O que pode determinar que uma guerra chegou ao fim?
Professor de Relações Internacionais da UFRJ explica que nem sempre um conflito termina quando um dos lados é derrotado
Internacional|Letícia Sepúlveda, do R7
Além da guerra que ocorre atualmente na Ucrânia, outros conflitos sangrentos acontecem no mundo, como a guerra da Síria que já se estende há mais de 10 anos, e os confrontos no Iêmen, que geraram uma grande crise humanitária. Muitos conflitos perduram mais do que o esperado, enquanto outros voltam a avançar após tréguas e acordos diplomáticos. Mas entre tantos interesses e impasses políticos, como as guerras finalmente chegam ao fim?
O professor de Política Internacional do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Fernando Brancoli explica que, do ponto de vista histórico, as guerras terminam com a derrota de um dos lados, quando um dos exércitos não tem mais condição de continuar lutando.
“Isso pode ocorrer de forma material, como o que ocorreu com o exército japonês na Segunda Guerra Mundial, quando perdeu muitos de seus soldados. Além dessa realidade, existem as questões ligadas à moral e a vontade de lutar, como na guerra do Vietnã, que os EUA perderam porque o impacto do conflito fez com que a população parasse de apoiar a guerra e começasse a exigir a volta dos soldados”, aponta.
Otimismo e Guerra Fria
Depois do término da Guerra Fria, com a dissolução da União Soviética, a comunidade internacional passou a incentivar cada vez mais que os conflitos armados fossem resolvidos de maneira diplomática.
Para o professor Brancoli, o período se caracteriza por um “otimismo ocidental”. “Temos a partir dos anos 1990 uma ênfase do mundo unipolar, com os EUA como o grande ator hegemônico e o país de certa forma se colocando como um agente da paz. Também existe a ideia de uma ‘vitória da democracia’ e o fortalecimento da ONU.”
Entretanto, o otimismo durou pouco tempo. Os EUA perderam seu caráter hegemônico com a relevância política cada vez maior da China, ao mesmo tempo que as Nações Unidas não conseguiram manter sua legitimidade e importância.
Atualidade e guerra na Ucrânia
Nos conflitos modernos, segundo o professor da UFRJ, dificilmente ocorre uma demarcação clara de um encerramento, com tribunais e acordos internacionais que levam a isso. Na guerra civil da Síria, que já deixou mais de 350 mil mortos, de acordo com a ONU, não há esse “encerramento simbólico”.
Além dos impasses, é comum que os acordos satisfaçam só o lado vencedor, o que pode criar condições para atritos futuros entre os envolvidos. “No final da Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes culpou só a Alemanha e obrigou o país a pagar os custos do conflito, o que acabou gerando, de certa forma, a Segunda Guerra Mundial”, explica o especialista.
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Um ponto importante que ultrapassa as questões diplomáticas é que o encerramento de um conflito nem sempre leva à paz. Em agosto do ano passado, por exemplo, após quase 20 anos da presença americana no Afeganistão, o Talibã voltou a controlar o país e a situação da população piorou, principalmente para meninas e mulheres.
Para Brancoli, durante a guerra na Ucrânia, o desacordo entre Rússia e Estados Unidos, dois membros permanentes do Conselho de Segurança, comprometeram a estrutura política das Nações Unidas. “Se antes a ONU tinha dispositivos para tentar impedir o uso da força de maneira indiscriminada, nos últimos anos eles estão sendo se desmontados."
Sobre a grande ofensiva russa na Ucrânia, o professor ressalta o desafio de encontrar um tratado de paz que contemple as demandas de Moscou e Kiev.
“Uma das dificuldades que teremos agora no conflito entre a Ucrânia e a Rússia será a de encontrar um acordo. Provavelmente, o que vai ocorrer é a continuação da guerra em outros termos, em outras intensidade, mas com a permanência da violência. É difícil imaginar entre as partes uma solução em termos iguais para os dois lados”, diz Brancoli.