O que se sabe (e o que não se sabe) sobre a explosão nuclear na Rússia
Apesar de negativas e poucas informações por parte do Kremlin, especialistas acreditam que explosão envolveu míssil nuclear apelidado de 'Skyfall'
Internacional|Fábio Fleury, do R7
Duas semanas depois, o mundo ainda não tem todos os detalhes sobre uma explosão nuclear que aconteceu no norte da Rússia no último dia 8. O que se sabe, oficialmente, é que o acidente deixou cinco mortos e causou níveis de radiação 20 vezes acima do normal na região da cidade de Severodinsk, cerca de 1200km ao norte de Moscou.
O governo russo forneceu poucos detalhes e deixou muito para a especulação. Na última terça-feira (20), o Kremlin chamou de "irresponsabilidade" a divulgação de informações sobre uma nuvem de radiação na região, mas não esclareceu muito mais sobre o ocorrido.
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Acidente no mar
A explosão foi registrada em uma plataforma marítima das forças armadas, próximo à vila de Nyonoksa, e a versão oficial é de que o combustível de um foguete que estava em testes explodiu, atirando diversos trabalhadores ao mar.
Seria apenas mais um acidente, se as medições por satélite não mostrassem um pico de atividade radiativa no local e uma nuvem que se espalhou pelo norte da Europa nos dias seguintes.
Médicos contaminados
Além disso, uma reportagem do jornal independente The Moscow Times afirma que pacientes atingidos pela explosão foram levados para o principal hospital de Severodinsk na tarde do dia 8 e os médicos não foram alertados de que se tratava de vítimas de um acidente envolvendo radiação.
Cinco funcionários do hospital, que não quiseram se identificar por medo de represálias, contaram ao jornal que os colegas que atenderam esses pacientes foram procurados por membros do FSB, a agência federal de segurança da Rússia. Eles teriam sido orientados a assinar termos de sigilo quanto ao ocorrido.
Segundo eles, pelo menos um dos médicos envolvidos nessa emergência apresentou sinais de contaminação por Césio-137 — o mesmo isótopo radiativo que matou 4 pessoas e contaminou 1.600 em Goiânia no famoso acidente de 1987. A sustância estava presente no tecido muscular do médico.
Ouvido pelo jornal, o especialista em efeitos de radiação Yuri Dubrova, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, explicou que a contaminação pelo césio é facilmente evitável se o paciente for limpo antes do atendimento. "No entanto, como os médicos não foram avisados, eles não fizeram isso", disse.
Arma misteriosa
Além das poucas informações passadas sobre os feridos e mortos, o governo russo também não esclareceu exatamente o tipo de armamento que estava sendo testado no momento do acidente. E nesse caso, a margem para uma especulação ainda mais grave foi aberta.
Para especialistas, o que estava em teste era o míssil Burevestnik. A OTAN chama essa arma de Skyfall, e se o nome lembra um filme do 007 é com razão: o foguete, anunciado pelo presidente Vladimir Putin em 2018, seria uma arma nuclear de alcance praticamente ilimitado.
Em entrevista à CNN, Jon Hawkes, diretor da empresa de análise de risco IHS Markit, disse que o mais provável é que Skyfall seja um míssil que contém um "pequeno reator nuclear com abertura de ar, que esquenta esse ar e o expele para gerar impulso". Com isso, ele poderia ficar no ar durante dias e atacar seu alvo de ângulos inesperados.
Bomba suja
O grande problema desse projeto é que qualquer reator nuclear usado para impulsionar um artefato deixa resíduos radiativos. Dessa forma, Skyfall seria a chamada "bomba suja", que combina explosivos convencionais com material nuclear. Seu uso causaria danos terríveis à região atingida.
"É uma arma apocalíptica, de fato. Não é algo que poderia ser utilizado em outro cenário além de uma guerra nuclear aberta. Ela pode ficar no ar por muito tempo, mas espalharia resíduos radiativos por todo o caminho", explicou Mark Galeotti, especialista em estudos da Europa Oriental da Universidade de Londres.
Propaganda militar
Para o professor, a existência de Skyfall seria uma maneira para Putin e a Rússia exibirem seu poder em escala global, e isso não significa que, uma vez construída, a arma fosse necessariamente ser usada.
"A Rússia está tentando parecer mais poderosa do que realmente é. Claro que eles não ficaram felizes com essa falha, mas o fato disso estar sendo debatido em escala global já é uma vitória", disse Galeotti à CNN.
Os cinco mortos no acidente, Alexei Vyushin, Evgeny Koratayev, Vyacheslav Lipshev, Sergei Pichugin e Vladislav Yanovsky, foram sepultados e a cidade onde eles trabalhavam, Sarov, lamentou a perda com dias de luto. Resta saber quando o mundo irá descobrir os detalhes que faltam sobre a explosão.