Os sete anões de Auschwitz que sobreviveram ao Holocausto
Eles vivenciaram uma saga de dor, sofrimento e permanente luta pela vida, após formarem uma trupe de artista itinerantes na Romênia
Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7
Desde o século 18, Rozavlea, na Transilvânia, hoje Romênia, era um vilarejo em que moravam algumas dezenas de famílias judaicas.
Uma delas, a família Ovitz, era composta em grande parte por anões, sete irmãos que foram enviados ao campo de concentração de Auschwitz e sobreviveram às atrocidades nazistas na Segunda Guerra Mundial.
Elizabeth, Rozika, Avram, Freida, Micki, Franzika e Perla, herdaram o nanismo do pai, o rabino Shimshon Eizik Ovitz, um anão que se casou duas vezes, com mulheres de estaturas convencionais.
A história deles foi contada no livro "Gigantes no Coração: A Emocionante História da Trupe Lilliput – Uma Família de Anões que Sobreviveu ao Holocausto”, de Yehuda Koren e Eilat Negev.
Artistas itinerantes
Esses sete anões vivenciaram uma saga de dor, sofrimento e permanente luta pela vida. Na Romênia, antes da guerra, formaram uma trupe, a Jazz Band of Lilliput, e, artistas itinerantes, passaram a excursionar pela Europa Central, por sugestão da viúva do pai, morto repentinamente em função das complicações do nanismo.
Ela vislumbrou para os filhos e enteados uma solução para não morrerem de fome em uma época de pobreza e mendicância, em que os anões sofriam ainda mais para se inserir na sociedade: a salvação pela arte e pela graça. E deu certo. Talentosos e carismáticos, chegaram até a cantar para o rei Carol II em Bucareste.
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Mas, no auge da guerra, tiveram que disfarçar a identidade, parando com as apresentações. E sabendo que tempos difíceis estavam por vir, esconderam todos os seus objetos de valor em um buraco cavado sob um carro. Arrumaram as malas com roupas do espetáculo e com maquiagens nos bolsos.
Foram então capturados pelos nazistas, que invadiram a região e, em março de 1944, enviaram toda a família (um total de 22 pessoas) para o campo de concentração.
Lá, os anões se depararam com o médico nazista Josef Mengele, que não tinha pudor em torturá-los com experiências dolorosas.
O médico e o monstro
As atrocidades de Mengele, que ficou conhecido como Anjo da Morte, são largamente conhecidas. O médico fez um teste de morte específico para mulheres, inclusive não judias, enviando centenas para as câmaras de gás ao mesmo tempo apenas para testar como elas reagiriam. Também matou famílias de ciganos para obter seus globos oculares, extraídos para pesquisa.
Com irmãos gêmeos, Mengele fez dezenas de experiências torturantes, para documentar as semelhanças de seus órgãos internos. As vítimas eram assassinadas após as experiências.
O temor da família Ovitz era de que o médico nazista fizesse o mesmo com eles. E o médico realmente não teve escrúpulos nas experiências.
Extraiu fluido da coluna vertebral, fez testes ginecológicos e no cérebro, nariz, boca e mão, segundo contou Elizabeth.
Mas poupou a vida dos sete, com o objetivo de prosseguir os testes, curioso pelo fato deles serem filhos de mulheres que não tinham nanismo.
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Certa vez, ele os apresentou para veteranos nazistas, em um grande prédio novo no campo residencial da SS.
Obrigou-os a ficarem nus para explicar suas conclusões malucas. E os fez cantar sua canção predileta "Come Make Me Happy." Aterrorizados, eles o chamavam de "Vossa Excelência."
Sete meses de tortura
A tortura durou sete meses, até que o campo foi libertado pelos aliados, em 27 de janeiro de 1945. Mengele fugiu e morreu clandestinamente no Brasil em 1979.
Já os Ovitz foram a família mais numerosa a sobreviver a Auschwitz. Retornaram a pé para Rozavlea, numa viagem de sete meses pelos destroços da Europa. Ao chegarem, viram que a cidade fora saqueada. Dos 650 moradores, 50 sobreviveram.
Os bens escondidos embaixo do carro, porém, continuavam lá. Foram então para a cidade de Sighetu, também na Transilvânia, e depois para a Bélgica, antes de, em 1949, imigrarem para Israel, onde se estabeleceram na cidade de Haifa. Continuaram cantando e se apresentando até 1955, mas encerraram a trupe devido ao desgaste físico.
Avram morreu em 1972, aos 69 anos, mesmo ano em que Micki, que tinha 63. Freida morreu em 1975, com 70 anos. Em 1980 ocorreu o falecimento de Franzika, com 90 anos. Em 1984, a morte da primogênita, Rozika, aos 98 anos. Elizabeth morreu aos 78 anos, em 1992. E Perla, aos 80 anos, foi a última a morrer, em 9 de setembro de 2001.
Tendo comprado uma sala de cinema em Israel, os Ovitz tiveram herdeiros que seguiram no show business, descendentes apenas dos homens, que puderam ter filhos altos. As mulheres, muito prejudicadas pelas experiências, não conseguiram engravidar.
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