel usava vagões-tanque, destinados ao transporte de óleo vegetal, para transportar cocaína dentro dos EUA, especialmente para Chicago e Nova York.
Outro homem do cartel de Abadía, Jorge Cifuentes, era quem coordenava o transporte aéreo das drogas para o México. Ele disse aos jurados que faturou mais de US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) com o tráfico.
Durante os depoimentos, ficou evidente como a ousadia levou Chapo ao topo do negócio. Ele chegou a discutir um esquema que envolveria o uso de navios petroleiros da estatal mexicana Pemex, para trazer coca do Equador. O chefão também tentou comprar droga das Farc.
Distribuidor que mudou de lado
A última testemunha a depôr antes do recesso foi Pedro Flores. Junto com seu irmão gêmeo, Margarito, ele era o responsável por distribuir cocaína e heroína do cartel de Chapo em Chicago e, de lá, para várias outras partes dos EUA.
Flores contou que, quando sua esposa ficou grávida, ele decidiu deixar o cartel para tentar seguir com sua vida. Ele e o irmão passaram a gravar telefonemas com Chapo. Duas das conversas mostram uma negociação para venda e transporte de heroína.
Os irmãos Flores se entregaram e passaram a cooperar com a Justiça norte-americana.
No último dia antes do recesso, os promotores interrogaram agentes que fizeram apreensões de armas do cartel e exibiram um carrinho cheio de armas, que incluíam fuzis AK-47 e até um lançador de granadas.